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Entrevista

Vaticano opta por se aproximar dos fiéis

Agência O Globo

O especialista em História da Companhia de Jesus Edgard Leite diz que a eleição de Bergoglio mostra a opção da Igreja por um perfil pastoral, em contraste com o estilo intelectual de Bento XVI. Com o papa Francisco, a Igreja une a projeção internacional do argentino com o marketing de sua origem latino-americana para se aproximar dos fiéis.

Como o senhor avalia a eleição de Bergoglio?

Foi uma solução brilhante. E uma inovação. Bergoglio é o primeiro papa jesuíta, e isso é importantíssimo para a Igreja. Comparo essa escolha com a de João Paulo I, um papa carismático. Bergoglio está na mesma linha. Joseph Ratzinger era um intelectual. Já Bergoglio tem um compromisso com a atividade pastoral. Agora, a Igreja optou por se aproximar dos fiéis.

Há críticas de que ele seria um conservador.

A Igreja é conservadora. E Bergoglio mantém a posição da instituição em vários temas de moral. Ele combateu, por exemplo, a aprovação do casamento entre pessoas do mesmo sexo na Argentina, e chegou a discutir com a presidente Cristina Kirchner. Mas é uma pessoa notável.

Não era esperado um papa mais jovem? Bergoglio tem 76 anos.

Os cardeais não escolhem um papa pela idade. Eles buscam uma pessoa que possa levantar a Igreja. E Bergoglio foi muito carismático em seu primeiro discurso como papa, como a Igreja precisava. Ele falou e se aproximou das pessoas. Teve, mais que nada, humildade.

Nos últimos dias, falou-se muito sobre a possibilidade de ter um papa brasileiro, com Odilo Scherer. O que pode ter pesado contra sua escolha?

Era uma escolha que convinha mais a uma Igreja que precisa se aproximar dos fiéis. E, como Scherer, Bergoglio é latino-americano, um continente que é muito importante para o catolicismo. A Igreja uniu a projeção de Bergoglio com sua origem inédita para apostar num maior diálogo com o mundo.

Edgard Leite, especialista em História da Companhia de Jesus

Em seu primeiro dia após a escolha para suceder Bento XVI, o papa Francisco mandou diversas mensagens de que defende mudanças na Igreja Católica. Com gestos simbólicos, fez questão de sinalizar tempos de austeridade para a instituição.

E na primeira mensagem pastoral como pontífice, uma missa aos cardeais na Capela Sistina com transmissão pela tevê, defendeu que a igreja "caminhe" e seja "edificada" sobre bases sólidas. Caso contrário, disse ele, a instituição corre o risco de deixar de ser uma igreja e ser rebaixada a uma ONG beneficente.

"A nossa vida é um caminho. Quando paramos, alguma coisa está errada", disse o papa, escolhido para liderar cerca de 1,2 bilhão de fiéis.

O novo papa fez um chamado pela colaboração dos cardeais e estabeleceu uma espécie de lema para a igreja em seu pontificado: caminhar, construir e difundir a palavra de Jesus.

"Nós podemos caminhar o quanto quisermos, podemos construir muitas coisas, mas se não confessarmos [professarmos] Jesus Cristo, a coisa não anda. Nos tornaremos uma ONG beneficente, mas não a igreja."

Ao reforçar o apelo à religiosidade, o novo papa citou uma frase dura do escritor francês Léon Bloy (1846-1917): "Quem não reza ao Senhor reza ao diabo."

"Quando não se confessa Jesus Cristo, se confessa o mundanismo do diabo, do demônio", disse Francisco.

Em seguida, ele afirmou que não adianta ao católico ocupar altos cargos na hierarquia da igreja, caso ele vire as costas à cruz.

A mensagem do novo papa foi recebida no Vaticano como um aviso de que os religiosos devem zelar pela coerência entre palavras e ação, ou seja, entre o que pregam e o que fazem em suas vidas.

"Quando caminhamos sem a cruz, quando construímos sem a cruz e quando confessamos um Cristo sem a cruz, não somos discípulos do Senhor. Somos mundanos, somos bispos, padres, papas, mas não discípulos do Senhor", disse.

Em outro sinal de mudança, Bergoglio fez sua homilia de improviso e em italiano. Em 2005, Bento XVI optou por ler um texto escrito em latim, língua que hoje ficou restrita às leituras bíblicas.

Piada

Ao fim do jantar de festa pela sua eleição, na noite de quarta-feira, o papa Francisco disse aos cardeais que o escolheram: "Deus os perdoe pelo que vocês fizeram."

A frase, em tom bem-humorado, foi um dos primeiros sinais de mudança de estilo no comando da igreja.

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