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A dúvida que ainda paira sobre os alimentos transgênicos faz pensar que exista um exército de cientistas pesquisando incansavelmente até chegar ao veredicto: afinal, eles fazem mal à saúde? Mas, não é assim. A maior parte da pesquisa sobre o tema é feita por grupos privados em busca de novos produtos. Existe pesquisa insuficiente sendo feita por entes públicos, na opinião de um grupo de 40 cientistas que redigiram um do­­cumento, publicado pela Pon­­ti­­fícia Academia das Ciências re­­centemente. O químico italiano Piero Morandini faz parte do grupo e concedeu entrevista por e-mail à Gazeta do Povo.

Como os transgênicos podem ser usados para combater a fo­­me, e onde?

De várias formas, principalmente evitando a perda de colheitas causada por insetos e fungos, ou seja, usando plantas resistentes. Além disso, aumentando tanto a produtividade potencial (aquela que se percebe com melhores condições de solo, irrigação, fertilizantes etc.) quanto as condições agrícolas (por exemplo, eliminando ervas daninhas). Outra forma é eliminar toxinas que, quando pre­­sentes, inviabilizam a ingestão de certos alimentos. Um bom exemplo é o algodão, cuja semente tem uma pequena quantidade de tóxicos que a torna não comestível pelo homem. Só esta planta transgênica colocaria à disposição cerca de 10 milhões de toneladas de proteína de boa qualidade a cada ano, sem a necessidade de cultivo de novas terras.

Existe ainda um aspecto menos conhecido da fome, mas igualmente trágico, que é a carência de vitaminas, chamada de "fome es­­condida" ("hidden hunger"). Apa­­rentemente, a pessoa come o suficiente, mas no fundo tem carência de vitaminas ou outros micronutrientes. Criar variedades mais nutritivas eliminaria uma enorme carga de sofrimento.

Existe algo comprovado sobre os riscos dos transgênicos para seres humanos?

A segurança absoluta não existe nem em alimentos convencionais. Pelo contrário, aceita-se tran­­quilamente o fato de alimentos encontrados em supermercados serem causa de morte e doenças, inclusive no mundo ocidental. Po­­deria dar dezenas de exemplos, como as alergias a alimentos co­­muns. Portanto, não vejo por que devêssemos exigir segurança to­­tal dos transgênicos. De qualquer forma, esta tecnologia é seguras, talvez em alguns casos até mais do que os alimentos convencionais, porque antes de chegar ao mercado os produtos passam por muitas provas experimentais (o que é exigido somente delas). Por exemplo, nenhuma planta transgênica jamais provocou uma reação alérgica nos consumidores, enquanto a cada ano morrem cerca de dez pessoas na Europa só devido a alergias. Os transgênicos prejudicam os pequenos produtores?

Pelo que entendo, esta tecnologia independe da escala, o que não é verdade par outros tipos de cultivo. Se tomarmos o trator como ino­­vação, é claro que nos países mais pobres somente os proprietários mais ricos conseguem comprar um, e portanto só eles me­­lhoram seu rendimento. Os pe­­quenos, ao contrário, dificilmente podem comprar um equipamento desses e ficam presos a velhos métodos: cultivam lavouras menores e talvez controlem menos ervas daninhas, e portanto ganham menos por cada hectare cultivado. Por isso se diz que o trator, sim, é um benefício que depende da escala do empreendimento, e aumenta a divisão entre os dois grupos. Ao contrário, no caso das pantas transgênicas, a tecnologia está com frequência (mas não sempre) inserida na se­­mente, ou seja, não requer mais nada para que seja desfrutada.

Isso é verdade, por exemplo, para as plantas resistentes aos vírus, aos insetos, ao frio ou à estiagem; ou para aquelas com maior conteúdo nutricional (arroz, batata e mandioca douradas) ou com conteúdo reduzido de substâncias tóxicas.

Muitos opositores lamentam que, depois de 15 anos, os produtos transgênicos ainda são basicamente de dois tipos: resistem a insetos ou a herbicidas. Mas a culpa por essa situação é em boa parte daqueles que se opõem a eles e continuam a propagar mitos so­­bre a periculosidade intrínseca dos transgênicos, porque são esses grupos que pedem normativas mais repressivas contra a tecnologia.

O senhor diz que essa regulamentação "mata as pesquisas públicas". Os estudos que existem são insuficientes?

As atuais regulamentações colocaram a pesquisa nas mãos de grandes grupos privados. E a pesquisa pública não consegue fornecer plantas que cheguem até os camponeses. Chega a produzir plantas transgênicas interessantes, mas que acabam bloqueadas antes de serem disponibilizadas para cultivo. Essa não é uma crítica ao setor privado, e sim à política e burocracia que impuseram um custo exorbitante e um peso incrível sobre os produtos fruto dessa tecnologia, quando os riscos são similares ou menores em relação a outras tecnologias usadas para o cultivo de plantas. Mas existe pesquisa no setor público, boa parte feita por países em desenvolvimento ou que poderia ser útil para eles.

O que precisa mudar na regulamentação dos transgênicos?

O que falta é vontade política de torná-la sensata, ou seja, baseada na Ciência; proporcional aos riscos e focada em produtos e não no processo. Dessa forma, muitos pro­­dutos seriam rapidamente aprovados em muitos países e colocados ao acesso de camponeses e consumidores. Entre os exem­­plos de plantas transgênicas já testadas ou em vias de desenvolvimento (fruto de pesquisa pública) encontram-se: arroz dourado (e outras culturas como batata, mandioca e banana ricas em provitamina A); arroz para combater a carência de ferro e zinco; algodão com baixo teor de toxinas na semente; mandioca com baixo teor de toxinas; mandioca com mais proteína e vitaminas ou resistente a vírus; plantas mais resistentes a ervas parasitas ou com menos contaminação por fungos tóxicos. Poderia dar dezenas de outros exemplos.

Qual o interesse de grupos que criticam seus artigos como não científicos?

Existe oposição por boa fé, mas também muita ignorância. Sugi­­ro a esses autores que leiam mais artigos científicos. Começando a conhecer o que a ciência já reconhece como verdade, poderemos dar um passo adiante.

Saiba mais consultando links paraartigos científicos no blog Planeta Web: http://www.gazetadopovo.com.br/blog/planetaweb

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