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Afegãos passam pelo local onde, em 2001, o Taleban destruiu estátua de Buda, patrimônio cultural do país | Shah Marai/AFP
Afegãos passam pelo local onde, em 2001, o Taleban destruiu estátua de Buda, patrimônio cultural do país| Foto: Shah Marai/AFP

Cabul - Dos confidentes do presidente no Situation Room da Casa Bran­­ca a âncoras da tevê a cabo, passando por pensadores da cidade, a opinião estabelecida é: o Afe­­ganistão é uma coletânea de tribos ingovernáveis que amaldiçoou todos os conquistadores desde Alexandre, o Grande. Co­­mo ocorre com parte da opinião geral, isso pode ser verdade.

Porém, enquanto o presidente Barack Obama debate sobre se deveria enviar mais tropas americanas ao Afeganistão, e, mais enfaticamente, se ele os estaria mandando a um buraco negro de desesperança civil, estudiosos e diplomatas americanos e afegãos afirmam que vale a pena relembrar quatro décadas da história recente do país, da década de 1930 a de 1970, quando havia um semblante de governo nacional e Cabul era conhecida como "a Paris da Ásia Central".

Tanto afegãos quanto americanos descrevem o país daquela época como uma nação pobre, mas que construía rodovias nacionais, mantinha um exército e defendia suas fronteiras. Como monarquia, depois como monarquia constitucional, houve uma relativa estabilidade e, na década de 1960, um curto período de modernidade e reforma democrática. Mulheres afegãs não só frequentavam a Uni­­versidade de Cabul, mas assistiam às aulas de minissaia. Visi­­tantes – turistas, hippies, indianos, paquistaneses, aventureiros – ficavam impressionados com a beleza dos jardins da cidade e com as montanhas cobertas de neve que cercavam a capital. "Morei no Afeganistão quando o país era governável, de 1964 a 1974", disse Thomas E. Gout­­tierre, diretor do Centro de Estu­­dos do Afeganistão da Univer­­sidade de Nebraska, que recentemente se reuniu em Cabul com o general Stanley A. McChrystal, principal comandante da Otan no Afeganistão.

"Sempre achei que esse era um dos lugares mais bonitos do mundo", diz Gouttierre. Os afegãos de hoje afirmam que a visão sobre seu país como um "cemitério de impérios" ingovernável é condescendente e desinformada. "Infelizmente, agora temos muitos especialistas sobre o Afe­­ganistão que surgiram da noite para o dia", disse Said Tayeb Jawad, embaixador do Afega­­nistão em Washington. "Você liga qualquer canal de tevê e vê especialistas em etnias afegãs, questões tribais e história do Afe­­ganistão que nunca nem estiveram no país ou leram algum li­­vro. O Afeganistão é menos tribal que Nova Iorque", disse Ja­­wad. Zalmay Khalilzad, afegão-americano e ex-embaixador dos Estados Unidos no Afeganistão, cresceu em Cabul e na cidade de Mazar-i-Sharif, no norte. Ele disse que chamar um país de ingovernável é uma reação padrão quando os americanos não querem se envolver em um conflito, como o Iraque ou os Bálcãs. A resposta, disse ele, é mais ou me­­nos assim: "Erramos em estabelecer os objetivos, pois é impossível ajudar este país. Eles estão em guerra há mil anos, quem nós pensamos ser para achar que podemos re­­solver este problema?".

Khalilzad seria o primeiro a reconhecer que o Afeganistão sempre foi politicamente fracionado, e que houve assassinatos e golpes até mesmo durante a época de relativa paz. No entanto, a atual espiral negativa só começou a partir de 1978, quando o primeiro-ministro, Sardar Mo­­hammad Daoud Khan, foi morto em um golpe comunista, deflagrando três décadas de conflito. Em 1979, os soviéticos invadiram e ocuparam o Afeganistão durante a década seguinte. Po­­rém, finalmente foram expulsos por combatentes mujahedeens respaldados pelos americanos, alguns dos quais vieram a formar o Taleban, milícia estudantil islâmica que controlou Cabul em 1996.

O Taleban, por sua vez, foi derrubado pelos americanos em 2001, mas o combate continuou. No final da década de 1970, grande parte da elite instruída já tinha deixado o país e se restabelecido na Europa, Ásia e Estados Unidos. Junto com eles se foi a promessa das décadas anteriores, quando Cabul solicitou ajuda externa de Washington e Mos­­cou, que resultou em eletricidade, represas e irrigação, na época em que um jovem Parlamento estava tentando erguer uma de­­mocracia principiante.

"Definitivamente houve o que viria a ser uma tradição nova de uma sociedade mais aberta e pessoas capacitadas" naqueles anos, diz Paula Newberg, diretora do Instituto de Estudo da Di­­plo­­macia da Georgetown Uni­­ver­­sity, que foi consultora do go­­verno do presidente Hamid Kar­­zai no Afeganistão de 2002 a 2004.

J. Alexander Thier, especialista sobre o Afeganistão do U.S. Institute of Peace, morou no país durante a tomada do poder pelo Taleban, na década de 1990. Ele afirma que alguns afegãos retornaram ao país após 2002, mas que muitos ainda viviam no exterior. Thier disse não estar "incrivelmente otimista" em re­­lação ao Afeganistão após oito anos da atual guerra, mas que apoia uma ajuda robusta de re­­construção e ajuda americana para contribuir para o reforço dos governos regionais por todo o país. "Morei no Afeganistão nos dias de absoluta escuridão. Se o país fosse se separar em estados independentes, teria acontecido naquela época", disse ele. Agora, "as alternativas são tão mais sombrias e perigosas para nós que precisamos continuar tentando". Frederick W. Kagan, especialista militar do American Enterprise Institute, fez um co­­mentário relacionado: "Nossos inimigos acreditam que o Afe­­ganistão é governável em seu estado atual, porque é is­­so que eles estão tentando fazer".

Por ora, autoridades do governo americano debatem se deveriam focar menos no fraco governo central afegão ou investir mais dinheiro e esforços nas províncias, onde tradicionalmente os militares dominam.

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