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 | Pete Souza/Ofificial White House
| Foto: Pete Souza/Ofificial White House

Há meses o presidente Barack Obama vem expressando, tanto em público quanto em particular, suas preocupações com certas ameaças que cada vez mais vêm surgindo contra a democracia dos EUA, que incluem o estado disfuncional do Partido Republicano, a balcanização da mídia e um eleitorado raivoso e desconfiado que pareceu muitas vezes ser incapaz de ter empatia.

No topo da lista de Obama – a encarnação física dessas ameaças potencialmente existenciais que ele vem elencando – consta o próprio Donald Trump, com quem Obama se encontrou na quinta-feira na Sala Oval. O presidente já havia ridicularizado Trump por ser um astro de reality show de temperamento instável que muitas vezes humilha mulheres e minorias, que não seria digno nem apto para o cargo mais alto do país.

A vitória de Trump traz à tona questões difíceis para Obama que a Casa Branca e o presidente apenas agora começaram a confrontar: que papel Obama, suas políticas e sua abordagem ao cargo tiveram, se é que tiveram algum papel de fato, na conquista de Trump da Casa Branca?

Reconforto

Durante mais de uma década, Obama vem moldando uma identidade política nacional em torno da ideia reconfortante de que os EUA partilham de um conjunto em comum de valores centrais que são liberais, democráticos e mais profundos do que as divisões do país de classe, raça e ideologia. Será que a vitória de Trump representa uma rejeição da visão otimista de Obama, um gesto de repúdio aos seus dois mandatos e à boa parte do que ele acreditava sobre os EUA?

Havia lágrimas, tristeza e um sentimento geral de descrença na Casa Branca – descrença em relação à possibilidade de que um número significativo de eleitores que haviam apoiado Obama em 2008 e 2012 teriam mudado de ideia e passado a apoiar a visão sombria, nativista e anti-imigração que Trump reserva para o país.

Os funcionários experientes da Casa Branca rejeitam a ideia de que Obama possa ter tido responsabilidade pela vitória de Trump ou que a eleição tenha sido um tipo de referendo sobre o governo Obama. “Uma eleição é uma comparação entre duas pessoas, dois candidatos na cédula”, disse a diretora de comunicações da Casa Branca, Jen Psaki.

Porém, os oficiais da Casa Branca, Obama inclusive, que haviam descrito as chances de vitória de Trump como sendo quase impossíveis, ficaram chocados com a profundidade da raiva, do medo e da incerteza econômica que colocaram Trump na Casa Branca.

Mas, em campanha, Obama muitas vezes pareceu minimizar os problemas da América branca rural e proletária. Em vez disso, ele se concentrou nos 15 milhões de empregos criados em seu segundo mandato e na queda da taxa de desemprego do país.

Neste verão, em seu discurso à Convenção Nacional do Partido Democrata, Obama falou apenas muito brevemente sobre os “bolsões da América que nunca se recuperaram do fechamento das fábricas, homens que se orgulhavam do trabalho duro e de serem provedores para suas famílias, que agora se sentem esquecidos”. Mas ele raramente visitou esses lugares e parece não ter conseguido lidar com os medos desse público quanto ao futuro.

Planos ambiciosos

Os oficiais experientes da Casa Branca descreveram, em janeiro, os planos ambiciosos do presidente para abordar mais diretamente os norte-americanos que discordam dele e de sua visão para o país. Mas esse trabalho acabou muitas vezes sendo posto de lado por conta de prioridades mais urgentes, como os massacres cometidos pela polícia ou os protestos durante o verão ou mesmo a própria eleição presidencial.

Até Obama parece confessar o fracasso dos seus esforços para abrandar os sentimentos de divisão e raiva que vêm fervilhando no país. Ele rejeitou a ideia de que suas políticas teriam prejudicado a classe branca trabalhadora. “A verdade é que todas as políticas que eu propus fariam uma diferença imensa para a classe trabalhadora branca, a classe trabalhadora negra e a classe trabalhadora latina”, disse Obama a Bill Maher, para a HBO, alguns dias antes da vitória de Trump.

Mas ele confessou seu fracasso maior em convencer os eleitores, numa época de “800 estações de televisão” e milhares de sites, de que ele compreendia suas frustrações e que suas políticas estavam de fato fazendo a diferença. “Nesta nova era, qual é o equivalente de chegar nas salas das pessoas e conversar com elas?” perguntou Obama. “Eu nem sempre consegui fazer isso tão bem aqui na Casa Branca, em parte por causa desta bolha que foi criada ao meu redor”.

Em alguns casos, a estratégia de Obama para lidar com a polarização do país e as disfunções do Congresso podem ter agravado o problema. Para reunir apoio para suas políticas, a administração Obama muitas vezes procurou novas mídias para mobilizar públicos pequenos e leais. Depois do seu Discurso sobre o Estado da União, por exemplo, Obama se sentou para ser entrevistado por astros do YouTube para falar sobre sua agenda para 2016, sobre o imposto sobre os absorventes e o porquê de ele preferir o rapper Kendrick Lamar a Drake.

Visibilidade

Procurando superar os entraves do Congresso, Obama dependeu muito de ações e ordens executivas para trazer progressos nas áreas de imigração, mudança climática e controle de armas de fogo. Essa série de manobras executivas de alta visibilidade aumentou a popularidade de Obama após as eleições de meio de mandato de 2014, sobretudo em sua base. Apesar de Trump ter ganhado a presidência, Obama sairá da Casa Branca com as taxas mais altas de aprovação em seu mandato. A primeira dama Michelle Obama e o vice-presidente Biden também reuniram um apoio ainda maior nas enquetes. A popularidade do presidente convenceu seus principais assessores de que a raiva do país não se dirigia contra Obama e suas políticas, mas contra um Partido Republicano implacável que havia priorizado entraves e táticas de obstrução mais do que a razão e a capacidade de conciliação. Hoje, mesmo os apoiadores mais ferrenhos do presidente concedem que essa teoria pode estar equivocada.

“Seria um erro se o Partido Democrata não utilizasse este momento agora como um momento de lucidez para a reflexão sobre se estamos conseguindo atingir o público ou não, ou se não estamos tentando fazer um abordagem ultrapassada”, disse um segundo oficial veterano da administração que também concordou em falar francamente sobre a eleição sob condições de anonimidade. “Não é uma questão de tática... mas mais sobre se estamos escutando e dando ouvidos ao que as pessoas estão vivenciando no país”.

O presidente, em conversas particulares com a sua equipe, descreveu os próximos 70 dias, até a data da posse de Trump, como um momento crucial para testar seu país e sua presidência. Um dos seus principais trabalhos, junto com Trump, será o de tentar fazer cicatrizar as feridas no país.

“Ele reconhece que será preciso mais do que um discurso do jardim da Casa Branca”, disse o segundo oficial da administração.

Em 2004, Obama apareceu na cena política nacional com a promessa arrebatadora de unir o país. “Não existe uma América dos negros e uma América dos brancos e uma América dos latinos e uma América dos asiáticos; existe os Estados Unidos da América”, ele prometeu.

A questão mais ampla, talvez a questão central dos 12 anos de Obama no cenário nacional, é se o país, por acaso, não teria se tornado grande demais, diversificado demais e indisciplinado demais para ser guiado por uma única voz. Essa era a pergunta que Obama parecia estar fazendo neste último verão, no discurso dado durante o funeral dos cinco policiais mortos em Dallas.

“Será que vamos conseguir fazer isso? Será que vamos conseguir encontrar o caráter, como americanos, para abrirmos nossos corações uns para os outros?” perguntou Obama. “Eu não sei. Confesso que eu também às vezes tenho dúvidas”.

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