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Após conversa com Rice, Saakashvili confirmou o pacto de trégua com a Rússia, negociado diretamente pela França | David Mdzinarishvili / Reuters
Após conversa com Rice, Saakashvili confirmou o pacto de trégua com a Rússia, negociado diretamente pela França| Foto: David Mdzinarishvili / Reuters

Os EUA exigiram nesta sexta-feira (15), depois de a Geórgia ter assinado um acordo de cessar-fogo, que os soldados russos coloquem fim imediatamente à ocupação de territórios georgianos.

Em Tbilisi, ao lado do presidente da Geórgia, Mikheil Saakashvili, a secretária de Estado norte-americana, Condoleezza Rice, lembrou a invasão soviética da Tchecoslováquia, 40 anos atrás, para impedir a realização de reformas liberalizantes: "As forças russas precisam deixar a Geórgia de uma vez por todas. Não estamos mais em 1968".

Saakashvili disse, após conversar durante cinco horas com Rice, que havia assinado o pacto de trégua negociado pela França em nome da União Européia (UE).

Enquanto os dois se reuniam, um correspondente da Reuters viu uma coluna de 17 veículos blindados de transporte russos locomovendo-se em uma estrada a uma distância de 55 quilômetros da capital georgiana, o ponto mais distante da fronteira que essas forças atingiram até agora. Não se sabe com exatidão ainda qual o motivo da incursão.

Saakashvili, em um pronunciamento acalorado, descreveu os russos como "bárbaros do século 21" e culpou o Ocidente por detonar a crise ao não reagir de maneira firme às manobras militares realizadas anteriormente pela Rússia e ao não permitir, com a rapidez necessária, o ingresso da Geórgia na Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan).

"Quem convidou os problemas para entrarem aqui?", perguntou, ao lado de várias bandeiras da Geórgia e dos EUA. "Não apenas as pessoas que fizeram isso, mas as que permitiram que isso ocorresse".

A antiga crise em torno da região georgiana separatista da Ossétia do Sul explodiu na quinta-feira passada quando a Geórgia enviou soldados para lá a fim de tentar retomar o controle sobre esse território, pró-Rússia. O governo russo reagiu lançando uma imensa contra-ofensiva.

Os russos mobilizaram navios, aviões, tanques e soldados contra os georgianos, realizando a maior operação fora de suas fronteiras desde a queda, em 1991, da União Soviética. As forças da Rússia continuam a ocupar parte da Geórgia, apesar de não ocorrerem mais combates.

Nesta sexta-feira, multiplicavam-se os sinais do crescente isolamento russo. Seu maior parceiro comercial, a Alemanha, considerou que a Rússia exagerou ao ingressar demais na Geórgia, e a vizinha Polônia selou um pacto com os EUA a fim de que sejam instalados ali seções de um escudo antimíssil.

O presidente russo, Dmitry Medvedev, continuou adotando uma postura de desafio após encontrar-se com a chanceler alemã, Angela Merkel, na cidade de Sochi, localizada à beira do mar Morto e a algumas centenas de quilômetros da zona de conflito.

Segundo Medvedev, a Rússia responderá da mesma forma como fez na Geórgia caso suas forças de paz sejam atacadas novamente. E o presidente manifestou dúvidas sobre a possibilidade de as regiões rebeldes que se encontram no centro do atual embate regressarem algum dia ao domínio georgiano.

Medvedev ainda criticou o acordo americano-polonês, considerando-o uma ameaça à Rússia. "A instalação de forças antimíssil tem como alvo a Federação Russa", afirmou, na entrevista coletiva realizada ao lado de Merkel.

"Portanto, quaisquer contos de fada sobre dissuadir a ação de Estados inamistosos com a ajuda desse sistema antimíssil não funcionam mais."

Já o presidente norte-americano, George W. Bush, disse que a decisão da Rússia de enviar soldados para a Geórgia havia manchado a credibilidade do país no cenário internacional.

"Medidas violentas e intimidadoras não são formas aceitáveis de fazer política internacional no século 21", afirmou em Washington, antes de partir para um período de descanso no Texas.

Merkel também conclamou o governo russo a retirar seus soldados da região central da Geórgia e a implantar o acordo de paz elaborado com a ajuda da França.

"Desejamos realmente que o plano de seis pontos seja implementado o quanto antes, de forma que os soldados russos não fiquem mais na Geórgia, fora da Abkházia e da Ossétia do Sul", afirmou a chanceler, naquela mesma entrevista coletiva.

As pressões vindas de Berlim possuem uma carga especial porque a Rússia costuma ver a Alemanha como um parceiro ocidental mais simpático do que seus antigos inimigos da Guerra Fria, entre os quais a Grã-Bretanha e os EUA.

O conflito provocou uma onda de nervosismo nos mercados de petróleo porque um importante oleoduto atravessa o território georgiano. E também deixou apreensivo o Ocidente, para quem o conflito poderia ampliar-se facilmente naquela volátil região.

Silêncio dos aliados

Mesmo os países antes pertencentes à União Soviética, aliados tradicionais da Rússia, mantiveram-se em sua maioria silentes a respeito da questão. Muitos deles mostram-se incomodados com o fato de os russos haverem ingressado militarmente em uma das ex-Repúblicas Soviéticas.

A Rússia diz que suas ações justificam-se plenamente em vista da "agressão" da Geórgia e do "genocídio" perpetrado com o ataque da semana passada contra a Ossétia do Sul. Muitos dos moradores dessa região portam passaportes russos.

O país argumenta que seus soldados precisam continuar na Geórgia a fim de garantir a estabilidade da região e evitar novos conflitos. As forças de infantaria da Rússia estão estacionadas, em sua maioria, na área da cidade de Gori, 70 quilômetros a oeste da capital georgiana.

Nesta sexta-feira, os dois lados trocaram acusações sobre abusos cometidos na zona de guerra. A Geórgia atribuiu a um grupo de defesa dos direitos humanos a informação de que a Rússia havia usado bombas de fragmentação contra civis - algo negado pelos russos. Já a Rússia acusou os soldados georgianos de plantar minas em áreas civis ao baterem em retirada.

Em Moscou, o Estado-Maior russo afirmou em uma de suas notas diárias que nenhum tiro havia sido disparado na região nas últimas 24 horas.

A Organização das Nações Unidas (ONU) mostrou-se preocupada com a falta de controle nas áreas atingidas pelo conflito. Testemunhas presentes ali contaram ter visto milicianos da Ossétia atacando vilarejos e roubando carros.

Refugiados falaram sobre a existência de uma terra sem lei que se estende de Gori a Tskhinvali, a capital destruída da Ossétia do Sul tomada pelas forças russas depois de intensos combates.

"Muitas pessoas foram queimadas vivas dentro de suas casas", disse uma georgiana idosa em Gori, enquanto empurrava um carrinho cheio de sacos.

Soldados russos estacionados nas proximidades daquela cidade - alguns descansando ao Sol do meio-dia, outros dirigindo tanques e veículos blindados - pareciam entediados na sexta-feira e negavam os relatos sobre saques.

"Somos do Exército regular", disse Vita, um soldado, antes de enxugar o suor da testa com a manga de seu uniforme camuflado. "Não há violência ou saques. Tudo está calmo".

A Rússia diz que 1.600 civis morreram quando a Geórgia atacou a Ossétia do Sul, apesar de esse dado não ter sido confirmado por fontes independentes.

O Estado-Maior russo afirmou haver perdido 74 soldados no confronto, que deixou também outros 171 feridos e 19 desaparecidos. Ao menos quatro aviões de guerra foram derrubados.

A Geórgia disse ter sofrido 175 baixas e que centenas de seus soldados ficaram feridos. Esses dados não incluem a Ossétia do Sul.

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