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A rota da Companhia de Jesus no Cone Sul

Missionários atuaram no continente latino-americano por 200 anos

Gabriel Azevedo

Fundada em 1540, em Paris, por Iñigo López de Oñaz y Loyola, a Companhia de Jesus recebeu o título de ordem religiosa do papa Paulo III. Criada durante a contra-reforma, os jesuítas receberam a missão de reconquistar a fé católica em regiões protestantes. No Brasil, o projeto missionário chegou em 1549, com o padre Manuel da Nóbrega. Nos lugares por onde passavam, os jesuítas erguiam capelas, escolas e reduções – povoados indígenas criados e administrados por padres jesuítas no Brasil Colônia, entre os séculos 16 e 18.

Os índios das missões, cujos humores guerreiros haviam sido abrandados pelo cristianismo, viraram presas fáceis dos bandeirantes oriundos de São Paulo que corriam o Sul em busca de riquezas e de mão de obra escrava. Para garantir segurança, era preciso ir mais longe. Os jesuítas arregimentaram os índios sobreviventes e rumaram ao Sul do continente, correndo ao longo do Rio Paraguai. Chegando ao atual Norte da Argentina e noroeste do estado do Rio Grande do Sul, guaranis e jesuítas fundaram 30 povoamentos, que alcançaram uma população espantosa para a época – em 1736, seriam mais de 102 mil indivíduos.

A civilização jesuítica-guarani começou a ser desmanchada pelas Coroas, em 1750, ano do Tratado de Madri, em que Portugal abria mão da Colônia de Sacramento, porto fundado localizado no rio da Prata, perto de Buenos Aires, e a Espanha cedia à região à margem esquerda do rio Uruguai – localização missões do Rio Grande do Sul. Com o tempo, as Coroas se sentiram ameaçadas e em 1759, os jesuítas foram expulsos do Brasil, acusados de controlar um "Estado dentro do Estado" e de insuflar os guaranis contra o domínio português.

A organização social, econômica, política e cultural implantada por padres jesuítas e índios guaranis entre os anos de 1610 e 1750, na região entre o Sul do Brasil e o Nordeste do Paraguai e da Argentina, deixou legados permanentes, da educação aos negócios.

Embora não exista um consenso sobre o impacto da Companhia de Jesus – muitos historiadores e antropólogos acusam os jesuítas de impor costumes ocidentais aos guaranis –, não há como negar a influência dela no processo de colonização e formação da Amé­­rica Latina. O arquiteto Lucio Costa (1902-1998), que elaborou o plano diretor de Brasília, era fã da arquitetura missioneira. Ele defendia que as obras das missões constituem verdadeiramente a "antiguidade brasileira". No artigo A Arquitetura dos Jesuítas no Brasil, de 1941, Costa afirma que, enquanto na Europa a Companhia de Jesus se associava à exuberância das construções barrocas, aqui suas intervenções eram marcadas por uma profunda sobriedade, não obstante deixando entrever um "sabor popular", que desfigurava desde sempre os padrões eruditos, configurando-se como experiências legítimas de recriações.

Segundo o arquiteto e pesquisador Luiz Antônio Bol­­cato Custódio, doutor pela Universidade Pablo de Ola­vide, Sevilha, na Espanha, e que há 30 anos pesquisa o tema, os jesuítas estabeleceram uma metodologia de evangelização em quase todos os continentes, com uma espécie de mimetismo entre a doutrina católica com as culturas locais, o que facilitava o trabalho de evangelização. O modelo foi um sucesso. Em 1736, em 30 povoamentos do Cone Sul seriam mais de 102 mil indivíduos.

Paisagem

A influência jesuítica está presente até mesmo na paisagem brasileira. "Você imagina o Nordeste sem coqueiros? Foram os jesuítas que trouxeram a planta para o Brasil. Eles tiveram um papel fundamental na educação, fundaram escolas, universidades, igrejas, eram ótimos professores e formaram lideranças por onde passavam", conta Custódio.

Até o Mercosul, bloco econômico criado em 1994 por Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai, sofreu influência dos jesuítas. "A produção de gado e a indústria da erva-mate, base econômica do Mercosul, foi implantada e trazida para região pelos padres", afirma.

De acordo com o superintendente do Instituto do Patri­­mônio Histórico e Artístico Nacional no Pa­­raná, José la Pastina Filho, as primeiras reduções jesuíticas foram criadas no Paraná. Os conquistadores espanhóis do Rio da Prata, na tentativa de consolidar uma rota terrestre entre Assunção, no Paraguai, e o porto de São Francisco, em Santa Catarina, fundaram quatro vilas na antiga Província do Guairá, ao longo do Caminho do Peabiru. A partir dessas vilas, entre 1610 e 1632, padres jesuítas implantaram 13 reduções no Paraná. Apenas dois sítios arqueológicos são conhecidos: San Ignácio Mini (atual município de Santo Inácio) e Nossa Senhora do Loreto (atual município de Itaguagé). O restante foi destruído pela ação do tempo e dos bandeirantes.

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