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De muitas maneiras diferentes, o presidente emérito do Pontifício Conselho para a Cultura (todos os chefes de dicastérios romanos entregam o cargo quando o papa morre ou renuncia), Gianfranco Ravasi, 70 anos, é "o homem mais interessante na Igreja". Ele foi elogiado por suas meditações no retiro anual de Quaresma feito pelo papa e pela Cúria Romana, organizadas em torno de reflexões sobre os Salmos. No fim, o papa Bento XVI agradeceu a ele por seu "brilhante" trabalho – e "brilhante" é uma palavra que costuma aparecer nas frases sobre Ravasi.

Durante o retiro, muitas reportagens aproveitaram apenas a citação de Ravasi a "divisões, dissidências, carreirismo e inveja", tomada como uma indireta interessante em meio ao furor do "lobby gay no Vaticano" divulgado pela imprensa italiana. Mas aqueles que passaram a semana inteira na capela Redemptoris Mater, no entanto, saíram com uma boa impressão. Um cardeal disse, no meio da semana, que Ravasi estava se saindo "impressionantemente" bem.

A lógica a favor da candidatura de Ravasi se resume a:

Primeiro, ele tem cérebro. Sempre que aparece em público, ele faz citações literárias com a mesma frequência do pigarro de um fumante compulsivo. E faz sempre, sem o menor esforço. Em dezembro de 2010, ele ofereceu um discurso improvisado de boas-vindas a um cosmólogo de Cambridge que vinha dar uma palestra no Vaticano. Em 15 minutos, citou Nietzsche, Kant, Levi-Strauss, Stephen J. Gould e Isaac Newton – uma citação a cada minuto e meio. Ravasi ainda ganhou pontos extra ao acrescentar que ele não apenas leu os trabalhos mais conhecidos de Newton, mas também seu desconhecido comentário ao Apocalipse – que, acrescentou Ravasi, rindo, era "horrível". Ele conhece tanto de tanta coisa em parte porque dorme apenas quatro horas por noite, e preenche esse tempo extra com livros.

Segundo, Ravasi tem um apelo popular. Quando ele retorna à sua cidade natal de Milão para falar, ele atrai multidões, muitas vezes de jovens italianos que não estariam batendo à porta da Igreja em nenhuma outra situação. De 2002 a 2007, Ravasi escreveu uma coluna diária no jornal católico Avvenire. Chamada Mattutino ("oração da manhã"), oferecia um pensamento curto para o dia, sempre acompanhado de uma citação tirada de uma miríade de autores, e era tremendamente popular.

Terceiro, Ravasi é um insider do Vaticano, mas não um que esteja associado a nenhum escândalo. Muitos cardeais querem que o próximo papa faça uma limpeza no Vaticano, mas também querem alguém que conheça as engrenagens. Essas duas qualidades são difíceis de reunir num mesmo homem, já que as criaturas da burocracia não são exatamente as pessoas certas para reformá-la. Ravasi, no entanto, é o tipo raro que é visto como estando no Vaticano, mas que não é do Vaticano. E ele tem a coragem de expor suas convicções. Em 2009, organizou uma conferência vaticana sobre a teoria da evolução, chamando cientistas e crentes para o diálogo – apesar do que chamou de "terror" de alguns do Vaticano, para quem o evento abriria portas que era melhor deixar fechadas (Ravasi disse que Bento XVI apoiou completamente o projeto).

Quarto, Ravasi pode chamar a atenção dos cardeais como o candidato ideal para ser o "missionário-chefe" da Igreja. Ele é um homem de tradição cristã que se sente totalmente em casa no mundo pós-moderno. Ele também lida muito bem com a imprensa, e se dedicou muito a pensar em como a Igreja deveria encarar a nova revolução das comunicações – ou seja, o que significa evangelizar na era dos Kindles e dos iPads, dos telefones 4G e dos netbooks. "Não podemos dizer que, para manter a pureza da nossa mensagem, teremos de seguir usando os formatos antigos", disse Ravasi em 2010, em uma entrevista ao National Catholic Reporter. "O resultado disso é que as pessoas não entendem nada do que dizemos. Você consegue surdez, não comunicação."

Quinto, Ravasi é um admirador de Bento XVI e que é visto como um tanto conservador em termos teológicos (houve uma pequena controvérsia em 2002, quando Ravasi publicou um artigo sobre a Páscoa com uma interpretação da ressurreição de Cristo que alguns consideraram um tanto heterodoxa, e três anos depois o texto poderia ter custado a Ravasi a nomeação como bispo de Assis. Mas Bento XVI acabou com as dúvidas ao nomeá-lo para o posto que ele detinha no Vaticano até há pouco). Ninguém, no entanto, pensa em Ravasi como um ideólogo.

Mas também existem algumas reservas dignas de consideração.

Primeiro, e talvez o mais importante, Ravasi tem experiência pastoral zero. Ele nunca esteve à frente de uma diocese, e sua única posição administrativa foi comandar a Biblioteca Ambrosiana, em Milão. Tipicamente, muitos cardeais acham que uma boa dose de aperfeiçoamento pastoral é uma condição sine qua non.

Segundo, Ravasi tem um problema com a matemática. Ele nunca foi parte de nenhum círculo de influência entre os italianos, preferindo fazer as coisas do seu jeito. Isso é parte do seu charme, mas também significa que ele não tem base de apoio, um bloco de cardeais amigos cujos votos já estariam garantidos. Um vaticanista italiano veteraníssimo diz que, justamente por isso, Ravasi não tem, entre os italianos, nem 10% do apoio que é dado a Angelo Scola. Além disso, o trabalho de Ravasi no Pontifício Conselho para a Cultura não é exatamente algo que permita a criação de alianças políticas. Ele não pode nomear bispos, não pode direcionar ajuda a igrejas locais no mundo em desenvolvimento, não pode influenciar decisões de política vaticana. O Conselho para a Cultura é basicamente um think tank com uma ou outra benesse para distribuir.

Terceiro, alguns cardeais veem Ravasi como parecido demais com Bento XVI – uma personalidade mais acadêmica que prefere a vida intelectual aos ossos do ofício do governo da Igreja. Isso pode ser um problema numa atmosfera em que se espera do próximo papa que tome as rédeas do governo de maneira mais firme.

Quarto, mesmo alguns cardeais que vivem em Roma dizem não conhecer Ravasi bem, além do que sai nos jornais. Isso diz bastante sobre um homem que trabalha no Vaticano desde 2007 e que tem sido parte da cena eclesiástica italiana a vida inteira. Ironicamente, Ravasi deve ser mais conhecido por filósofos seculares e acadêmicos que pela maioria dos colegas cardeais.

É claro que, em uma corrida sem um franco favorito, mesmo azarões podem ter uma boa chance de abrir vantagem. Talvez os cardeais que ainda tenham frescas na memória as meditações do retiro quaresmal considerem essa possibilidade, principalmente se a situação se complicar e nenhum dos candidatos mais cotados conseguir reunir os dois terços necessários para a eleição.

Tradução: Marcio Antonio Campos

* John Allen Jr. é um dos mais experientes vaticanistas da atualidade. Jornalista do site norte-americano National Catholic Reporter (http://ncronline.org/), ele também colabora com o canal de televisão CNN e com a National Public Radio norte-americana. Allen é autor de vários livros sobre a Igreja Católica, incluindo duas biografias de Bento XVI, uma delas escrita quando Joseph Ratzinger ainda era cardeal. Duas de suas obras foram traduzidas para o português: Opus Dei, mitos e realidade, de 2005, e Conclave, de 2002, em que ele descreve os rituais que envolvem a sucessão do papa e apontava vários favoritos para assumir o posto após a morte de João Paulo II.

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