• Carregando...

Nos dias que antecedem o conclave, muito do burburinho sobre candidatos papais é gerado por comentaristas ou observadores da Igreja, em vez dos cardeais que realmente votarão. Como um indicador da opinião geral da Igreja, a boataria costuma jogar alguma luz sobre o que está acontecendo; mas, como um guia do que realmente está acontecendo, pode ser de utilidade limitada.

A "grande esperança asiática" do conclave de 2013 pode ser um caso exemplar. A julgar pelo que se diz por aí, o favorito é o filipino Luis Antonio Tagle, apelidado "Chito". Ele é jovem, articulado, sorridente, se dá bem com a mídia, tem uma reputação de simplicidade e humildade. Tagle é popular em sua terra, e impressiona as pessoas onde quer que vá. Mas, entre os cardeais, há outro asiático que parece um candidato ainda mais viável: o cardeal Malcolm Ranjith (na verdade, Albert Malcolm Ranjith Patabendige Don), de Colombo, no Sri Lanka.

Com 65 anos, Ranjith é dez anos mais velho que Tagle e provavelmente está na janela ideal de idade: nem tão jovem quanto João Paulo II em 1978 (indicando que não seria um papado excessivamente longo), nem tão velho quanto Bento XVI em 2005, indicando que a Igreja precisaria passar por outra transição no futuro próximo. Além disso, Ranjith tem ampla experiência no Vaticano, então não precisaria de um curso intensivo, ao contrário de um forasteiro. Ele trabalhou na Congregação para a Evangelização dos Povos (mais conhecida como Propaganda Fidei), como núncio na Indonésia e no Timor Leste, e como secretário da Congregação para o Culto Divino. Estuou em Roma, na Universidade Urbaniana, e é fluente em italiano, o que normalmente é um requisito essencial para qualquer possível papa. E Ranjith, ainda por cima, é um ratzingeriano, ou seja, tem perfil bem próximo ao de Bento XVI especialmente no que diz respeito à liturgia. Ele apoia a missa tridentina e rejeita as tendências secularizantes no culto católico.

Em 1994, ainda um jovem bispo, Ranjith denunciou o trabalho teológico de seu compatriota Tissa Balasuriya, alegando que ele questionava o pecado original e a divindade de Cristo, além de defender a ordenação de mulheres. O furor causado pela polêmica aproximou o bispo do então cardeal Joseph Ratzinger, que o apoiou. E, para completar, Ranjith tem experiência pastoral real, tendo sido arcebispo de Colombo, no Sri Lanka, desde 2005. Cardeais que querem atingir o mundo em desenvolvimento e ao mesmo tempo consolidar o legado intelectual e espiritual de Bento XVI se empolgarão com o currículo de Ranjith.

Nascido na pequena cidade de Polgahawela, no Sri Lanka, em 1947, Ranjith é o mais velho de 14 irmãos. Em uma entrevista em 2006, ele disse que sua vocação foi despertada pelo exemplo de um missionário francês da congregação dos Oblatos de Maria Imaculada, que trabalhava em sua paróquia. Após se formar em Teologia pela Urbaniana, Ranjith obteve seu mestrado no famoso Pontifício Instituto Bíblico, em 1978, com uma dissertação centrada na Epístola aos Hebreus (lá, ele foi aluno de dois futuros cardeais jesuítas, Carlo Maria Martini e Albert Vanhoye). Ranjith também fez o pós-doutorado na Universidade Hebraica de Jerusalém. Marcado desde o início da carreira como estrela ascendente, em 1991 Ranjith foi nomeado bispo auxiliar de Colombo, com apenas 43 anos. Ele coordenou a visita de João Paulo II ao país, em 1995, e parece ter feito um bom trabalho – nove meses depois, foi nomeado o primeiro bispo de Ratnapura.

Entre outras coisas, Ranjith é um promotor do diálogo inter-religioso. A religião predominante no Sri Lanka é o budismo, mas o país também tem importantes enclaves de hinduístas e muçulmanos, enquanto os cristãos não passam de 7% da população de 20 milhões de pessoas. Em 2001, Ranjith foi chamado a Roma para trabalhar na Propaganda Fidei e simultaneamente foi nomeado presidente da Pontifícia Sociedade Missionária, o que lhe deu uma ampla rede de contatos nos países em desenvolvimento.

Em 2004, Ranjith foi despachado como núncio na Indonésia e no Timor Leste, tornando-se o primeiro clérigo do Sri Lanka a atuar como embaixador papal. Foi uma decisão incomum, já que Ranjith não era egresso da Accademia Ecclesiastica romana, e não vinha do corpo diplomático do Vaticano. Na época, o rumor era de que Ranjith tinha sido "exilado" por ser conservador demais para o gosto de alguns bispos, seja nos países em desenvolvimento, seja entre seus superiores em Roma. Mas a fofoca teve de cessar nove meses depois, quanto o novo papa, Bento XVI, chamou Ranjith de volta para trabalhar como o número dois na Congregação para o Culto Divino.

Nos quatro anos seguintes, Ranjith se tornou um bispo que os "progressistas litúrgicos" não queriam ver nem pintado de ouro. Ele criticou a comunhão na mão, dizendo que ela não tinha sido prevista pelo Concílio Vaticano II (1962-1965) e que tinha se tornado comum apenas depois de sua "introdução ilegítima" em alguns países. Quando Bento XVI autorizou a celebração irrestrita da missa tridentina, em 2007, Ranjith criticou abertamente os bispos que não agiram rapidamente para implementá-la, acusando-os de "desobediência (...) e até rebelião contra o papa".

Quatro anos depois, Ranjith fez as malas novamente, agora para ser arcebispo de Colombo. Alguns viram a nomeação como um segundo exílio. O vaticanista italiano Andrea Tornielli escreveu, na época, que Ranjith era "considerado por adversários próximo demais aos tradicionalistas e lefebvristas [seguidores do bispo tradicionalista Marcel Lefebvre, excomungado em 1988]". Outros disseram que se tratava de uma promoção, destinada a dar a Ranjith experiência pastoral no comando de uma diocese e de fazer dele o homem de confiança de Bento XVI na Ásia. E ele não perdeu tempo. Quatro meses depois de assumir, o arcebispo emitiu normas litúrgicas em Colombo exigindo a comunhão na boca e de joelhos, proibindo os leigos de fazer homilias e impedindo padres de incorporar costumes de outras religiões nas missas católicas.

Nos quatro anos seguintes, Ranjith foi visto como um conservador resoluto em assuntos de doutrina e moral sexual, enquanto ao mesmo tempo abraçava os elementos de justiça e paz da Doutrina Social da Igreja. "O amor pela liturgia e o amor pelos pobres, dois verdadeiros tesouros da Igreja, diria alguém, têm guiado a minha vida", afirmou. Ranjith uma vez acrescentou que, embora não seja um "partidário", compartilha de alguns dos valores do movimento antiglobalização que questiona modelos neoliberais de globalização econômica. Durante um encontro com o clero em outubro de 2012, ele disse que o Sri Lanka não devia sacrificar seus padrões morais em troca de ajuda externa. "Não queremos casamento gay ou bairros cheios de prostíbulos aqui; e também podemos nos virar sem um desenvolvimento que exige a destruição do meio ambiente", afirmou.

Ele também já mostrou que tem peso político. Em 2010, ele prometeu boicotar todas as cerimônias cívicas até que uma das Irmãs da Caridade (ordem fundada pela Madre Teresa), presa sob a acusação de tráfico de bebês, fosse liberada. As acusações foram arquivadas. Logo após chegar a Colombo, o arcebispo também se manifestou contra a proposta de países ocidentais de impor sanções ao Sri Lanka por supostos crimes de guerra cometidos na guerra civil que durou 16 anos, contra um movimento separatista lançado pela minoria hinduísta tâmil. Ranjith é da maioria étnica singalesa, mas a Igreja Católica no país inclui membros das duas etnias, e o arcebispo tem a reputação de promotor de reconciliação.

Sua defesa se baseia em três pilares.

Primeiro, sua proximidade com Bento XVI, tanto pessoal quanto em termos de visões teológicas e litúrgicas, significa que ele seria visto como uma opção de continuidade das políticas dos últimos dois pontificados. Alguns dos protegidos de Bento XVI estão inclinados a ver Ranjith com bons olhos, como é o caso do cardeal Christoph Schönborn, de Viena, que Ranjith descreveu em 2006 como "amigo querido".

Segundo, como asiático, ele simbolizaria o desejo da Igreja de ser importante no mundo emergente, e de apoiar os dois terços do 1,2 bilhão de católicos que vivem fora do ocidente. E, por seu tempo vivido na Itália, ele poderia ser visto como uma escolha segura para ser o primeiro papa dos países em desenvolvimento mas que também conhece o modo de pensar e a cultura ocidentais.

Terceiro, ele tem larga experiência vaticana e já sabe o que é estar do lado perdedor em disputas internas, o que pode indicar a alguns cardeais que ele é o homem ideal para liderar uma reforma da burocracia. Seu currículo também sugere que ele tem a força para fazer valer mudanças que podem encontrar uma resistência significativa.

Mas também há fatores que pesam contra Ranjith.

Primeiro, ele pode ser considerado tradicionalista demais para alguns dos moderados no Colégio dos Cardeais – "mais ratzingeriano que o próprio Ratzinger", nas palavras de alguns. Em 2006, ele afirmou que, apesar de não ser um fã dos lefebvristas, "eles têm boas razões para dizer algumas das coisas que dizem sobre liturgia".

Segundo, Ranjith tem um perfil de insider, alguém que fala um jargão católico peculiar e cujas prioridades estão quase sempre voltadas aos aspectos internos da Igreja. Esse perfil não é exatamente o que buscam os cardeais que dizem querer um "missionário-chefe", alguém que pode promover o apelo da Igreja e do catolicismo para o mundo exterior, em um mercado religioso pós-moderno de intensa competição.

Terceiro, o fato de Ranjith ter sido enviado duas vezes para fora do Vaticano, independentemente das razões, pode sugerir a alguns cardeais que ele tem um histórico de criador de caso. Se eles estão procurando alguém que possa unir diversos campos e mediar tensões internas da Igreja, o retrospecto vai levá-los a pensar duas vezes.

Apesar dos pontos negativos, Ranjith talvez ainda seja o candidato asiático com maior viabilidade entre os 115 cardeais eleitores. Ele pode não ter o carisma ou o sex appeal midiático de outros candidatos do Terceiro Mundo, como Tagle ou o hondurenho Oscar Rodriguez Maradiaga, mas para alguns cardeais ele pode ser o combo ideal: no nível simbólico, um papa de fora do ocidente; na essência, um discípulo de Bento XVI.

Tradução: Marcio Antonio Campos

* John Allen Jr. é um dos mais experientes vaticanistas da atualidade. Jornalista do site norte-americano National Catholic Reporter (http://ncronline.org/), ele também colabora com o canal de televisão CNN e com a National Public Radio norte-americana. Allen é autor de vários livros sobre a Igreja Católica, incluindo duas biografias de Bento XVI, uma delas escrita quando Joseph Ratzinger ainda era cardeal. Duas de suas obras foram traduzidas para o português: Opus Dei, mitos e realidade, de 2005, e Conclave, de 2002, em que ele descreve os rituais que envolvem a sucessão do papa e apontava vários favoritos para assumir o posto após a morte de João Paulo II.

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]