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Se o processo para eleger um papa fosse como o de um recrutamento profissional em qualquer outra área, o currículo do cardeal Leonardo Sandri provavelmente seria um tiro certo para fazê-lo ir além da fase inicial e, pelo menos, ganhar a oportunidade de uma entrevista. Estamos falando de um homem de 69 anos. Portanto, na faixa de idade certa; nem idoso, nem jovem demais.

Sandri é um argentino de nascimento que passou a maior parte da vida na Itália; por isso, carrega consigo o Primeiro e o Terceiro mundos no exato momento em que o catolicismo está buscando uma ponte entre os dois. Ele é também um burocrata veterano do Vaticano que tem a reputação de ser um administrador apto numa época em que muitos cardeais acreditam que ter a Santa Sé sob controle é uma tarefa prioritária para o próximo papa.

Em outras palavras, há muito a favor de Sandri como candidato ao pontificado.

Prefeito da Congregação para as Igrejas Orientais até a renúncia de Bento XVI (quando todos os chefes de dicastérios romanos precisam entregar os cargos), Sandri nasceu em Buenos Aires, em 1943, numa família de imigrantes. Serviu brevemente como sacerdote em uma paróquia argentina antes de ser enviado para estudar em Roma, em 1970, quando ingressou no serviço diplomático do Vaticano. Além de passagens por Madagascar, Venezuela e México, Sandri também atuou na Embaixada do Vaticano nos Estados Unidos de 1989 a 1991 (essa breve passagem por terras norte-americanas pode ter importantes consequências na eleição, dado que outro jovem sacerdote então a serviço da embaixada era um nativo de St. Louis chamado Timothy Dolan, hoje cardeal-arcebispo de Nova York e amigo de Sandri. Se estiver inclinado a isso, Dolan pode ser capaz de captar muitos votos anglófilos para Sandri).

Sandri foi, depois, nomeado para o importante posto de "substituto", essencialmente o chefe do staff do Vaticano, sob o pontificado de João Paulo II e, em seguida, sob o de Bento XVI. Ficou no cargo entre 2000 e 2007. Quando o papa polonês faleceu, no dia 2 de abril de 2005, foi Sandri quem se dirigiu à Praça de São Pedro para anunciar: "esta noite todos nós nos sentimos como órfãos".

Sandri fala inglês, francês, alemão, italiano e espanhol, e é visto como uma figura afável, basicamente livre de uma agenda ideológica.

A hipótese de Sandri como possível papa é facilmente construída.

Primeiro, antes desse conclave, muitos cardeais têm falado sobre o quanto é desejável encontrar um papa com visão global, capaz de manter maior foco nas preocupações e desafios do crescimento do catolicismo em países em desenvolvimento, nos quais hoje vive 1,2 bilhão de fiéis – dois terços do total de católicos no mundo. Ao mesmo tempo, não querem eleger um estranho ao Vaticano e à dinâmica da liderança da Igreja no Ocidente -- a pressão da mídia, o clima legal e político, os encargos institucionais e financeiros nos lugares em que há grande infraestrutura e tudo o mais. A esse respeito, Sandri parece idealmente posicionado. Por conta de suas raízes argentinas, ele seria percebido fora do Vaticano, inclusive pela mídia, como um "papa do Terceiro Mundo", embora na Santa Sé seja visto como um dos italianos. Certamente ninguém pode acusar Sandri de ser ingênuo sobre a realidade da liderança da Igreja em um alto posto.

Em segundo lugar, muitos cardeais acreditam que o próximo papa precisa ser alguém um pouco mais atento à dinâmica das engrenagens do governo. O diagnóstico comum é de que a Igreja teve dois papados seguidos basicamente desinteressados pela dimensão de gerenciamento de negócios do posto: João Paulo II estava preocupado em levar a mensagem da Igreja para as ruas e em mudar os destinos da história, enquanto Bento XVI foi um magnífico professor e crítico social; mas nenhum desses homens tomou as rédeas do governo da Igreja diretamente em suas mãos. Especialmente nos últimos oito anos, aponta o diagnóstico, a Igreja pagou um preço alto por essa desatenção – o caso Williamson, a confusão dos Vatileaks, a eventual lentidão na resposta aos escândalos de abusos sexuais de crianças, as contínuas acusações de corrupção na gestão financeira do Vaticano e tudo o mais. Muitos cardeais acreditam que o eleito terá de conduzir uma reforma para a modernização de métodos e perspectivas, envolvendo transparência e responsabilidade, e tendo certeza da escolha de pessoas-chave para os postos estratégicos.

Nesse ponto, Sandri é um candidato praticamente tão adequado quanto qualquer outro. Ele tem uma ótima reputação do tempo em que foi "substituto" no governo de João Paulo II, e muitos integrantes do Vaticano consideram-no eficiente, detalhista e mais interessado em ter as tarefas concluídas que em jogos políticos. Em outras palavras, se os cardeais estiverem procurando um "papa governador", a lógica irá levá-los rapidamente a Sandri.

Em terceiro, Sandri é uma antiga peça do Vaticano, embora não seja associado, na mente da maioria dos cardeais, com as ações ocorridas sob a gestão do secretário de Estado, o cardeal italiano Tarcisio Bertone. Sandri foi nomeado prefeito da Congregação para as Igrejas Orientais em 2007. À época, isso era visto como um rebaixamento, embora tenha contribuído para tornar claro seu caminho ao cardinalato. Numa visão retrospectiva, a posição lhe foi favorável porque o manteve longe do circuito quando surgiram o episódio da negação do Holocausto por um bispo, em 2009; o caso Boffo, em 2010; a confusão dos Vatileaks; e outros escândalos notórios.

Um quarto aspecto favorável a Sandri repousa no fato de que é difícil encontrar nos círculos da Igreja alguém que não goste dele. É bem verdade que poucos o descreveriam como "carismático", mas ele é quase universalmente visto como amável, aberto e dono de um senso de humor vivo. Um conclave é mais parecido com a escolha de um chefe de departamento em uma universidade que com uma eleição no Iowa, dada a importância dos relacionamentos pessoais. E Sandri tem muitos amigos.

A quinta vantagem pró-Sandri é que, como produto do corpo diplomático do Vaticano, ele é moderado em muitos temas políticos e teológicos. Como autoridade do Vaticano, ele passa pela aprovação das figuras mais conservadoras do Colégio dos Cardeais como alguém que manteria a linha dos ensinamentos da Igreja, embora para os cardeais mais ao centro ele surja basicamente como um moderado. Em um conclave em que não se prevê maioria simples, concessões são ainda mais essenciais para se atingir dois terços dos votos e Sandri pode ser capaz de captar o apoio de blocos diversos.

Todavia, há também pelo menos quatro consideráveis barreiras à candidatura de Sandri.

Primeira: muita gente em Roma olha para Sandri e vê um grande candidato à Secretaria de Estado, mas não necessariamente um papa. Ele tem comprovada capacidade para manter os trens nos trilhos, mas muitos acreditam que ele não tem nem o perfil evangelizador de João Paulo II, nem as habilidades intelectuais de Bento XVI. Muitos cardeais têm dito que gostariam de combinar as melhores qualidades dos dois últimos papas, e eles podem não ver essa combinação em Sandri.

Outra barreira é que, apesar de ter nascido na Argentina, muitos cardeais precisam lembrar-se de que Sandri não é realmente italiano, como se acostumaram a vê-lo. O colégio pode perfeitamente ver o voto nele como uma opção pela continuidade da tradição italiana no Vaticano, cogitando que o argentino confiará mais nos colegas italianos para preencher cargos-chave. Em uma época em que muitos cardeais de outras partes do mundo estão frustrados com o que consideram uma "reitalianização" do Vaticano sob o governo de Bento XVI, ocasionalmente com resultados desastrosos, Sandri pode ser visto como receita para a manutenção do status quo.

Um terceiro obstáculo é a pouca experiência pastoral de Sandri, tanto na linha de frente de uma paróquia quanto no comando de uma diocese. O cardeal italiano Giovanni Lajolo, um colega diplomata do Vaticano, já disse em alto e bom som que não votaria em um burocrata porque os tempos exigem um "pastor de almas". É provável que alguns outros purpurados estejam pensando o mesmo.

Quarto empecilho: há alguma preocupação com a possível bagagem que Sandri possa trazer dos postos anteriores para o papado. Por exemplo, Sandri estava na Secretaria de Estado sob o comando de Angelo Sodano nos últimos anos de João Paulo II. Foi uma época em que Sodano ofereceu vigoroso apoio ao padre mexicano Marcial Maciel Degollado, fundador dos Legionários de Cristo, depois foi considerado culpado em casos de conduta indevida e abuso sexual. Quando Maciel celebrou 60 anos de sacerdócio na Basílica de São Paulo Extra Muros, em Roma, em 2004, Sandri foi enviado para ler uma mensagem de louvor escrita por João Paulo II. Embora Sandri não seja visto entre os aliados convictos de Maciel, alguns cardeais podem ficar alarmados com a perspectiva de programas de tevê que exibam o novo papa exaltando um sacerdote abusador (embora admitida, a culpa não foi professada pelo mexicano).

Para tomar outro exemplo, Sandri foi vinculado pela mídia italiana a um caso de 2010 envolvendo Angelo Balducci, um funcionário público italiano apontado como participante de um esquema de corrupção. Escutas revelaram que Balducci, detentor do título honorífico de "cavalheiro de Sua Santidade", concedido pelo Vaticano, esteve envolvido em uma rede de prostituição homossexual. Nas gravações, sua voz podia ser ouvida na negociação de serviços com um integrante do coro do Vaticano. Essas escutas sugeriam ainda que Sandri e Balducci mantinham uma amizade quando documentos secretos do Vaticano publicados pela revista Panorama, em 2012, indicaram que o argentino estava envolvido nas negociações para que Balducci vencesse uma licitação no valor de US$ 400 milhões para a realização, em 2009, de uma cúpula do G8. Ninguém acusou Sandri de qualquer prática ilegal, mas sua ligação com Balducci pode vir à tona durante o período pré-eleição. De modo geral, ocupar posições importantes na Secretaria de Estado significa, necessariamente, estar envolvido com o cenário político-econômico italiano e alguns cardeais podem imaginar se há outros potenciais esqueletos no armário – ou, talvez, mesmo situações inocentes que podem, apesar disso, ser difíceis de explicar.

Por óbvio, não há um líder claro na corrida para o pontificado. Inevitavelmente, os eleitores terão de ajustar suas expectativas para aquém do ideal que têm sobre a missão do próximo papa, aceitando alguém o mais próximo possível do perfil dentre os que são realmente elegíveis. Quando olharem para Sandri, provavelmente verão uma boa possibilidade e pelo menos alguns pontos que os levem a ponderar. Pelo menos nesse momento, o conjunto não coloca o ítalo-argentino tão distante de muitos outros possíveis candidatos.

Tradução: Maria Sandra Gonçalves

* John Allen Jr. é um dos mais experientes vaticanistas da atualidade. Jornalista do site norte-americano National Catholic Reporter (http://ncronline.org/), ele também colabora com o canal de televisão CNN e com a National Public Radio norte-americana. Allen é autor de vários livros sobre a Igreja Católica, incluindo duas biografias de Bento XVI, uma delas escrita quando Joseph Ratzinger ainda era cardeal. Duas de suas obras foram traduzidas para o português: Opus Dei, mitos e realidade, de 2005, e Conclave, de 2002, em que ele descreve os rituais que envolvem a sucessão do papa e apontava vários favoritos para assumir o posto após a morte de João Paulo II.

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