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Erupção de gêiser mostra "fuga" geológica de gás carbônico | Jason Heath/Divulgação
Erupção de gêiser mostra "fuga" geológica de gás carbônico| Foto: Jason Heath/Divulgação

Parecia um plano simples e eficaz contra o aquecimento global. Em fábricas, usinas e outros locais onde há muita produção de gás carbônico, principal causador do problema, seria ótimo capturar a substância na fonte e bombeá-la para o subsolo, onde ficaria presa debaixo das rochas. Uma equipe internacional de pesquisadores, porém, está revelando a complexidade oculta nessa equação. Na verdade, pelo menos 80% do gás tende a se dissolver na água subterrânea. Em tese, portanto, poderia voltar à superfície, o que atrapalharia os esforços de captura debaixo da terra.

Os dados estão na edição desta semana da revista científica britânica "Nature", uma das maiores do mundo. A equipe liderada por Stuart Gilfillan, da Universidade de Manchester e do Centro Escocês de Estocagem de Carbono, estudou regiões do planeta nas quais o gás carbônico (ou dióxido de carbono, como também é conhecido) fica naturalmente guardado sob camadas de rocha.

O motivo disso é simples: como as iniciativas de estocagem de carbono para combater o aquecimento global são poucas e muito recentes, ninguém ainda teve tempo de medir o que acontece com o gás conforme os anos passam. A dúvida envolve justamente o destino da substância. O ideal é que ela se combine com os minerais, formando rochas conhecidas como carbonatos. Dessa maneira, a chance de um retorno do gás-estufa à atmosfera seria quase inexistente.

"Nós já realizamos testes do processo em escala de laboratório e sempre buscamos o sequestro na fase sólida, porque realmente seria o ideal", explica a engenheira química Regina de Fátima Muniz Moreira, da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), que comentou o estudo a pedido do portal G1. "Na forma mineralizada, insolúvel, o potencial de sequestro de gás carbônico seria muito maior", diz ela.

Os depósitos naturais de dióxido de carbono permitem estimar o que acontece com o gás em grandes escalas de tempo, durante milhares ou até milhões de anos. Dois processos geoquímicos são a chave para entender isso. O primeiro é a proporção de hélio, um dos gases nobres (assim chamados por causa de sua resistência a se misturar com outras substâncias). Nas camadas geológicas em questão, é comum que o hélio e o gás carbônico derivem da atividade do magma, a camada derretida abaixo da crosta terrestre. E a proporção "normal" dos gases é conhecida. Se houver proporcionalmente mais hélio do que dióxido de carbono do que esse valor normal, é indício de que o gás carbônico está sendo sugado para algum lugar.

E que lugar seria esse? Entra em cena a segunda técnica, que envolve dois tipos diferentes do elemento carbono, o carbono-12 (considerado "normal") e o carbono-13, mais "pesado". Quando o gás carbônico vai para as rochas e forma o famigerado carbonato, há uma preferência, na reação química, pelo carbono-13, que some do depósito gasoso mais rápido. Quanto o dióxido de carbono se dissolve na água, essa tendência é menos acentuada. Fazendo as contas, os pesquisadores perceberam que no máximo 18% do gás acaba ajudando a formar carbonatos - o resto vai mesmo parar n'água. O resultado é uma espécie de "água com gás". Fica a pergunta: será que essa água pode borbulhar e perder o gás de novo para o ar aqui em cima?

Perigo?

Para os autores do estudo, há razão para ficar cautelosamente otimista com o resultado. Segundo Stuart Gilfillan, o fato de os depósitos naturais serem antigos mostra que é difícil que o gás consiga escapar para a superfície com facilidade. "Nosso estudo mostra claramente que o dióxido de carbono está armazenado de forma natural e segura na água subterrânea", disse ele em comunicado oficial.

Regina Moreira, da UFSC, concorda. "Esse trabalho é bem interessante por mostrar quanto tempo o gás carbônico pode ficar nos depósitos. Risco de vazamaneto sempre há, por aumento de temperatura ou outros processos, embora o risco realmente seja menor no caso dos depósitos mineralizados", diz ela. A pesquisadora chama a atenção para outro detalhe importante: diante dos dados atuais, o sequestro de carbono fica limitado por quanto gás a água subterrânea consegue absorver. "Isso mostra que não adianta bombear gás carbônico além de determinada quantidade, porque ele não será absorvido", avalia ela.

Werner Aeschbach-Hertig, pesquisador da Universidade de Heidelberg (Alemanha) que comentou o estudo para a "Nature", diz que a pesquisa não prova que o sequestro de carbono no subsolo é inseguro, mas indica que é preciso entender o processo em mais detalhe para saber se vale mesmo a pena enfiar o gás nas profundezas.

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