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O governo paraguaio colocou aproximadamente mil homens armados no encalço de militantes do Exército do Povo Paraguaio (EPP) | La Nación/Agência de Notícias Gazeta do Povo
O governo paraguaio colocou aproximadamente mil homens armados no encalço de militantes do Exército do Povo Paraguaio (EPP)| Foto: La Nación/Agência de Notícias Gazeta do Povo

Os departamentos (estados) pa­­raguaios de Concepción e San Pedro vivem, desde a segunda-feira passada, sob estado de exceção. Ele vai vigorar por 60 dias e foi promulgado pelo presidente Fernando Lugo para dar autonomia às forças de segurança do país no combate ao grupo guerrilheiro Exército do Povo Paraguaio (EPP).

Pelo menos mil policiais fo­­ram levados para a região norte, onde pode haver também intervenção militar. O último estado de exceção havia sido decretado em abril de 2010, também por dois meses, e teve resultados in­­significantes – nenhum suspeito terminou preso.

Em entrevista por e-mail, o pesquisador José Szwako, doutorando em Ciências Sociais pela Universidade de Campinas (Uni­­camp), fala sobre o que se passa com o Paraguai, o país objeto de seus estudos.

Qual é a força do Exército do Povo Paraguaio (EPP)?

O EPP não impressiona tanto por sua dimensão; falam em um grupo pequeno composto por, no máximo, duas dezenas de milicianos. Apesar desse tamanho diminuto, as ações iniciadas pelo grupo em 2008 tiveram al­­gum sucesso, sobretudo em dois episódios de sequestro nos quais o grupo conseguiu obter o pagamento das respectivas famílias. A ação do EPP evoca uma questão central da realidade paraguaia – a relação entre desigualdade social e distribuição de terras. Aqueles episódios permitem ver como a distribuição de terra é central para esse grupo "revolucionário", pois neles se deu o se­­questro de dois grandes fazendeiros, Luis Alberto Lindstron e Fidel Zavala Serrati, proprietários de estâncias nos departamentos atualmente em estado de exceção.

O que move o EPP?

O EPP se intitula uma "organización revolucionaria y político militar", e suponho que a questão cen­­tral do EPP seja uma mudança "revolucionária" no país. No Paraguai, como em qualquer país sul-americano, fazer essa "revolução" é reorganizar a distribuição de terra e, junto dela, pluralizar o modelo predominante de produção. Nesse sentido, é fundamental entender que o contexto no qual o EPP se move é o campo paraguaio, ou seja, um contexto marcado pelo crescimento exponencial do agronegócio, do cultivo de soja em particular. Esse crescimento tem efeitos para a população campesina, que é afetada pelo aprofundamento da monocultura da soja e pela degradação ambiental que atinge a saúde de famílias inteiras no campo. Então, nesse contexto, não é apenas o EPP que luta por redistribuição de terra, pois a ação de vários outros grupos campesinos democraticamente mobilizados também gira ao redor da terra. O que separa o EPP das organizações do movimento campesino é o "como" fazer essa reivindicação, por vias exclusivamente violentas ou por outras vias.

Como o EPP é percebido pe­­los paraguaios?

Existem várias visões sobre o EPP. Há uma parte urbana da população, especialmente na capital, que vive aterrorizada por um suposto "fantasma do EPP". Existe também uma fração com saudade da ditadura stronista [de Alfredo Stroessner, entre 1954 e 1989], essa fração vê no EPP um terrorismo antiparaguaio e quer ver "medidas enérgicas" do Es­­tado. Existem também os grupos imediatamente afetados pela ação do EPP, que estão nos departamentos de Concepción e San Pedro. Essas são populações mi­­seráveis e mantêm uma tensa relação com o grupo. Por exemplo, no sequestro de Fidel Zavala, o grupo exigiu que a família do fazendeiro doasse carne como parte da recompensa para liberá-lo. A família obedeceu, e o EPP distribuiu carne em vilas muito pobres, mas em muitas delas, campesinos e indígenas se negaram a aceitar a carne "doada". Isso mostra que o EPP não tem legitimidade apenas por pretender uma "revolução" e mostra também que esses grupos, apesar de diretamente afetados pela miséria, não apoiam essa forma de fazer "revolução".

Esta é a segunda vez em me­­nos de dois anos que o país vive um estado de exceção. Na sua opinião, que efeitos isso pode ter sobre a autoridade do presidente ou mesmo sobre a população?

Esse processo "excepcional" tem um efeito direto sobre aqueles que vivem nessas áreas. Em primeiro lugar, o estado de exceção, ao suspender temporariamente as regras válidas, retira garantias cidadãs básicas e abre espaço para o abuso de autoridades, policiais e militares contra populações que, mesmo em contexto de normalidade democrática, tendem a ser vítimas de algum tipo institucional de violência. Em contexto de exceção esse quadro piora porque qualquer reunião privada ou protesto público pode ser e é rapidamente criminalizado. Nesse sentido, o estado de exceção tem um duplo efeito: por um lado, ele embaça a visão do público mais amplo que tende a ver qualquer grupo campesino como o EPP. Por outro, o estado de exceção tem como efeito refrear demandas campesinas e de organizações de direitos humanos.

Outro efeito relativamente grave é o clima de terror criado ao redor da exceção. Nesse sentido, vários atores políticos e midiáticos passam a se utilizar instrumentalmente de um vocabulário de medo e de terror que lembra um triste episódio ocorrido no país no final do século passado.

Existem riscos ligados ao estado de exceção?

Como disse a Coordenadora de Direitos Humanos do Paraguai (CODEHUPY) em sua nota pública, o recurso ao estado de exceção deve ser, como o próprio nome diz, excepcional, mas essa excepcionalidade é constitucionalmente prevista para casos de enfrentamento internacional ou grave comoção que coloquem em risco a Constituição. Ora, o fato de um grupo como o EPP supostamente colocar em risco a segurança de parte das elites paraguaias não precisa ser entendido como uma ameaça para a democracia constitucionalmente concebida. O Estado paraguaio não precisa recorrer ao estado de exceção para assegurar a segurança de toda a população paraguaia. O que representa uma ameaça à convivência democrática no Paraguai é que o estado de exceção vire rotina, vire norma. Existe um debate sobre a relação entre exceção e democracia, e para alguns a exceção é constitutiva do jogo democrático. Isso pode até ser verdade, mas a exceção não pode ser um instrumento acionado de modo periódico e muito menos como algo normal nesse jogo.

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