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Curitiba – O cerebral Joseph Ratzinger, o Papa Bento XVI, surpreendeu católicos e não-católicos, no último fim de semana, ao – aparentemente – se deixar levar pela emoção em sua visita ao campo de concentração de Auschwitz, na Polônia, onde 1,5 milhão foram mortos pelos nazistas. Em parte de seu discurso, o Pontífice usou palavras como "por que, Deus, o senhor permaneceu em silêncio? Como pôde tolerar tudo isso? Onde estava Deus naqueles dias? Por que ficou Ele em silêncio? Como pôde permitir esse massacre sem fim, esse triunfo do mal?"

Uma das hipóteses é que o Papa Bento XVI simplesmente recorreu a uma mística religiosa corrente – questionando, de forma quase poética, o silêncio divino, expressando o sentido humano da dúvida. Outra é que tenha se deixado tocar pela pujança do cenário em que estava – no qual evitou falar a língua alemã, em atenção aos 32 judeus sobreviventes do Holocausto presentes à cerimônia.

Para o frei Clodovis Boff, da Ordem dos Servos de Maria, especializado em Teologia Fundamental – justo a que estuda as razões da fé – e professor do Studium Theologicum, em Curitiba, o líder da Igreja Católica demonstrou grandeza diante de um fato que até hoje deixa perplexa a humanidade. Ao perguntar "onde estava Deus", nada mais fez do que recorrer à teologia do judeu alemão Hans Jonas, bastante popular na Europa do pós-Guerra por conta, também, de uma indagação que acabou espalhada aos quatro ventos: "É possível fazer Teologia depois de Auschwitz?" Eis a questão.

"O problema da ausência de Deus é expresso na Bíblia na figura de Jó [personagem que perde todos os seus bens, resignado]. Ao usar expressões como essa, não se está afirmando o ateísmo, mas reconhecendo que um fato como o Holocausto gera um vazio filosófico e teológico. Só a fé pode responder. Não há como se amparar na racionalidade", explica Clodovis.

"Repito, ele foi grande. Soube se expressar, recorreu a uma fala profana para expressar a dor. Bento XVI é um homem de estatura teológica e sabe que toda Teologia acaba em silêncio. Foi o que ele invocou naquele momento."

Padre Luiz Alberto Kleina, reitor do Santuário Nossa Senhora do Carmo e procurador da Cúria Metropolina da Arquidiocese de Curitiba, projeta a passagem e a fala de Bento XVI por Auschwitz em dois momentos. Um é o de apreensão diante do crescente clima de intolerância racial e sexual, em especial na Europa. O outro é o do recente lançamento da encíclica Deus é Amor, cuja reflexão dá o tom ao atual papado. "Bento XVI estava diante de uma força obscura, como a que gerou o nazismo. Acredito que ele falou movido pela emoção, mas sem perder a diplomacia. Foi um clamor."

As declarações do Papa Bento XVI causaram impressão também na comunidade israelita do Paraná – formada por três mil judeus, a maior parte concentrada em Curitiba. Para o rabino Sami Goldftein, 32 anos, as declarações merecem agradecimento e são mais uma prova de que o novo papado dará continuidade à política ecumênica da qual João Paulo II foi um marco. "A comunidade judaica vê com bons olhos a iniciativa do Papa em manter viva a História do Holocausto. Um povo que se esquece de seu passado tende a repeti-lo", declara.

Omissão

Às indagações papais, Goldftein acrescenta que se deve perguntar onde estava o homem no momento em que milhares de judeus foram levados para os fornos crematórios. "O mundo todo testemunhou em silêncio o massacre nazista. Prefiro dizer que Deus estava presente nas pessoas bondosas que ajudaram os necessitados."

A omissão das várias crenças cristãs em torno do genocídio judeu na 2.ª Guerra Mundial também serve de matéria-prima para o pastor luterano Alex Busch, 37 anos, coordenador do Conselho Ecumênico Nacional em Curitiba – órgão que congrega sete igrejas. Ele lembra que as igrejas protestantes nutrem um certo sentimento de culpa por terem se silenciado naquele momento e que trabalham para vencer esse descompasso histórico. Em muitos países a aproximação entre protestantes e judeus já é um fato – embora no Brasil seja ainda bastante tímida. "Bento XVI recorreu a uma idéia que Jesus usou no momento da sua crucificação, e que vinha do Antigo Testamento. É uma invocação à ausência de Deus num momento de tragédia. Existe uma maldade que extrapola a nossa compreensão. Expressar a dúvida é humano", pondera Alex.

Para o pastor Paulo Roberto Quentino, 46 anos, presidente da Cobim – Convenção das Igrejas Evangélicas, com sede em Curitiba –, as palavras de Bento XVI causaram, sim, um certo espanto. O religioso – que em seu trabalho pastoral coordena 40 igrejas evangélicas e 40 congregações – admite que preferiria que o Papa tivesse recorrido a outras imagens bíblicas, como a do Deus que nunca dorme e que cuida de cada fio de cabelo que cai da cabeça do homem. "Seria mais adequado lembrar que o Holocausto foi resultado da ação do homem", comenta. O pastor, a propósito, lembra que gostaria de ver gestos de aproximação com o judaísmo, feito os de João Paulo II e Bento XVI, serem feitos também com outras igrejas com as quais o catolicismo têm um patrimônio em comum. "Há um desejo nosso, mas não vejo uma política clara das igrejas nesse sentido."

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