• Carregando...

O fogo que destruiu a mesquita da cidade árabe de Tuba-Zangaryie, no Norte de Israel, segunda-feira passada, evidenciou um dos aspectos mais ilógicos do impasse entre árabes e judeus na Terra Santa: o fato de que a voz da maioria que anseia por paz parece ser apenas um fiapo rouco diante do berro das minorias radicais. Há décadas, extremistas israelenses e palestinos sequestram o conflito no Oriente Médio, fazendo como reféns a maior parte dos moradores da região e destruindo as chances de um acordo de paz.

O suspeito de provocar o incêndio, um colono judeu de 19 anos, se encaixa no perfil da minoria ultranacionalista israelense que tem se tornado mais violenta. Desde 2006, são registrados entre 200 e 300 casos anuais de ataques a palestinos na Cisjordânia por parte, suspeita-se, de colonos radicais. Em 2009, o fenômeno ganhou um nome: price tag, algo como preço a pagar. Toda vez que são contrariados, esses radicais revidam causando danos a civis palestinos. A "vingança" pode ser em resposta a atentados de palestinos ou ações do Exército de Israel, como a retirada de assentamentos ilegais. Vão desde a destruição de plantações, lançamento de pedras a incêndios de casas e carros, passando por pichações e ameaças.

"A situação piorou depois da retirada israelense da Faixa de Gaza, em 2005, considerada quase como um pecado pelos radicais. Eles perderam a confiança nas autoridades e se sentiram traídos pelo Estado, que passou de sagrado a inimigo. Agora, começam a atacar também bases militares e outros alvos", explica o professor Meir Litvak, da Universidade de Tel Aviv.

Para o historiador palestino Daoud Talhami, da Universidade Birzeit, nos arredores de Ramallah, o fortalecimento da direita política em Israel tem um papel crucial. Segundo ele, a sociedade israelense ficou mais direitista nos últimos 20 anos. Tanto que foi justamente um ultradireitista (Yigal Amir) o responsável pelo assassinato do premier Yitzhak Rabin, em 1995, por discordar de suas negociações de paz com os palestinos que lhe renderam o Nobel da Paz.

"O atual governo Benjamin Netanyahu é composto de partidos de direita e extrema-direita, que fazem vista grossa aos ataques", afirma Talhami.

Para os chamados "ideológicos", a "Grande Terra de Israel" - o território relatado na Bíblia, que para alguns inclui o que hoje é Israel, a Cisjordânia e até mesmo parte da Jordânia e da Síria - pertence aos judeus por direito divino.

Três mil colonos são considerados perigosos

Segundo a ONG Paz Agora, 39% (107 mil) dos 328 mil israelenses que moram na Cisjordânia são "ideológicos", mas só 0,8% - menos de 3 mil - são "extremamente ideológicos", considerados perigosos. Essa minoria pensa como Avi G., um colono de 15 anos que mora no bairro judeu em Hebron, na Cisjordânia.

"A Terra de Israel pertence ao povo de Israel. Não a mais ninguém. Por esse objetivo sou capaz de tudo", explicou Avi ao Globo durante uma manifestação contra o reconhecimento da Palestina pela ONU. "Se os palestinos quiserem morar na Terra de Israel, tudo bem, mas sob o nosso controle. Se não quiserem, eles têm 22 países árabes para os quais podem ir."

As palavras do jovem espelham ensinamentos de radicais como Baruch Marzel, um dos mais notórios colonos ultra-ideológicos. Marzel diz que não aprova as ações ilegais contra civis palestinos, mas que "não tem vontade" de condená-las.

"Não dou força para quem quer cometer atos criminosos, mas entendo esses jovens, que temem pelas terras de seus antepassados. Estamos aqui porque Deus deu para nós, na Bíblia, a Terra de Israel. Os árabes, que vieram depois, são os invasores", acredita Marzel.

Segundo pesquisa de opinião do Centro Palestino de Política e Pesquisa, 74% dos israelenses se opõem às ações violentas dos colonos. Já entre os palestinos, 61% são contra a violência na resistência à ocupação israelense. Mesmo assim, as ações de radicais palestinos também falam mais alto. Na semana passada, dois palestinos jogaram pedras contra um carro na Cisjordânia, causando um acidente que matou um colono de 25 anos e seu filho de 1. Dias depois, a Tumba de José, em Nablus, um dos locais mais importante para o judaísmo, amanheceu pichada com suásticas.

Atentados e ações contra israelenses não são novidade. Há décadas, grupos extremistas como Hamas e Jihad Islâmica usam a luta armada contra o Estado judeu. Segundo dados da ONG B'Tselem, extremistas palestinos mataram 3,5 mil israelenses desde a criação do país, há 63 anos. Só de 2000 até hoje, 738 civis israelenses foram mortos.

No cerne dos ataques, também há a visão fundamentalista de que a Palestina histórica - que inclui Israel, a Cisjordânia e Gaza - foi dada aos muçulmanos por Alá. "Os judeus foram trazidos em aviões para a Palestina muçulmana para que a nação islâmica tenha a honra de aniquilá-los", declarou o clérigo Yunis al-Astal em discurso na TV do Hamas, em maio.

Mahmoud al-Zahar, um dos principais ideólogos do grupo radical, também costuma justificar uma futura expulsão dos judeus da Palestina. Segundo al-Zahar, eles foram expulsos de diversos países da Europa na Idade Média porque "chupavam o sangue" dos europeus, "roubavam seu dinheiro e conspiravam contra eles". "Nossos filhos continuarão a levar a bandeira de Alá até a expulsão total dos judeus da Palestina", disse al-Zahar, há poucos meses.

Abu Rabyia, um militante de 32 anos das Brigadas Izzedin al-Qassam, braço armado do Hamas, parece mais pragmático. Em entrevista ao Globo, Rabyia, morador da Cidade de Gaza, afirmou que as posições do Hamas "são claras" quanto a aceitar o estabelecimento de um Estado palestino apenas em Gaza, na Cisjordânia e em Jerusalém Oriental. Isso apesar de a carta de princípios do Hamas declarar que "Israel vai continuar a existir até que o Islã o aniquile".

"Até mesmo Khaled Meshaal (líder político do Hamas exilado na Síria) fala sobre aceitar as fronteiras de 1967. Israel é que não aceita isso. A ocupação é a maior injustiça que há hoje em todo o mundo", afirma Abu Rabyia. "Quando Israel fala em ser reconhecido como um Estado judeu, manda uma mensagem de que quer 'judaizar' a região e de que os nativos não são bem-vindos. Eles é que são racistas."

Desde a ascensão do Hamas ao poder em Gaza, em 2007, grupos terroristas locais lançaram mais de 10 mil mísseis, foguetes e morteiros contra Israel. Mas o número de atentados terroristas contra grandes centros urbanos diminuiu radicalmente, na medida em que a Autoridade Nacional Palestina, sob o moderado presidente Mahmoud Abbas, que controla a Cisjordânia, adotou uma campanha de não violência e de ativismo diplomático.

"O terrorismo palestino diminuiu, pelo menos na Cisjordânia. Mesmo assim, ainda há radicais interessados em atacar Israel, incitados por uma educação que continua satanizando os judeus", afirma o professor Meir Litvak. "Não vai haver paz por aqui até que os dois lados aplaquem seus radicais e eduquem o povo contra o ódio religioso e político."

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]