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“Já se pode dizer hoje que o esforço (de negociar com o Irã) não foi em vão. É um resultado ainda tímido, político, em aberto, mas importante.” | Divulgação
“Já se pode dizer hoje que o esforço (de negociar com o Irã) não foi em vão. É um resultado ainda tímido, político, em aberto, mas importante.”| Foto: Divulgação

Em seu novo papel de mediador de crises nucleares, o Brasil tem a seu favor a assinatura do Tratado de Não Proliferação Nuclear (TNP). Apesar de ter se negado a aderir por 30 anos, por considerá-lo discriminatório, a adesão veio em 1998. Mas esse foi um erro, na opinião do professor de Defesa da Universidade de Brasília Antônio Jorge Ramalho da Rocha, para quem o Brasil era um dos países com mais transparência para poder se recusar à adesão. Rocha trabalhou no Ministério da Defesa e hoje integra a Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Ele conversou com a Gazeta do Povo na semana passada, quando participou de evento do UniCuritiba.O Brasil fica de fiador do Irã na questão nuclear e quer aumentar seu próprio enriquecimento de urânio. É compreensível que pesquisadores suspeitem da intenção brasileira de fazer a bomba, como ocorreu com o alemão Hans Rühle na semana passada?

Não. A preocupação de que o Brasil queira a bomba já não existe. No passado, havia o temor de que, durante o regime militar, pudesse existir um programa paralelo. Foi feita uma comissão parlamentar de inquérito no início dos anos 90 e se comprovou que não havia o programa. Mas é preciso separar. Uma coisa é o que Brasil tentou fazer com o Irã...

Tentou fazer?

Digo tentou porque o acordo foi assinado, mas só daqui a um mês é que poderemos dizer que Brasil e Turquia conseguiram efetivamente mudar o processo. No meu ver, já houve uma mudança importante, que é a redução do espaço à disposição do Irã daqui para frente. O fato de o Irã ter publicamente se comprometido com dois países que são tidos como confiáveis, com mandato temporário no Conselho de Segurança da ONU, que puxam para si uma responsabilidade tão elevada para criar uma alternativa ao impasse, vai conduzir o Irã a um isolamento muito grande caso não cumpra o que acordou. Já se pode dizer hoje que o esforço não foi em vão. É um resultado ainda tímido, político, em aberto, mas importante.

O senhor falava das intenções brasileiras...

A ideia é separar a postura brasileira na questão nuclear e o engajamento com o Irã. O Brasil só aderiu ao TNP no fim dos anos 90 depois de uma mudança importante de sua política externa. A posição brasileira tradicionalmente foi de recusar a construção do artefato, mas não assinar o TNP porque o considerava discriminatório. Afinal, por ele, os países que já têm tecnologia podem conti­nuar com ela, e aqueles que não têm não poderão mais ter. Isso cria duas qualidades de Estado distintas, e o Brasil dizia que isso vai contra sua política externa, baseada em normas que são as mesmas para todos. O Brasil passou 30 anos afirmando que não assinaria por uma questão de princípio, porque não queria legitimar um tratado discriminatório. De repente, em 1998, assinou. Até hoje não se entende por quê.

O atual governo não teria assinado?

Seguramente não. O considera discriminatório e talvez haja quem julgue que o tratado não serve aos interesses do pais.

Por quê?

Porque você abre demais os seus segredos, e essa é a razão pela qual o Brasil não quer assinar o protocolo adicional, que amplia o grau de intrusão das inspeções. O TNP prevê apenas a medição da quantidade de urânio que entra e sai do país, mas não autoriza os inspetores a observar os processos por meio dos quais o enriquecimento se dá.

O que o protocolo faz?

Ele amplia a capacidade de observação dos inspetores sobre os processos. Além disso, o protocolo prevê que mesmo as instalações de universidades que participem de rede de pesquisadores vinculados ao programa possam ser submetidos a inspeções. Na minha opinião, isso é excessivo. O argumento da Índia para não assinar, até hoje, é o mesmo que o Brasil utilizava – embora eles, sim, tivessem objetivos militares. O Brasil teria mais razão do que a Índia para não assinar. Foi um erro assinar o TNP. Essa é minha opinião pessoal. O Brasil era o único pais que tinha transparência suficiente em seu programa para deixar claro que não tinha interesse em desenvolver o artefato.

Mas como o país comprovaria suas intenções pacíficas?

Era possível fazer inspeções com base no Tratado de Tlatelolco (México, 1967), que criou a inspeção voluntária. O Brasil permite que técnicos da Argentina venham a qualquer momento, e vice-versa. E, principalmente, o Brasil tem a renúncia às armas nucleares em sua Constituição, o que é muito raro.

O TNP perdeu peso com a "novela" armada pelo Irã, que é signatário?

Não existe nenhuma evidência cabal de que o Irã tenha descumprido o TNP. Existem indícios. E ele tem permitido inspeções. O que existe são indícios de que haja instalações não declaradas, não há transparência suficiente. Mas eu não diria que o tratado perde relevância porque isso pode acontecer, e ele continua sendo legitimado pela ampla maioria dos países. Só a Coreia do Norte denunciou, e Índia, Pa­­quistão e Israel não assinam.

Na sua opinião a defesa nacional ficou prejudicada pela politização da compra de armamento, como no caso dos caças?

Não houve prejuízo, e sim uma atenção maior neste governo à necessidade de aparelhar as Forças Armadas. No caso dos caças, a gente ainda não sabe qual é a decisão. A imprensa diz que a decisão está tomada, mas eu não vi isso publicado ainda. Concordo que a escolha deva ser técnica, não resta dúvida.

Como o senhor responde à crítica de que o governo deveria investir antes no social e em infraestru­tura do que em armas?

Não é um discurso vazio, já que não nos envolvemos em conflitos. E o que o Brasil fez junto com a Turquia é em grande parte resultado desse capital acumulado, de não se envolver em conflitos.

O que está sendo feito quanto às denúncias de invasão de membros das Forças Armadas Revo­lucionárias da Colômbia na Amazônia?

Existe uma política clara de governo de manter a integridade territorial. O Exército vem ampliando a sua presença. Quem entrar ilegalmente, buscando realizar crimes, vai provavelmente ser preso, na medida do possível. Mas não há presença intensa.

Essa é nossa maior ameaça real?

Não, as Farc se enfraqueceram muito, perderam inclusive o sentido ideológico. Pode acontecer de entrarem, mas é muito mais pela vastidão da selva. A maior ameaça, entre aspas, são tentativas de autonomia de povos indígenas inspiradas por agentes estrangeiros, ONGs, falsos missionários. Não diria que essa seja uma neurose de militar conservador. Outra ameaça seria uma onda imigratória muito grande, como numa fuga de um conflito em um país de fronteira, que ameaçaria a segurança da população que vive ali. O Brasil está se preparando para resistir, por exemplo, com a instalação da nova esquadra próximo à foz do Amazonas.

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