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Norm Langer, presidente da Langer's Delicatessen, em Los Angeles, disse que é provável que ele aceite documentos falsificados de alguns de seus trabalhadores imigrantes, mas não é tarefa dele cruzar as informações para verificar sua veracidade | ROZETTE RAGO/NYT
Norm Langer, presidente da Langer's Delicatessen, em Los Angeles, disse que é provável que ele aceite documentos falsificados de alguns de seus trabalhadores imigrantes, mas não é tarefa dele cruzar as informações para verificar sua veracidade| Foto: ROZETTE RAGO/NYT

Entre os vendedores barulhentos anunciando sorvete, cachorro-quente e diversas outras coisas no coração de Los Angeles, um negócio ilícito atende discretamente os imigrantes ilegais ansiosos para trabalhar nos Estados Unidos. Eles anunciam: "Mica, mica", gíria em espanhol para os cartões que oferecem a clientes em potencial. 

"Do que você precisa?", perguntou uma mulher em uma calçada lotada em frente ao MacArthur Park, o epicentro do comércio, segurando um caderno em que iria anotar um pedido. "Ela pode conseguir qualquer coisa rapidamente", acrescentou um homem a seu lado. 

Um conjunto de documentos – um cartão da seguridade social e um green card – pode ser obtido por US$ 80 a US$ 200, dependendo do poder de negociação do cliente e da qualidade da falsificação. Os documentos falsos são um bom investimento para os imigrantes ilegais, dando-lhes a possibilidade de arrumar emprego em um restaurante, hotel e muitos outros estabelecimentos da segunda maior cidade do país. 

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O fracasso do Congresso em elaborar uma nova legislação de imigração ou de programas de trabalho viáveis para estrangeiros, com o objetivo de atender às demandas da economia americana, garantiu a sobrevivência da indústria de documentos falsificados, que surgiu depois que os legisladores aprovaram a última reforma de imigração, em 1986. A Lei de Reforma e Controle da Imigração acertou a situação de imigrantes ilegais no país desde 1982 e também proibiu os empregadores de contratar trabalhadores sem documentos. 

"Uma das consequências não intencionais mais previsíveis de nossa falha em abordar a demanda por mão de obra migrante é a criação de uma indústria de documentos falsos", disse Wayne Cornelius, especialista em migração da Universidade da Califórnia, em San Diego. 

"As falsificações de boa qualidade não são baratas, mas os migrantes consideram isso uma despesa necessária para ter acesso a empregos nos EUA", disse Cornelius, que é diretor emérito do Programa de Pesquisa de Campo de Migração Mexicana da universidade. 

Cerca de oito milhões de imigrantes ilegais participam da força de trabalho americana. Com a menor taxa de desemprego nos últimos 50 anos, isso significa que há uma abundância de postos de trabalho para os recém-chegados – e empregadores dispostos a contratá-los. 

Norm Langer, dono da Langer's Delicatessen, em frente ao MacArthur Park, admite prontamente que é provável que, inconscientemente, tenha empregado imigrantes ilegais. 

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"Eles precisam de mim e eu preciso deles. Não há mais ninguém para fazer o trabalho", disse Langer, cujo restaurante de 71 anos, uma instituição de Los Angeles, fica perto de uma área onde ocorre o comércio de falsificações, que às vezes é capturado em suas câmeras de segurança. 

Perguntado se verifica os documentos apresentados pelos novos contratados, Langer respondeu: "Não estou aqui para fazer o trabalho do governo." 

Em dezembro, o "The New York Times" revelou que o Trump National Golf Club em Bedminster, Nova Jersey, contratou pelo menos quatro imigrantes que apresentaram cartões de seguridade social e green cards falsos. 

Victorina Morales, imigrante ilegal na folha de pagamento do clube, e Sandra Díaz, residente legal empregada lá há três anos, quando ainda não tinha documentos, contaram que usaram falsificações. Duas outras ex-funcionárias do clube, que estão no país ilegalmente, contaram que foram contratadas da mesma maneira. 

Uma quinta funcionária, Emma Torres, disse em uma entrevista que a administração do clube de golfe sabia que seus documentos eram falsificados quando, em 2015, ela foi contratada para trabalhar primeiro na limpeza e mais tarde na cozinha. 

Foi fácil obter seus documentos, disse ela, que é do Equador. Um colega imigrante lhe deu o número de telefone de um corretor, que lhe disse para se encontrar em um restaurante com alguém que estaria usando uma camisa amarela e um boné. Torres conta que deu seu nome, sua data de nascimento, duas fotos e US$ 150 a essa pessoa. Algumas horas depois, voltou para pegar um cartão de seguridade social e um green card

"Se você não tem documentos, não tem trabalho – a menos que queira ser pago em dinheiro", disse Torres. 

Operação mais sofisticada

Nos últimos anos, vendedores de documentos falsos foram se afastando cada vez mais de enclaves imigrantes, como o Pico-Union em Los Angeles e a Roosevelt Avenue, no Queens, em Nova York, e se aproximando de residências e da internet. A produção migrou de lojas de impressão básicas – com máquina de escrever, tesoura e plástico laminado – para operações equipadas com computadores e impressoras de alto nível, que produzem falsificações com aparência autêntica, incluindo até recursos de segurança como hologramas. 

A indústria ilícita também floresce com a ajuda de redes sociais e tecnologia sofisticada, e alguns grupos operam além das fronteiras internacionais. Métodos de pagamento fora do setor bancário tradicional, como o Venmo, tornaram-se comuns, de acordo com os investigadores. O marketing é discreto, às vezes feito na dark web

"Estar um passo à frente dos falsificadores exige uma batalha constante. Estamos vendo fábricas de documentos se tornando mais complexas", disse Christopher Kuemmerle, agente de Investigações de Imigração e Alfândega da Segurança Interna em Los Angeles, que supervisiona uma força-tarefa composta de agências locais, estaduais e federais. 

Em 2017, o Serviço de Cidadania e Imigração dos EUA começou a emitir green cards com recursos de segurança, como a incorporação de imagens holográficas, na tentativa de dissuadir a fraude. 

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Como os falsificadores podem não ser capazes de replicar os recursos exatos, seus cartões provavelmente não passarão pela inspeção oficial nos portos de entrada dos EUA, como os aeroportos. Os empregadores, no entanto, podem não ser capazes de perceber a diferença. 

Mas a pressão sobre os empregadores também aumentou, fortalecendo ainda mais o negócio de documentos falsos. A administração Trump intensificou as auditorias em empresas que podem ter contratado imigrantes ilegais. 

Companhias que têm contratos federais devem usar o E-Verify, sistema eletrônico para detectar essas falsificações. Além disso, 22 estados exigem que pelo menos alguns empregadores, públicos e privados, usem o sistema. (Nova Jersey e Califórnia não estão entre eles.) 

O Sul da Califórnia é a região com a maior população de imigrantes ilegais no país, e muitos que atravessam a fronteira passam por Los Angeles a caminho do leste – e param no MacArthur Park. 

Durante uma tarde recente no parque lotado, os vendedores de documentos chamavam a atenção dos clientes com as mãos, usando o polegar e o indicador para fazer o formato de um cartão. 

Quando dois policiais apareceram, eles rapidamente saíram de lá. 

 

 

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