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Não são nem quatro da manhã e já estou caminhando em ritmo forte. A lua brilha no céu. À distância, um trem do metrô buzina, quebrando o silêncio. Dois patos atravessam o meu caminho bamboleando em meio à névoa. Ao fazer uma curva, percebo movimento entre as árvores e vejo uma sombra. Acelero o passo, mas paro para admirar dois texugos grandões abraçados no processo de acasalamento – e me olham com cara de surpresa, mas retomam o que estavam fazendo.

Bem-vindo ao Central Park tarde da noite – tão tarde que, na verdade, é aquele período entre a madrugada e o raiar do dia quando os festeiros e bebuns já foram para casa, mas ainda não chegaram os ciclistas, corredores e donos de cachorros com seus animais.

Comecei a vir para cá desde o início do ano, quando uma hérnia de disco me forçou a desistir da bicicleta ergométrica da sala. O melhor que posso fazer agora é andar – e andar – em um ritmo olímpico. Para percorrer os quase 18 km que mantêm meu coração em dia, alongar e voltar para casa a tempo de acordar minha mulher, o cachorro e meu filho adolescente, gosto de sair lá pelas 3h45, quando até o nosso porteiro da noite mal se mexe. Vou para o Great Lawn, que tem uma pista pavimentada de 800 m ao redor das quadras, perfeita para o movimento puro e simples e o fluxo ininterrupto de pensamentos.

A polícia não gosta de ver gente assim tão cedo. Oficialmente o parque fecha da uma às seis da manh㠖 e já fui avisado, mas ninguém me multou.

"Você não sabe que tem todo tipo de criatura por aí a essa hora, incluindo coiotes e corujas? ", um policial me perguntou.

Daria tudo para ver um coiote. Sinal de que o parque evoluiu bastante ao longo dos anos: quando comecei a correr à noite, nos anos 80, o perigo estava nos traficantes e assassinos.

Já cruzei com a minha cota de animais silvestres, que inclui gatos ferais, gansos canadenses, camundongos, ratos-do-mato, morcegos e ratazanas, que correm perto dos bancos e latas de lixo. Pela minha experiência, os esquilos dormem até 5h45, embora fiquem guinchando no escuro feito animais da selva. Os texugos assustam no primeiro encontro: bem-alimentados e de costas arqueadas, sobem as cercas com agilidade e nem piscam quando você se aproxima. De fato, encaram a gente com seus olhos que mais parecem bolinhas de gude, refletores de luz, como se perguntassem: "Quer me levar para casa?" Há alguns anos, temendo um provável surto de raiva, o Departamento de Parques capturou, identificou e vacinou os 70 e poucos espécimes que existem no parque.

Quase nunca vejo ninguém. Da entrada que uso, a da West 86th Street, dá para caminhar uns 90 minutos sem cruzar com uma única alma viva, o que não deixa de ser uma sensação estranha em uma cidade em que mesmo a rua mais tranquila sempre tem alguém para lá ou para cá. Calcula-se que uns 40 milhões de pessoas visitem o parque por ano. Segundo um relatório da manutenção, de 2011, a média diária era de 40 mil e até 220 mil em um domingo de verão. A energia de tanta gente fazendo tanta coisa é maravilhosa, mas quando não há ninguém por perto – nenhum skatista, jogador de frisbee, patinador, caminhante, comedor de waffle, corredor, enviador de torpedos ou tagarela – o parque parece um espaço do outro mundo. Passar pelos bancos vazios, chorões e trilhas arborizadas iluminados pelas lâmpadas antigas é como estar dentro de uma natureza morta.

De vez em quando há casais apreciando o romantismo do cenário, além dos bêbados ocasionais. Uma vez um cara subiu a cerca para movimentar um drone no gramado – e eu fiquei vendo sua luz vermelha subindo e descendo feito um elevador. Às vezes os funcionários estão movimentando tratores e arrumando a grama, o que empresta um ar de interior à cena. No verão, os hipsters chegam com sacos de dormir para pegar um bom lugar na fila para a apresentação Shakespeare in the Park. Uma vez vi um sujeito alto de capa e óculos de visão noturna andando de bicicleta.

Se estou brincando com o perigo? Espero que não. Há cabines de telefones de emergência nas trilhas e câmeras de segurança perto das entradas. O gramado permite uma ampla visão em todas as direções e os sentidos automaticamente entram em alerta máximo quando são só você e as sombras. Pelo menos não corro o risco de ser atingido por taxistas, entregadores ou o cara da pizza, as verdadeiras e constantes ameaças da cidade.

Pouco depois das 5h30, os primeiros sinais matinais tradicionais começam a surgir – como o cara de cabelo branco da Park Avenue dando uma espiada no celular enquanto seu golden retriever se espalha no chão ali ao lado; a Geese Police, passando devagar pelo laguinho das tartarugas em uma van que avisa que há "border collies em serviço"; os malhadores, em roupas de ginástica, fazendo todo tipo de movimento enquanto seguram a garrafinha de água. Depois de completar minhas 16 voltas em uma solidão quase total, o gramado de repente parece lotado – e quando volto com meu schnauzer, não há espaço para ritmo acelerado.

Como todo atleta que levanta cedo, sempre sinto a sensação de missão cumprida antes mesmo de a maioria das pessoas ter saído da cama; na fase do Great Lawn, entretanto, era como se fosse para um lugar que poucos nova-iorquinos conhecem, um tipo de cidade encantada que só existe a intervalos preciosos – no meu caso, a cada 48 horas.

Se fosse mais frequente interferiria na privacidade dos texugos.

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Allan Ripp é dono de uma empresa de relações-públicas em Nova York.

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