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Fala-se muito nesses dias sobre um "papa do Terceiro Mundo", e a possibilidade é real. Mas, politicamente falando, há um obstáculo aritmético: 61 dos 115 cardeais que entrarão na Capela Sistina ainda são europeus; então, desconsiderar os candidatos do Velho Mundo, a priori, significa deixar de lado metade do talento que estará reunido para o conclave. Além disso, há europeus... e há europeus.

Eleger um italiano pode soar, para alguns cardeais, um tanto "de volta para o futuro", mas escolher um papa de um canto esquecido do continente pode parecer quase como eleger alguém, digamos, da América Latina. Se for assim mesmo, muitos insiders acreditam que o cardeal Péter Erdő, de Budapeste, na Hungria, mereceria consideração séria.

Advogado canonista por formação, Erdő teve uma carreira meteórica. Em 2001, quando ainda era bispo auxiliar e não tinha nem 50 anos, ele foi eleito para seu primeiro mandato à frente do Conselho de Conferências Episcopais Europeias – em 2006, ele foi reeleito para um novo mandato. Em 2002, foi nomeado para a principal diocese da Hungria, aos 50 anos, e criado cardeal um ano depois. Aos 52 anos, era o mais jovem dos eleitores no conclave que elegeu Bento XVI, em 2005. E hoje ainda existem somente cinco cardeais mais novos que o húngaro, agora com 60 anos. Mas, como disse Indiana Jones uma vez, "não é a idade, boneca, é a quilometragem". Apesar de sua relativa juventude, poucos diriam que Erdő não tem a experiência necessária para liderar.

Ele também representa uma Igreja perseguida durante a era soviética, simbolizada na figura do cardeal Jószef Mindszenty, torturado e condenado à prisão perpétua por um tribunal de exceção comunista, que se abrigou na embaixada norte-americana por 15 anos e que morreu no exílio, em Viena, em 1975. No começo desse ano, Erdő convenceu o governo húngaro a arquivar formalmente o processo contra seu predecessor, iniciado em 1949.

Dada a localização da Hungria, onde Leste e Oeste se encontram na Europa, não surpreende que Erdő seja um líder nas relações entre católicos e ortodoxos, vistas por muitos cardeais como prioridade ecumênica. Ele também estreitou laços com os judeus, e recentemente recebeu uma saraivada de críticas da extrema-direita húngara por ter almoçado em um famoso restaurante judaico de Budapeste.

Erdő certamente tem a confiança do Vaticano. Em 2011, foi nomeado membro do conselho de cardeais e bispos que supervisionou a importantíssima Segunda Seção da Secretaria de Estado, responsável pelas relações diplomáticas do Vaticano. No mesmo ano, o Vaticano o enviou ao Peru para coordenar a investigação a respeito da Pontifícia Universidade Católica do Peru, repleta de problemas de disciplina e contestação à doutrina católica. Erdő também fala italiano fluentemente, o que é um requisito importante para um futuro papa.

Na maioria dos temas, Erdő é visto como solidamente conservador, mas também como uma personalidade pastoral que sabe o que funciona e o que não funciona no varejo. Durante o último Sínodo dos Bispos sobre a nova evangelização, por exemplo, muitos bispos ficaram intrigados com a descrição que Erdő fez das "missões urbanas" que ele lançou em Budapeste, nas quais leigos visitavam todas as casas católicas uma determinada paróquia, convidando as famílias a retornar à Igreja.

Erdő também poderia atrair um surpreendente apoio do mundo emergente. Como líder dos bispos europeus, ele criou fortes laços com os bispos africanos, organizando encontros a cada dois anos, alternados entre Europa e África. Como resultado, muitos bispos africanos conhecem e estimam Erdő. Além disso, ele coordena a ajuda europeia à Igreja nos países em desenvolvimento, conquistando a gratidão de muitos cardeais dessas regiões.Os americanos gostarão de saber que Erdő também tem experiência de vida nos Estados Unidos, tendo conquistado bolsas em 1995 e 1996 para estudar na Universidade da Califórnia em Berkeley.

A defesa da candidatura de Erdő se resume a três pontos-chave. O primeiro é a matemática. Seus mandatos como líder dos bispos europeus sugere que ele tem um sólido apoio desse bloco, e seus bons laços com os africanos deixam a entender que, se sua candidatura decolar, eles podem embarcar nela. Serão necessários 77 votos para uma maioria de dois terços no conclave, e, juntos, europeus e africanos têm 72. Erdő ainda pode contar com o apoio de alguns latino-americanos, especialmente o peruano Juan Luis Cipriani, que teve o apoio de Erdő no conflito relativo à Pontifícia Universidade Católica do Peru. Em outras palavras, quando se começa a fazer as contas, não é difícil imaginar uma coalizão vencedora.

Segundo, Erdő é visto como um administrador qualificado, alguém que saberá falar grosso para que se faça o que tem de ser feito. Essa provavelmente é uma condição sine qua non no clima atual do Colégio dos Cardeais, muitos dos quais estão determinados a eleger um papa que coloque a burocracia do Vaticano nos eixos.Terceiro, Erdő tem boas credenciais conservadoras, entre outras coisas com um doutorado honoris causa da Universidade de Navarra, do Opus Dei, concedido em 2011; ainda assim, ele aparece como um promotor de consensos e compromissos, com a capacidade de manter coeso um grupo tão diverso como o dos bispos europeus. Ele também adere a muitas das causas de justiça social que são de grande importância para cardeais mais centristas. Em um discurso de 2007 aos bispos da América Latina e do Caribe, Erdő manifestou sua solidariedade com tais preocupações, incluindo a pobreza crescente e a devastação ambiental.Já os fatores que podem derrubar Erdő também são três.

Primeiro, ele pode exibir um viés pessimista sobre a relação entre a Igreja e a cultura de massa. No último Sínodo, ele criticou a imprensa. "Boa parte da mídia apresenta a fé católica e a história da Igreja de uma maneira mentirosa, desinformando o público sobre os conteúdos da nossa fé e sobre no que consiste a realidade da Igreja", afirmou. Se por um lado muitos cardeais provavelmente concordam com essa avaliação, por outro alguns podem se perguntar se esse é o tom correto a ser adotado por um papa que terá de atingir uma ampla audiência.

Segundo, enquanto Erdő é visto como um eficiente agente de bastidores, ele não é exatamente a pessoa mais dinâmica quando em eventos públicos. Alguns cardeais podem se perguntar se ele tem a "presença de palco" para ser papa.

Terceiro, sua idade pode fazer alguns cardeais pensarem que um voto em Erdő representa uma opção por um pontificado longo. Os últimos dois papas encerraram seus pontificados bem depois dos 80 anos, e é plausível pensar que um "papa Erdő" poderia reinar por 20 anos ou mais.

Se ele superar essas barreiras, entretanto, Erdő poderia ser uma possibilidade interessante, especialmente em um conclave no qual não há ninguém que se destaque muito acima dos demais. Se um candidato de fora do Ocidente não ganhar embalo, o conclave de 2013 poderia produzir, ainda assim, uma escolha exótica, dando à Igreja um "papa goulash".

Tradução: Marcio Antonio Campos

* John Allen Jr. é um dos mais experientes vaticanistas da atualidade. Jornalista do site norte-americano National Catholic Reporter (http://ncronline.org/), ele também colabora com o canal de televisão CNN e com a National Public Radio norte-americana. Allen é autor de vários livros sobre a Igreja Católica, incluindo duas biografias de Bento XVI, uma delas escrita quando Joseph Ratzinger ainda era cardeal. Duas de suas obras foram traduzidas para o português: Opus Dei, mitos e realidade, de 2005, e Conclave, de 2002, em que ele descreve os rituais que envolvem a sucessão do papa e apontava vários favoritos para assumir o posto após a morte de João Paulo II.

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