• Carregando...
Frank Sinatra (à dir.) tinha ligações com Pablo Escobar, segundo filho do narcotraficante em livro | /
Frank Sinatra (à dir.) tinha ligações com Pablo Escobar, segundo filho do narcotraficante em livro| Foto: /

Quando jurou vingança pela morte do pai, em 1993, o adolescente Juan Pablo Escobar não tardou mais que dez minutos para mudar de ideia após dar uma entrevista de cabeça quente a uma rádio local. Hoje, aos 38 anos, o escritor, arquiteto e desenhista industrial volta a explorar a imagem do pai, enquanto mantém o pseudônimo Sebastián Marroquín — que adotou ao chegar a Buenos Aires, onde vive desde a fuga sem volta da Colômbia.

Após anos de silêncio, ele decidiu escrever o livro que considera “definitivo” para compreender o narcotraficante mais icônico da América Latina: “Pablo Escobar, meu pai”, que está sendo lançado hoje pela Editora Planeta.

Juan Pablo faz questão de dizer que Escobar era carinhoso, dedicado à família e um conselheiro inteligente e sábio. Na biografia, faz menção à conivência das autoridades colombianas no auge do terror do narcotráfico. Conta ainda extravagâncias do pai, como seu zoológico particular, e as suas ligações com figuras e personalidades -- entra elas o cantor norte-americano Frank Sinatra, que Juan Pablo afirma ter sido o contato de Escobar nos Estados Unidos.

Livro “Pablo Escobar, meu pai” traz revelações de ligações do traficante colombiano com personalidades e figuras políticas

Por fim, garante que Escobar se matou em um telhado de Medellín durante uma perseguição após ser entregue pela própria família, e que não foi morto pelas autoridades.

Em entrevista ao GLOBO, Juan Pablo diz temer a glamourização da imagem do pai, que enxerga como estímulo para jovens entrarem no crime. Ele acusa a Colômbia de manter silêncio sobre abusos de Estado cometidos nas décadas de 80 e 90, além de tachar de “fracasso retumbante” a guerra às drogas.

Com o livro, faz turnê pelo Brasil que começa amanhã, às 19h, no Instituto Cervantes, onde debate o livro e o legado do pai com o jornalista Guilherme Fiuza. Ele passa ainda por São Paulo e Ribeirão Preto.

No livro, o senhor cita várias vezes o quanto o legado de seu pai deixou um peso. O senhor ainda é afetado por ele, como na questão da segurança?

A segurança foi um problema nos anos que se seguiram à morte de meu pai. Mas já não olho para trás, e aprendi a conviver com o medo, a não me sentir paralisado por ele. Recebi sugestões amáveis (risos) para não voltar à Colômbia por conta do livro. As verdades que revelo são muito incômodas para alguns poderosos.

Entendo que desejem que se fale de Escobar como o único responsável por tudo o que aconteceu, ainda que ele não pudesse ter ido tão longe se não houvesse a corrupção de muitos. Vejo meu livro como a verdadeira e única história séria sobre Pablo Escobar, o bandido, e Pablo, o pai.

Tive acesso privilegiado a informações de meu pai e de alguns de seus sócios e bandidos. Ninguém na Colômbia parece estar disposto a abrir as feridas, porque iriam contra o aparato estatal que o acolheu primeiro e depois o combateu. Nada vai acontecer se elas forem abertas. Tampouco desejo que aconteça algo. Eu me conformo sabendo que a verdade já está publicada.

O senhor diz que a Colômbia tentou sabotar sua família. Isto ainda ocorre?

Alguns continuam presos ao poder e aos antigos ódios. Não é fácil que me reconheçam como um indivíduo separado. Estou acostumado a sentir que muitos querem que eu pague pelos delitos dele. A Colômbia está atrasada no processo de perdão e reconciliação. Meu pai sai todos os dias nos jornais até hoje, apesar de estar morto há mais de duas décadas. Seu passado continua sendo muito útil para manipular e encobrir histórias e vidas de muitas pessoas.

O quanto o senhor acredita que é verdade do que é exposto sobre seu pai nos meios de comunicação?

Tristemente, devo dizer que naquelas épocas era clara a conivência dos veículos e da opinião pública com as violações aos direitos humanos cometidos pelo Estado. Sabiam de torturas, desaparecimentos forçados. O que me parece fazer deles parcialmente corresponsáveis pela violência estatal dos anos 1980 e 1990.

A história de Pablo Escobar também é repercutida de forma dramatizada. O que pensa dessa romantização?

Surpreende-me até hoje que a memória de meu pai nunca vá morrer, e que sobreviverá a nós todos. O problema que vejo na glamourização da imagem dele é que faz os jovens acreditarem que ser traficante é bom. Isso é perigosíssimo para a nossa sociedade. “Filho, valente é aquele não prova a droga”, ele me dizia.

O senhor cita Frank Sinatra como distribuidor de drogas. Manteve contato com figuras de alto perfil?

Poucos eram os que tinham vontade de associar a imagem à de meu pai. O contato que tive com poderosos, como políticos, só veio com o nosso processo de reparação após a morte de meu pai.

O projeto das camisas com a imagem de seu pai continua, apesar de o senhor dizer querer se distanciar da imagem dele?

O projeto da linha de roupa com mensagens de autocrítica sobre meu pai, aliado a mensagens de paz, continua em vigor. As ações de paz nas quais invisto se juntam a doações para setores expostos à violência na Colômbia. Também dou conferências em escolas, universidades, empresas privadas e setores estatais fora da Colômbia, para deixar uma mensagem clara e inequívoca de que histórias como a dele não devem se repetir.

Além de tomar várias medidas para se desvincular, no documentário “Pecados do meu pai” o senhor se reconcilia com as vítimas.

Não me cansarei de pedir desculpas às vítimas do meu pai. Não posso mudar o passado, só o presente e o futuro. Hoje a visão que se tem da família Escobar mudou. Começamos a ser vistos de forma separada e podemos contribuir para a paz.

Algo teria sido diferente sem o assassinato de figuras como Luis Carlos Galán (morto em campanha presidencial, em 1990) e o ex-ministro de Justiça Rodrigo Lara Bonilla, atribuídos a Escobar?

Não gosto de pensar no que poderia ter acontecido e não aconteceu. Sinto que as máfias do narcotráfico teriam matado Galán, já que ele era seu mais ferrenho opositor. E meu pai, se estivesse vivo? Estaríamos todos mortos, porque fomos reféns de um Estado que condicionava nossa liberação à vida dele.

Sente alguma diferença no narcotráfico atual?

Nada mudou no mundo das drogas. Se houve algo, foi apenas o aumento da violência e o crescimento exponencial do negócio, aumentando a corrupção e a venda de armas para que nós, latino-americanos, continuemos nos matando, apenas para distribuir a droga que as potências consumidoras pedem para suas festas.

Quer dizer que a guerra às drogas é um fracasso?

Não consigo recordar um fracasso mais retumbante. Precisa ser trocado o foco militar pelo da saúde pública. É hora de falarmos de paz, de educação e prevenção. O problema é que muitas potências estão felizes com a ideia de continuar proibindo, porque é o mais rentável para elas, e mais aterrador para os latinos.

E o que pensa das negociações de paz com as Farc?

Temos que acompanhar todos os esforços de paz . Construir a paz num país que não a conhece nem desfruta dela há 50 anos não é simples. Espero que a guerrilha entenda que esta é, quiçá, a última oportunidade para que possamos construir um futuro tranquilo. Como família, fizemos a paz com todos os cartéis de droga, mesmo em condições totais de desigualdade. Eu vi como a violência esgota o mais sanguinário dos guerreiros. A paz é a única saída e devemos levá-la a sério.

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]