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Fóssil da família dos artrópodes encontrado perto da Cordilheira do Atlas, no Marrocos: vida há 480 milhões de anos | Peter Van Roy
Fóssil da família dos artrópodes encontrado perto da Cordilheira do Atlas, no Marrocos: vida há 480 milhões de anos| Foto: Peter Van Roy
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Desde sua descoberta, em 1909, o sítio arqueológico de Burgess Shale, nas Rochosas Canadenses, vem oferecendo a cientistas uma abundância de evidências para a "explosão" no número de seres multicelulares complexos, que se iniciou há 550 milhões de anos.

Os fósseis, todos desconhecidos da ciência, foram primeiramente vistos mais como surpreendentes curiosidades de uma época em que a vida, exceto para bactérias e algas, estava confinada ao mar. Nos últimos cinquenta anos, todavia, paleontólogos reconheceram que o sítio de Bur­gess Shale exemplifica a radiação de diversas formas de vida como nunca visto em outra época anterior. No sítio pode se comprovar uma evolução em movimento, organismos que, com a passagem do tempo, reagiram à seleção e inovação naturais em novos formatos corporais e ni­­chos ecológicos diferentes.

Mesmo assim, o registro de fósseis possui um ponto negro: as inovações da vida durante o período Cambriano parecem ter poucos descendentes. Muitos cientistas concluíram que a ex­­plicação mais plausível para este desaparecimento misterioso seria uma extinção em massa que dizimou grande parte da vida cambriana. Aparentemente, os organismos complexos que emergiram durante o período tiveram uma morte súbita, desaparecendo quase sem vestígios deixados em formas de fósseis.

Mas nem todos estavam convencidos disso. Recente descoberta de uma enorme quantidade de fósseis de 480 milhões de anos no Marrocos serviu para acabar com a ideia de extinção em massa. Para a equipe de cientistas que fez as escavações, a descoberta mostra que o grande abismo no registro dos fósseis se deve à falta de preservação dos fósseis durante os últimos 25 milhões de anos.

A equipe relata na última edição da revista científica Nature que o grande número de espécies marroquinas "excepcionalmente bem preservadas" exibe aparentemente fortes elos com espécies cambrianas cujos fósseis foram encontrados em sítios na China, Groenlândia e, mais notavelmente, em Burgess Shale. Os cientistas acreditam que isto resolve o mistério. De acordo com eles, os fósseis marroquinos provam que as espécies como as encontradas em Burgess Shale "continuaram tenho um papel importante na diversidade e na estrutura ecológica de comunidades marinhas mais profundas muito depois do Cambriano Médio".

Os fósseis marroquinos in­­cluem esponjas, vermes, trilobitas, moluscos, lesmas e parentes do náutilo. Outro fóssil era similar ao caranguejo ferradura atual, um retrocesso biológico familiar aos animais de areia. Atual­­mente, dizem os cientistas, a antiguidade dos fósseis parece ser ainda maior – quase 30 mi­­lhões de anos a mais do que se imaginava, possivelmente du­­rante o final do Cambriano.

O principal cientista da equipe e autor do artigo publicado na revista científica se chama Peter Van Roy, um paleontólogo belga com pós-doutorado na Univer­­sidade Yale, dos Estados UNidos. Ele trabalhou nos sítios de fósseis marroquinos durante os últimos 10 anos, mas foi apenas durante uma viagem de campo, financiada pela National Geo­­graphic Society, que ele e outros cientistas descobriram as riquezas de um sítio próximo à Cor­­dilheira do Atlas e à cidade de Zagora.

Cientistas da Grã-Bretanha, França, Irlanda, Marrocos e Esta­­dos Unidos também participaram da pesquisa e foram co-autores do relatório elaborado pela equipe.

"Logo ficou claro que a equipe havia realmente descoberto todos os animais que habitavam Burgess, sendo que a maioria deles nunca havia sido descoberta depois do Cambriano Médio", disse Van Roy.

Um importante membro da equipe, Derek E.G. Briggs, diretor do Museu Peabody de História Natural em Yale, passou sua vida acadêmica estudando Burgess Shale. Briggs utilizou o livro "Vida Maravilhosa: Burgess Shale e a Natureza da História", obra de Stephen Jay Gould que, já em 1989, chamava os fósseis do local de "maravilhas esquisitas" do período Cambriano.

No livro, Gould, que morreu em 2002, ponderou sobre o mistério da explosão relativamente abrupta de novas formas de vida durante o Cambriano, seguida de seu desaparecimento aparente.

Briggs revelou em uma entrevista que os cientistas suspeitaram, por algum tempo, que "estávamos apenas tendo dificuldade de encontrar o local certo e também apenas vendo uma pequena parte do que era a vida naquele período".

Por este motivo, ainda de acordo com Briggs, ele esperava que outros cientistas ficassem menos surpresos com a descoberta. O registro de fósseis por um longo tempo depois do Cambriano Médio pode ser pontual e mínimo, mas ele existe. Os fósseis marroquinos não apenas revelam a continuação de muitas formas de vida cambrianas, disse, mas mostram a "alta probabilidade de que outras regiões possuam essas formas de vida resistindo ao tempo".

Como consequência, relatou a equipe de cientistas, os sedimentos marroquinos oferecem elos promissores entre a explosão cambriana da vida multicelular, como vista em Burgess Shale, e os estágios iniciais do que chamamos de Grande Bio­­diversificação Ordoviciana, que é considerado "um dos mais dramáticos episódios da história da vida marinha".

Isto levou ao surgimento de peixes há cerca de 400 milhões de anos e a migração de vertebrados de quatro membros da água para a terra há 360 milhões de anos. Após a catastrófica extinção em massa no final do período Permiano, há cerca de 250 milhões de anos, os dinossauros surgiram em um mundo reptiliano, e após sua extinção, cerca de 65 milhões de anos atrás, os mamíferos começaram a aparecer, humanóides evoluíram há provavelmente 8 milhões de anos, e os humanos modernos há menos que 200 mil anos.

Esperar encontrar fósseis do início do período Ordoviciano é como acreditar em um milagre. Algumas das conchas obviamente foram fossilizadas, mas a maioria das criaturas desta época possuía corpo formado de tecidos moles, de rápida decomposição. Os sítios marroquinos, conforme salientou Briggs, eram o fundo enlameado de um oceano. Tempestades agitaram o fundo do mar, enterrando assim as criaturas mortas em cavidades com pouco ou nenhum oxigênio para favorecer a decomposição. A química do sedimento transformou ferro e sulfuretos em pirita, que revestiu e preservou a forma dos animais, incluindo seus membros, e mineralizaram os tecidos internos.

"A ótima preservação da anatomia de tecidos moles permite reconstruções de suas afinidades genéticas mais completas e precisas do que era possível até então", conclui Van Roy.

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