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Marc Ouellet, 68 anos, um nativo do Quebec que até a renúncia de Bento XVI comandava a importantíssima Congregação para os Bispos, há muito é considerado um forte candidato ao posto máximo da Igreja. Ele tem o cérebro, o conhecimento linguístico e a experiência de vida necessários para satisfazer os requisitos do senso comum sobre o que se exige de um papa.

Como os últimos dias mostraram, ele também tem a bagagem que toda figura pública acumula ao longo de uma carreira comprida e controversa.

Os perfis na imprensa canadense são variados. O Globe and Mail, de Toronto, perguntava "O cardeal que não salvou a Igreja no Quebec pode salvar o Vaticano?", lembrando que o período de Ouellet como arcebispo de Quebec (2002-2010) foi turbulento, e há pouca evidência de que ele tenha revertido o forte declínio na fé e na prática religiosa na parte francófona do Canadá (um dos perfis afirma que mesmo alguns de seus parentes já não são católicos praticantes). Repórteres também tiraram do baú alguns momentos polêmicos, como a reação popular a um comentário de 2010, quando Ouellet defendeu que o aborto é injustificável, mesmo em caso de estupro.

Em Roma, observadores lembram que Ouellet às vezes é emocional demais, chegando às lágrimas em momentos mais delicados, dando a entender que talvez ele não tenha a força necessária para ser um líder. Outros recordaram um episódio embaraçoso de 2003, quando o irmão mais novo de Ouellet, Paul, um artista e professor aposentado, se declarou culpado de ofensas sexuais contra duas adolescentes. Marc Ouellet nunca falou em público sobre o caso. De qualquer modo, se Ouellet sair do conclave como papa, ninguém poderá dizer que os cardeais não tinham informação suficiente para fazer um julgamento ponderado sobre o que estavam escolhendo.

Os argumentos a favor de Ouellet giram em torno dos seguintes eixos:

Primeiro, ele é um verdadeiro intelectual que poderia aproximar a cultura geral da agudeza teológica de Bento XVI, e Ouellet se parece muito com o papa emérito nesse quesito. Como o cardeal Angelo Scola, de Milão, Ouellet tem uma relação de longa data com a revista Communio, cofundada pelo jovem Ratzinger.

Segundo, muitos cardeais gostariam de um papa que pudesse aproximar o Primeiro e o Terceiro mundos, e Ouellet cumpre a missão. Ele é um poliglota, falando seis idiomas (inglês, francês, espanhol, português, italiano e alemão), e como jovem padre passou um bom tempo ensinando na Colômbia, nos anos 70 e 80. Ele tem muitas viagens no currículo, o que lhe dá uma noção das diferentes realidades que a Igreja enfrenta em várias partes do mundo.

Terceiro, muitos cardeais esperam um papa que possa fazer uma reforma profunda na Cúria Romana, o que exige alguém que conheça em que armários estão os esqueletos. O currículo de Ouellet é atraente nesse sentido, também. Ele foi consultor da Congregação para o Clero entre 1995 e 2000, e teve uma breve passagem no Pontifício Conselho para a Unidade dos Cristãos entre 2001 e 2002, antes de voltar ao Vaticano em 2010 como prefeito da Congregação para os Bispos. Esses cargos deram a Ouellet o conhecimento sobre como o Vaticano funciona - e sobre como ele não funciona, também.

Quarto, Ouellet é visto como um homem profundamente espiritual com uma intensa vida de oração, o que lhe dá credibilidade quando fala dos componentes fundamentais da fé cristã. Considerando que os cardeais também buscarão santidade pessoal no próximo papa, alguns acreditam que isso bastaria para colocar Ouellet no topo da lista.

Quinto, como canadense Ouellet representaria uma quebra na sequência europeia de papas. Embora o Novo Mundo não seja mais tão novo assim para todo mundo, estamos falando do Vaticano, onde se pensa em termos de séculos. Nesse aspecto, um voto para Ouellet pode atrair alguns cardeais como um voto pela ampliação dos horizontes da Igreja. De qualquer modo, Ouellet não é italiano, e alguns cardeais de outras partes do mundo acreditam que as trapalhadas de gerenciamento sob o cardeal Tarcisio Bertone danificaram as perspectivas de um candidato nascido na Itália.

Sexto, tendo trabalhando na América do Norte no auge dos escândalos de abuso sexual, Ouellet compreende o dano que eles causaram à autoridade moral da Igreja. Em Roma, ele visto como um dos reformistas: durante um encontro internacional para discutir os casos de abuso em fevereiro, ele celebrou uma liturgia penitencial em uma igreja romana, com a participação de vítimas. Ouellet classificou a crise como "fonte de grande vergonha e enorme escândalo" e disse que o abuso sexual é não apenas um "crime", mas também uma "autêntica experiência de morte para as vítimas inocentes" (críticos, por outro lado, afirmam que Ouellet não usou sua posição no Vaticano para pressionar os bispos que encobriram abusos a responder por suas ações).

Os argumentos contra Ouellet vão na seguinte direção:

Primeiro, alguns observadores do Vaticano gostam de ironizar, dizendo que Ouellet seria basicamente uma "fotocópia" de Bento XVI: outro papa cerebral que prefere a vida da mente aos ossos do ofício da administração, e que talvez seja gentil e simpático demais para quebrar alguns ovos e botar a Igreja sob controle. Aliás, Ouellet repetidamente fala sobre o fardo do papado, e chamou o cargo de "pesadelo" em 2011. Alguns podem se perguntar se ele está à altura da tarefa. Isso pode ser uma preocupação ainda mais relevante considerando que esta é a sucessão de um papa que se mostrou sensível demais às demandas da posição e que renunciou dizendo que não tinha mais as forças necessárias.

Segundo, só porque Ouellet tem experiência no Vaticano não significa que ele seja a pessoa certa para executar as reformas. Em 2005, muitos cardeais pensaram que Ratzinger seria esse homem porque, afinal, ele passou mais de 20 anos no Vaticano, e pelo menos alguns desses cardeais diriam hoje que nada mudou.

Terceiro, apesar do tempo que Ouellet passou na América Latina e de sua capacidade linguística, ele costuma focar mais na luta contra o secularismo ocidental – outro ponto em comum com Bento XVI. Alguns cardeais dos países em desenvolvimento, onde dois terços dos católicos vivem hoje, podem se perguntar se ele seria igualmente enérgico quanto aos problemas que lhes dizem mais respeito – a relação com o Islã, por exemplo, ou a luta pelos direitos dos cristãos perseguidos em locais como a Síria, a Índia e a China.

Quarto, Ouellet é da congregação dos sulpicianos, vista em alguns círculos como associada a correntes liberalizantes do pós-Concílio Vaticano II, e que alguns conservadores culpam pela queda nas vocações e na diminuição da fé. Embora ninguém vá culpar Ouellet pessoalmente por isso, alguns cardeais mais tradicionais podem se perguntar que impacto ele teria na Igreja se ele não conseguiu influenciar sua própria ordem religiosa.

Quinto, alguns cardeais acham que o próximo papa deve ser um "missionário-chefe", um líder da nova evangelização, uma face e uma voz reconhecíveis, o porta-voz da mensagem católica. Alguns podem se perguntar se Ouellet é adequado para o papel, um homem que privadamente é afetuoso e espirituoso, mas que em público às vezes parece duro e fechado em si mesmo.

É claro que nenhum ser humano poderia ter todas as características que os cardeais esperam quando procuram um papa: um santo, um gigante intelectual, um peso-pesado político, um CEO (presidente executivo) de ponta e um queridinho da mídia que conquista o mundo com um sorriso. Inevitavelmente será preciso se contentar com pouco menos que isso, considerando alguém que tenha uma dose suficiente de várias dessas características para ser um candidato decente. É impossível dizer se Marc Ouellet será a resposta a que os cardeais chegarão quando começarem a fazer as contas, mas, levando em conta seu currículo e personalidade, é difícil imaginar que ele não esteja na equação.

Tradução: Marcio Antonio Campos

* John Allen Jr. é um dos mais experientes vaticanistas da atualidade. Jornalista do site norte-americano National Catholic Reporter (http://ncronline.org/), ele também colabora com o canal de televisão CNN e com a National Public Radio norte-americana. Allen é autor de vários livros sobre a Igreja Católica, incluindo duas biografias de Bento XVI, uma delas escrita quando Joseph Ratzinger ainda era cardeal. Duas de suas obras foram traduzidas para o português: Opus Dei, mitos e realidade, de 2005, e Conclave, de 2002, em que ele descreve os rituais que envolvem a sucessão do papa e apontava vários favoritos para assumir o posto após a morte de João Paulo II.

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