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Sérgio Fausto, cientista político do Grupo de Conjuntura Internacional da Universidade de São Paulo (Gacinte/USP) e diretor executivo do Instituto Fernando Henrique Cardoso (IFHC).

A vitória histórica de Cristina Kirchner não tira de foco questões que a presidente terá de enfrentar, como a inflação e a violência. Soma-se a esses problemas o fato que a sociedade argentina vive uma realidade política delicada, com a oposição enfraquecida e uma batalha entre o governo e os meios de comunicação. O cientista político Sérgio Fausto fala sobre alguns dos principais desafios da Argentina para os próximos anos. Ele conversou com a Gazeta do Povo por telefone.

Qual o principal ponto positivo do primeiro governo de Cristina Kirchner?

O principal ponto não abrange só o governo de Cristina, mas também o de Néstor Kirchner – marido e antecessor dela. Foi a recuperação da economia argentina, da renda e da capacidade de consumo da população, sobretudo dos mais pobres. Quando se compara como foi esse período em que o casal esteve no poder, de 2003 a 2011, com o imediatamente anterior à grande crise, de 1999 a 2002, se vê claramente que, depois de ter diminuído a uma média de 5% no primeiro período, o país passou a crescer a partir de 2003 na faixa de 8% ao ano.

E o principal aspecto negativo?

É a inflação, sobretudo como um sintoma de desequilíbrio da economia argentina. Nos últimos quatro anos, o crescimento foi impulsionado fundamentalmente por uma grande expansão dos gastos do governo e por uma expansão da política monetária, com emissão de moeda. A inflação saiu de 9% e está rodando acima de 20%. Isso não aparece nos índices oficiais porque eles são sabidamente maquiados. A economia argentina se recuperou, cresceu, mas tem desequilíbrios que vão ter que ser enfrentados. Ou seja, a economia do país está caminhando sob um fio de navalha.

Além da inflação, que outros problemas o país precisa enfrentar com urgência?

Há uma percepção de que a segurança pública está deteriorada, é um tema pendente na sociedade e pode machucar a Cristina dependendo do que vier pela frente. Evidentemente o maior problema é a inflação, porque é o que tira renda do pobre. Com a economia crescendo menos, tem menos dinheiro no cofre do governo e toda a política de subsídio vai ter que ser limitada. Aí tem uma situação que pode ir ao nervo mais sensível do apoio a Cristina, que é o de as pessoas terem hoje mais dinheiro no bolso do que no passado.

Então uma mudança política no país pode ser muito mais influenciada pela economia do que por uma oposição organizada?

Não tenho a menor dúvida. O que não é uma boa notícia. Um país que, para fazer mudança, precisa de crise econômica, não é uma boa receita.

Os meios de comunicação fazem mais oposição à Cristina do que a própria oposição?

O governo acredita que o que eles chamam de "bandeira da democratização dos meios de comunicação" traz ganhos político e social na Argentina. Os governistas falam abertamente em fazer um enfrentamento definitivo com os meios de comunicação. Diante da debilidade das oposições, os meios de comunicação passam a ser a voz de crítica ao governo mais ouvida na sociedade argentina. Ao atacar a mídia, Cristina levanta uma série de questões, de suspeitas sobre o funcionamento democrático da sociedade argentina. Eles podem dizer que é uma luta pela democracia, mas é uma luta pelo poder, para acabar controlando o último foco de resistência ao governo.

Quais as chances do governo aprovar uma mudança na Constituição para que haja reeleição indefinida para presidente da República?

A questão está no ar, estão testando devagar a ideia. Mas tem um desgaste para a Cristina internamente; a Argentina é uma sociedade muito mais sofisticada que a Bolívia e a Venezuela. Haveria um desgaste internacional, porque a presidente ia ficar com cara de Chávez, que hoje não é uma boa cara. Eu acho que é provável que isso não saia. Mas esta questão é muito sintomática de um processo de concentração de poder muito grande por um grupo político e, ao mesmo tempo, um colapso das oposições.

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