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Quando o assunto é "o próximo papa", nada é mais sexy aos olhos da imprensa que a ideia de um "papa negro" – não estamos falando do superior dos jesuítas (tradicionalmente apelidado de "papa negro" por causa da cor do hábito que ele usa, e também pela fama de intrigas associada aos jesuítas), mas de um pontífice da África subsaariana. Em um nível simbólico, a noção de uma instituição tradicionalmente vista como a quintessência do Primeiro Mundo sendo liderada por um homem negro do Sul global tem um charme inquestionável. Entre os 115 cardeais que se reunirão na Capela Sistina para eleger o sucessor de Bento XVI, o nome de Peter Turkson, de Gana, aparece de forma proeminente nas listas de possíveis candidatos africanos.

E, de fato, o próprio Turkson não esconde: ele considera, sim, essa possibilidade. Em uma entrevista recente ao britânico Telegraph, especulou abertamente sobre o que significaria a eleição para ele (a frase "isso significaria uma boa mudança [pessoal]" já concorre ao prêmio de eufemismo do ano).

Peter Kodow Appiah Turkson, 64 anos, nasceu na parte ocidental de Gana, de mãe metodista e pai católico, um fato que ele sempre menciona ao explicar seu interesse pelo ecumenismo. Ele estudou no seminário de St. Anthony on Hudson, em Nova York, antes que a instituição fosse fechada, em 1989, e também passou pelo importante Pontifício Instituto Bíblico, em Roma. Ele se tornou arcebispo de Cape Coast, em Gana, em 1992, e assumiu um papel de relevo no Simpósio de Conferências Episcopais da África e Madagascar (Secam). Em 2009, Bento XVI apontou Turkson como relator, ou secretário-geral, de um Sínodo dos Bispos sobre a África, com duração de um mês inteiro. Ele nem precisou fazer as malas para voltar para casa: assim que o evento em Roma terminou, o Vaticano anunciou a nomeação de Turkson como presidente do Pontifício Conselho Justiça e Paz.

Turkson é visto normalmente como afável, aberto, com senso de humor e uma franqueza charmosa, pouco dada a floreios diplomáticos. Em toda a África, ele é visto como um dos líderes eclesiais mais dinâmicos do continente. Não por acaso a sede do Secam fica em Gana, refletindo a proeminência que os ganenses têm nos assuntos da Igreja Católica africana.

Turkson tem diversos pontos a seu favor.Primeiro, muitos cardeais querem um papa com profunda experiência pastoral em uma diocese; outros buscam alguém com experiência no Vaticano, e que possa colocar a Cúria sob controle. O currículo de Turkson tem as duas coisas, e por isso ele teria apelo entre os dois grupos.

Segundo, pensando de forma abstrata, alguns cardeais gostam da ideia de colocar um rosto no florescente catolicismo não ocidental, e Turkson se transformaria nesse rosto em um instante.

Terceiro, Turkson assumiria o posto sem que nenhum dos recentes escândalos que atingem o Vaticano tenha resvalado nele. Ele não estava na bagunça do Vatileaks, não tem nada a ver com o Banco do Vaticano, e não tem nenhum histórico nos casos de abuso sexual (quando o Snap, a principal entidade de vítimas de abusos, publicou sua avaliação dos favoritos no conclave, Turkson estava no grupo sobre o qual o grupo não tinha informações suficientes para emitir uma opinião).

Quarto, para uma igreja comprometida com a nova evangelização, Turkson seria um líder atraente e enérgico, capaz de levar as pessoas a olhar a Igreja Católica com novos olhos.

Quinto, ele reflete o tradicional ethos africano em assuntos de moral sexual e de família, indicando que sua eleição não assustaria os cardeais mais preocupados em reforçar a posição pró-vida da Igreja. Um perfil recente de Turkson no jornal Independent o descreveu como "o cruzado de capa do conservadorismo" justamente por esse motivo.

Sexto, as relações com Islã certamente estarão entre as prioridades do novo papa, e Turkson tem experiência pessoal com o tema, já que tem um tio muçulmano. Em Gana, Turkson viveu entre muçulmanos, e é um líder das relações entre as duas religiões na África. E ele sabe ser firme, enfatizando a necessidade de que as sociedades islâmicas respeitem a liberdade religiosa.

Os pontos fracos de Turkson estão nos seguintes pontos:

Primeiro, o Pontifício Conselho Justiça e Paz não é visto como um dos departamentos mais importantes do Vaticano, então existe uma certa dúvida sobre o possibilidade de o posto ser um bom trampolim para o papado. Além disso, já em 2009, amigos de Turkson diziam que ele preferiria retornar para Gana a trabalhar em Roma, o que leva alguns a se perguntar se ele está à altura de um cargo romano ainda mais exigente.

Segundo, alguns conservadores veem Turkson como "centro-esquerda" demais para o seu gosto, especialmente em temas de justiça econômica. Em 2011, o Conselho Justiça e Paz publicou um documento chamado "Por uma reforma do sistema financeiro internacional na perspectiva de uma autoridade pública com competência universal", que entre outras coisas rejeitava explicitamente políticas econômicas que ficaram conhecidas como neoliberais, e também explicitamente endossava a criação de uma "verdadeira autoridade política mundial" para regular a economia globalizada. Os críticos, aborrecidos com o conteúdo da nota, desafiaram seu status de documento vaticano. George Weigel a descartou como produto de "um escritório menor da Cúria Romana", enquanto Bill Donohue disse que o texto trazia "neologismos" inexistentes no pensamento do papa Bento XVI.

Terceiro, alguns questionam se Turkson está realmente pronto para o horário nobre. Durante o Sínodo dos Bispos sobre a nova evangelização, no ano passado, Turkson usou uma de suas intervenções para mostrar um vídeo alarmista sobre o Islã encontrado no YouTube, que continha estatísticas exageradas sobre a imigração muçulmana na Europa, e que já haviam sido amplamente desmentidas. O tiro saiu pela culatra e alguns bispos se viram obrigados a pedir que Turkson parasse com aquilo. O cardeal se desculpou prontamente, mas ficaram as dúvidas sobre sua capacidade de avaliação.

Quarto, os comentários abertos de Turkson sobre a conveniência de um papa africano, chegando a flertar com a ideia de que ele seja esse papa, incomodaram profundamente os que consideram que ele está fazendo campanha. Amigos insistem que Turkson está apenas sendo honesto e simpático, que ele não quer negar um comentário aos repórteres que o procuram, e que não desconversa diante de perguntas óbvias.

Mas, em um processo eleitoral no qual se colocar sob os holofotes não costuma ser visto com bons olhos, ser um cara legal às vezes tem seu preço.

Tradução: Marcio Antonio Campos

* John Allen Jr. é um dos mais experientes vaticanistas da atualidade. Jornalista do site norte-americano National Catholic Reporter (http://ncronline.org/), ele também colabora com o canal de televisão CNN e com a National Public Radio norte-americana. Allen é autor de vários livros sobre a Igreja Católica, incluindo duas biografias de Bento XVI, uma delas escrita quando Joseph Ratzinger ainda era cardeal. Duas de suas obras foram traduzidas para o português: Opus Dei, mitos e realidade, de 2005, e Conclave, de 2002, em que ele descreve os rituais que envolvem a sucessão do papa e apontava vários favoritos para assumir o posto após a morte de João Paulo II.

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