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É rara a pessoa que de livre e espontânea vontade abra mão de tanto poder. Nos anos finais do papado de João Paulo II, houve uma intensa especulação de que o mal de Parkinson provocaria sua aposentadoria, mas ele escolheu continuar. Em contraste, o papa Bento XVI disse que "as minhas forças, devido à idade avançada, já não são idôneas para exercer adequadamente" seu ministério.

Sua renúncia nos lembra que, diante de um dilema, dois católicos devotos podem tomar decisões divergentes. O discernimento espiritual é sempre pessoal. Deus fala conosco de uma forma feita sob medida para nossas circunstâncias, personalidades e histórias pessoais. Deus nos encontra lá onde nós estamos. Se João Paulo era uma estrela, Bento era um professor erudito. Ele será lembrado pelo fortalecimento da ortodoxia da Igreja, por encíclicas notáveis pela sua profundidade teológica, por uma recente revisão da tradução inglesa do Missal Romano, e – apesar de sua longa experiência na Cúria Romana – por uma série de problemas internos no Vaticano.

Os críticos enfatizarão a supervisão mais rígida das congregações religiosas femininas nos Estados Unidos, ou seus comentários controversos sobre o Islã. Os admiradores lembrarão seus encontros com vítimas de abusos sexuais, e a ação firme e disciplinadora contra o reverendo Marcial Maciel Degollado, um poderoso padre mexicano que abusou de garotos e teve alguns filhos.

Seu grande legado, no entanto, deverá ser uma obra em três volumes, Jesus de Nazaré, na qual ele aplicou décadas de estudo e oração à questão mais importante que um cristão pode perguntar: quem é Jesus? Ele lembrou os leitores que escrevia apenas na qualidade de teólogo e, de forma mais simples, como um crente.

Menos conhecidas fora dos círculos católicos, mas também significativas, são as mensagens do papa na oração do Angelus, um tipo de meditação que ele oferecia na Praça de São Pedro, frequentemente tratando das vidas dos santos.

Paradoxalmente, Bento XVI também será muito lembrado pela forma como deixou o papado. Ao se tornar o primeiro papa a renunciar desde 1415, ele demonstrou uma imensa liberdade espiritual, colocando o bem da instituição e de 1 bilhão de católicos à frente do poder e do status. Esse papa tremendamente tradicional – que, como prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, costumava ser criticado por exercer poder até demais – fez uma das coisas mais não tradicionais que se poderia imaginar.

O Evangelho diz que "o Filho do Homem veio não para ser servido, mas para servir". Talvez a parte mais difícil do serviço seja colocar de lado os próprios planos e objetivos; certamente Bento sente que deixou parte do trabalho inacabada. Como gosta de dizer um velho jesuíta que conheço, "o Messias existe, e não é você". Líderes podem aprender muito de um homem consciente de que ele não é indispensável, que ele não é Cristo. Ele é simplesmente Seu vigário, e apenas por algum tempo.

Tradução: Marcio Antonio Campos

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