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Lula Daniel Ortega
Em registro de 2010, Lula cumprimenta Daniel Ortega no Itamaraty| Foto: Roosevelt Pinheiro/Agência Brasil / arquivo

Em junho, o Instituto Nacional de Informação para o Desenvolvimento da Nicarágua (Inide), órgão de estatística do regime sandinista, publicou dados relacionados ao segundo trimestre desse ano nos quais afirmava haver novamente ocorrido uma redução na taxa de desemprego do país que vive sob a ditadura de Daniel Ortega.

Segundo o Inide, essa taxa caiu 0,2 ponto percentual no acumulado interanual, atingindo a marca de 3,3% da população. No mesmo período em 2022, esse número estava em 3,5%.

Ainda de acordo com o Inide, a taxa líquida de ocupação no país é de 96,7%, o que aponta para um aumento de 0,2 ponto percentual em relação ao mesmo período em 2022 (em junho do ano passado, esse número era de 96,5%).

Acontece que, por trás desses números, aparentemente positivos, esconde-se uma realidade sombria que não está sendo refletida nas estatísticas oficiais.

Segundo economistas consultados por veículos de comunicação independentes da Nicarágua, há indícios de que o órgão estatístico do país esteja manipulando os dados para sugerir uma queda contínua na taxa de desemprego.

Eles afirmam que a verdade por trás dessa aparente diminuição está ligada à emigração em massa de cidadãos nicaraguenses, muitos desempregados, que buscam refúgio e oportunidades em outros países para escapar da repressão, decadência econômica e violência no país de Daniel Ortega.

Segundo a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), mais de 100 mil pessoas deixaram a Nicarágua desde o início dos protestos contra o regime sandinista em 2018.

De acordo com o jornal nicaraguense independente La Prensa, esses emigrantes não estão sendo contabilizados pelo Inide como parte da População Economicamente Ativa (PEA), que é composta por pessoas que têm ou buscam emprego, mesmo com alguns deles deixando o país justamente pela falta de oportunidade no mercado de trabalho.

Segundo economistas ouvidos anonimamente pelo jornal, ao reduzir os números da PEA, a taxa de desemprego também está sendo artificialmente reduzida nos dados do Inide, que não indicam verdadeiramente uma diminuição no número de pessoas que estão procurando emprego no país, mas sim que a maioria dos desempregados está deixando a Nicarágua em busca de uma vida melhor.

“Provavelmente, o que estamos observando é que a saída dos nicaraguenses para o exterior está causando uma diminuição na força de trabalho, então muitos que antes estavam competindo no mercado nicaraguense em busca de emprego já não estão mais aqui, e isso se reflete nas estatísticas do regime”, disse um economista anonimamente ao La Prensa.

A situação demonstra como o regime de Ortega manipula as estatísticas oficiais para mascarar a crise severa que o país enfrenta e para projetar uma imagem fictícia de estabilidade e prosperidade. No entanto, a realidade é que os nicaraguenses enfrentam cada vez mais a falta de emprego, renda, liberdade e segurança.

“Esses números não refletem a realidade dos nicaraguenses, que todos os dias querem sair da Nicarágua devido ao esgotamento não apenas devido à repressão governamental, que mantém a população sob vigilância e ameaça com prisão a qualquer tentativa mínima de protesto ou reclamação contra o governo, mas também porque as pessoas não veem oportunidades de emprego, há pessimismo econômico e não veem um futuro para eles e suas famílias aqui”, afirmou outro economista que reside na Nicarágua de forma anônima ao La Prensa.

Ex-deputado e atualmente analista político, o economista nicaraguense Enrique Sáenz, que vive fora do país, afirmou ao site independente 100% Notícias que os dados divulgados pelo Inide são apenas instrumentos de propaganda do regime de Ortega.

Para ele, a ditadura usa as áreas econômica e social como principal instrumento para dizer que o país está indo bem sob o regime sandinista.

Sáenz explicou que há um tempo os órgãos de estatísticas da Nicarágua estão divulgando que a taxa de desemprego no país é de cerca de 4%, um número que “nem mesmo a maioria dos países desenvolvidos possui”.

Para o economista, os dados divulgados pelo órgão do regime de Ortega são “absolutamente falsos”. Ele disse que “basta dedicar um pouco de tempo para examinar as publicações dessa instituição para perceber que elas definem uma pessoa como ocupada com parâmetros inverossímeis”.

Sáenz também disse que existem pessoas que trabalham de forma avulsa no país e que estão sendo inseridas na lista dos que possuem empregos fixos pelo Inide. Para ele, essas pessoas que trabalham esporadicamente na verdade não estão ocupadas.

“Elas se enquadram no que é conhecido como subemprego, empregos precários, autoemprego. Essas pessoas que não têm trabalho fixo não ganham sequer o salário mínimo, nem mesmo o suficiente para comer três vezes ao dia. No entanto, o governo as trata como se tivessem emprego, o que é uma completa falsidade”, disse ele ao 100% Notícias.

Outro economista ouvido pelo 100% Notícias afirmou anonimamente que “o trabalho é a força motriz do desenvolvimento econômico, então, em um país com uma taxa de desemprego em menos de 4%, a economia deveria estar desenvolvida, a taxa de pobreza seria baixa e haveria estabilidade invejável”, o que não se observa neste momento na Nicarágua.

O economista, que ainda vive no país, afirmou que ultimamente está enfrentando cada vez mais dificuldades para suprir suas necessidades básicas.

Segundo ele, “há menos oportunidades de emprego e grande dependência de remessas familiares” – envios de dinheiro feitos por pessoas que residem fora do país.

A maioria das pessoas que deixam a Nicarágua são jovens com alta capacidade de trabalho e em idade produtiva, o que implica em perda de capital humano e redução do mercado interno para o país.

De acordo com Sáenz, essa fuga de talentos e de mão de obra afeta o crescimento e o desenvolvimento da Nicarágua, já que não se está contando com essas pessoas para impulsionar uma estratégia econômica com fatores internos e menos dependência de cooperação externa e envio de dinheiro.

O envio de dinheiro por pessoas que moram fora da Nicarágua para parentes que ainda residem no país representa atualmente uma fonte importante de renda para muitas famílias nicaraguenses.

De acordo com o Banco Central da Nicarágua (BCN), em 2022, foram recebidos mais de US$ 3,2 bilhões de dinheiro dessa forma, um aumento de 50,2% em relação a 2021, representando 20,6% do Produto Interno Bruto (PIB) do país. Neste ano, a projeção é ultrapassar os US$ 4 bilhões de envio de dinheiro externo.

Esses envios não geram emprego nem investimento produtivo na Nicarágua, sendo principalmente direcionados para consumo básico e pagamento de serviços. Além disso, esse tipo de recurso está sujeito às flutuações do mercado internacional e às políticas migratórias dos países receptores.

Um estudo divulgado em agosto pelo Centro de Estudos Transdisciplinares da América Central (Cetcam) mostrou que os migrantes nicaraguenses representam atualmente 10% da população do país e estão sustentando neste momento 20% da economia nacional. O estudo observa que essa situação não é sustentável, já que implica em mais dependência externa e mais desigualdade interna.

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