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David Ramírez Castillo conheceu o padre de sua paróquia, o reverendo Román Martínez, quando estudava Catecismo, aos sete anos; mais tarde, se tornou um de seus coroinhas. E conta que o religioso o convenceu de que, para aprofundar sua fé, deveria passar mais tempo com ele e outros membros do clero.

E o que começou como visitas vespertinas se transformou em estadias e fins de semana em camas compartilhadas, inclusive no Summit, uma mansão que serve de retiro com direito até a piscina. Ramírez, que ainda é católico, diz que foi violado repetidamente pelo padre Martínez e forçado a vê-lo com outros, inclusive religiosos, fazendo sexo ao longo de três anos, a partir de 2004, quando tinha 14 anos. Os padres negam as acusações.

O caso, que inclui alegações da existência de uma suposta rede e esquema de acobertamento, envolve dez padres — as acusações são corroboradas por outra suposta vítima e diversas testemunhas — se tornou um dos escândalos sexuais mais graves desde que Francisco assumiu o papado.

E também se tornou exemplo da abordagem mais aberta e direta em relação aos abusos assumida pelo pontífice, que já mudou o tom em um Vaticano duramente criticado por negligenciar décadas de abusos cometidos por padres ao redor do mundo.

Ramírez, hoje com 25 anos, conta que escreveu para o Papa para fazer a denúncia em agosto passado; dias depois, recebeu uma ligação do líder religioso, encorajando-o a manter a queixa. “Eu lhe disse para procurar o bispo no dia seguinte, para quem escrevi em seguida, pedindo que abrisse um inquérito”, disse Francisco a um repórter espanhol em novembro.

Em janeiro, o juiz Antonio Moreno divulgou o sumário de acusação. No relatório do magistrado, visto pelo New York Times, Ramírez fez relatos detalhados das práticas sexuais dos padres.

Nos meses de verão, Martínez e seus colegas ficavam no retiro no alto da colina, onde organizavam várias festas, de acordo com os depoimentos. Os religiosos inclusive nadavam na piscina e tomavam banho nus na frente dos convidados, todos adolescentes. Às vezes assistiam também a filmes pornôs gays enquanto tocavam uns aos outros.

O advogado dos padres, Javier Muriel, disse: “O que há é falta de provas. Só espero que um dia se descubra por que alguém haveria de inventar uma coisa dessas”.

Após a intervenção papal, a diocese de Granada suspendeu o padre Martínez e os outros

principais suspeitos de suas funções. No fim de novembro, quatro pessoas foram detidas brevemente, como parte do inquérito — incluindo Martínez, que foi liberado após pagar fiança equivalente a US$11 mil.

Doze pessoas, incluindo dez padres, foram indiciadas por abuso a Ramírez ou por acobertarem Martínez. A Igreja também abriu sua própria investigação.

O inquérito está sendo supervisionado pelo Vaticano e não pela Diocese de Granada, que já estava sob observação devido a alegações de malversação financeira, depois de gastos abusivos feitos pelo arcebispo.

“Essa história nunca teria sido divulgada se o Papa não tivesse intervindo”, afirma Amina Nasser, jornalista da publicação regional Andaluces Diario.

Há muito o Vaticano mostra uma reação inconstante em relação aos abusos do clero e Francisco nem sempre reage da forma que muitos esperavam. Enquanto arcebispo na Argentina, ele se recusou repetidas vezes a se encontrar com as vítimas e/ou suas famílias; desde que se tornou Papa, porém, criou um contato mais pessoal e validou a revolta pública em relação ao problema, além de criar uma comissão para examinar as políticas da Igreja.

Em janeiro, o arcebispo de Granada, Francisco Javier Martínez Fernández, foi a Roma para se encontrar com o Papa – que, segundo Paqui Pallarés, porta-voz da diocese, lhe pediu que assumisse e lidasse com os problemas.

Alguns fiéis admitem terem dificuldade em aceitar ou mesmo compreender o escândalo.

“Não entendo como um religioso pode causar mal a alguém, ainda mais uma criança”, diz Úrsula Muñoz, com a filha Martina, de quatro anos, no colo.

Elisabetta Povoledo e Laurie Goodstein contribuiu

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