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Professor Amir (à esq.) e seus alunos no madraçal (escola religiosa) de Gahri Afghanan, no Paquistão: “Não ensinamos terrorismo” | Igor Gielow/Folhapress
Professor Amir (à esq.) e seus alunos no madraçal (escola religiosa) de Gahri Afghanan, no Paquistão: “Não ensinamos terrorismo”| Foto: Igor Gielow/Folhapress

No Brasil, desinformação e tolerância

Um grupo de cinco alunos se reúne ao redor de uma fotografia de Osama bin Laden.

São estudantes da escola estadual Clarice Seiko Ikeda Chagas, na periferia de Interlagos. Um deles, por coincidência, é filho de palestinos.

"Você conhecia ele?", pergunta Ana da Silva, de 11 anos, apontando para a foto e depois para Sameir Dahonk, 11. Ele nega, todos riem. Re­­beca dos Santos, 11, comenta: "Como ele era feio!". Mais risos.

A descontração divide espaço, na conversa, com a tentativa inicial de impressionar a reportagem.

"Sei que o número de mortes é de...", diz Rebeca, em tom de ditado. "Ei, também decorei isso!", briga Sameir. "Deixa eu falar meu texto", ela protesta. Depois, tira um papel do bolso e lê o resto.

Passado o constrangimento, o bate-papo com os alunos se direciona para o fato de que nenhum deles se lembra dos atentados –ocorridos quando acabavam de nascer.

Os estudantes têm opiniões moderadas. Condenam os atentados ("Não é porque sou árabe que vou achar que está certo", afirma Sameir), mas também desconfiam da participação dos Estados Unidos.

A maior parte do que sabem eles aprenderam de­­pois da morte de Bin Laden, em maio. Também nessa época o tema foi discutido nas aulas do colégio Arquidio­­cesano, na Vila Mariana.

Na época, os alunos de ambas as escolas assistiram no YouTube aos vídeos dos atentados e se impressionaram.

Nicolas Fernandes, 12, já havia visto um documentário na televisão sobre o tema. "Tive de perguntar para minha mãe se era de verdade", diz.

Sem compreender os detalhes da história, os alunos concordam que não conseguem ter opinião formada. "Não sei no que acreditar", diz Isabela Lombardi, 12, citando teorias conspiratórias.

"Eu fico em cima do muro", afirma Nicolas. "Quem sabe os EUA já não sabiam que a economia ia para o buraco e quiseram pegar o petróleo?"

Folhapress

A história do 11 de Setembro e das guerras subsequentes ainda não foi decantada na academia, mas em salas de aulas nos países mais afetados por ela é possível aferir que o modo como é contada não só tem diferenças, mas que também carrega sementes para conflitos no futuro.

A reportagem conversou com alunos e professores nos Estados Unidos, no Afeganistão, no Paquistão e no Iraque. Sem pretensão científica, a amostragem buscou observar o tom de como a história do 11 de Setembro é contada.

Um terço de página

Sean Fitzpatrick tinha quase 8 meses quando os aviões atingiram as Torres Gêmeas em Nova York. "Os professores não gostam de falar sobre o assunto, nem meus amigos. Me sinto bem seguro, mas a gente sempre tem um medo", conta.

Ele acaba de começar a sexta série na escola pública Lincoln em Nutley, Nova Jersey. Tudo o que o livro de história lhe conta sobre o evento central da história americana recente está resumido em um terço de página, sem grandes adjetivações.

Patricia Bell, 35 anos, professora em duas escolas privadas em Nova York, diz: "Não podemos aliená-los, mas acho que também não precisamos criar paranoia. E, claro, evitamos qualquer acusação ao islã como religião".

Orientação politicamente correta semelhante é dada pela ONG americana Children of September 11 (Crianças do 11 de Setembro), que aconselha pais e professores.

"Querem minimizar o impacto psicológico. Tanto que no nosso teste a pergunta sobre o que aconteceu naquele dia só entrou em 2008", conta Sharon Craig, 52, que dá aulas para imigrantes em processo de naturalização, muitos muçulmanos "que querem esconder sua religião".

Terrorista e soldado

Como seria de se esperar, os jovens iraquianos sob ocupação americana não têm exatamente como ficar indiferentes à realidade do pós-11 de Setembro.

"A gente brinca de terrorista e soldado", diz com um sorriso Karrar Heider, de 13 anos. Ele e o irmão Munsar, 10, mostram suas pistolas de brinquedo bem realistas. E os americanos? "De vez em quando, a gente mata uns junto com os terroristas."

"Meus professores não falam nada, mas acho que nem precisa, né? É só olhar na rua, todas essas barreiras e arames. É tudo culpa dos americanos", diz Munsar em sua casa no subúrbio bagdali.

Há uma espécie de stalinismo misturado com o politicamente correto no material didático que ambos os garotos recebem na escola pública.

O regime de Saddam Hussein foi apagado da história, mas também os fatos ligados à ocupação americana. Fala-se genericamente de "quando a democracia voltou para o Iraque", somado a lições estéreis de "liberdade".

"Para mim é difícil. Uma vez um avô de um menino me ameaçou, dizendo que eu falava pouco do Islã", conta a atriz de teatro Alaa Najeem, 30 anos, que dá aula na periferia em Al Fudailia. Ela tem que manter os dois empregos para sobreviver.

Oma Noura, 65 anos e 30 de ensino de inglês em escolas públicas, relata também queda salarial: hoje ela ganha o equivalente a R$ 600 para dar aulas a três turmas de 28 alunos; na época de Saddam, proscrito dos livros agora, era o dobro.

Pelada

Semelhante queixa tem Abdel Hakim Khan, 48, que dirigia até julho uma escola no centro de Cabul. "Ganhava menos de R$ 100 por mês. Não valia a gasolina até lá. Assim, convenhamos, é difícil falar bem do que aconteceu aqui", conta.

No Afeganistão, o 11 de Se­­tembro não chegou aos livros didáticos ainda por falta de recursos, segundo o governo.

"A gente conversa na escola, meu professor sempre defende a luta do Taleban. Eu mesmo não gosto muito, porque naquele tempo deles a gente não podia jogar futebol na rua nem usar calça jeans", diz Abdel Warez, 17, que quer ser médico como os irmãos.

No começo de agosto, ele se revezava com amigos na pelada de meio de tarde no parque Shar-e-Now, que tem a única quadra poliesportiva do centro de Cabul.

Algumas camisas de times espanhóis e italianos dividiam espaço com uma solitária amarelinha brasileira, envergada pelo fã de Ronaldinho Gaúcho Fawad Najafi, 15.

"Eu não quero que os americanos vão embora. Meus professores sempre falam que a ocupação é ruim, mas acho que a segurança vai piorar sem eles", diz ele, que quer ser analista de sistemas.

Meninas raramente falam com estrangeiros, mas Ayesha, 10, topou conversar no Jardim das Mulheres, único ponto de encontro feminino de Cabul. "Queria mais lugares assim, só isso", resume.

Serpente

"Quero que você vá para um madraçal bem pobre para ver como é", desafiou Tahir Malik, 41, da Universidade Nacional de Línguas Modernas em Is­­lamabad.

Madraçais são as escolas religiosas que acabam se responsabilizando por toda a educação das crianças em áreas pobres.

São 8 mil registradas e cerca de 30 mil informais no país, muitas financiadas com dinheiro dos fundamentalistas que dominam a vida religiosa na Arábia Saudita – o Taleban, "estudantes" em pashtun, veio delas.

A reportagem visitou uma em Gahri Afghanan, área rural em Taxila. "Não ensinamos terrorismo, mas você tem de entender que este é um país atacado pelos EUA, e nada melhora com eles aqui", disse Amir, 18, que faz o papel de professor de urdu para 35 alunos entre cinco e 15 anos.

"Se o governo reclama, por que não põe dinheiro?", questiona seu chefe, Mohammad. Cada criança custa o equivalente a R$ 20 mensais, e o dinheiro é recolhido na vila.

"O Islã fala que não devemos matar inocentes, mas inocentes são mortos em todos os lugares do nosso país", afirma Abnan, 11, que quer virar sacerdote.

Malik conta que não há literatura didática recente no país. De fato, entre um grupo de jovens da escola pública do setor H-9 de Islamabad, havia grande ignorância dos detalhes da vida política do Paquistão, o "ninho da serpente" do terror jihadista.

Mas há antiamericanismo. "Não acho que o que o Bin Laden fez foi certo. Mas também não é certo bombardearem muçulmanos inocentes com esses aviões-robôs", disse Hamza Khan, 14. Ele quer fazer "sua parte": ser piloto da Força Aérea, e "um dia lutar contra os americanos".

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