
Faz anos que os moradores de Hong Kong reclamam a respeito do número crescente de visitantes que chegam à sua cidade vindos da China continental. Os habitantes de Hong Kong reclamam que os chineses do continente cospem no chão, jogam lixo nas ruas, atravessam fora da faixa, furam filas; eles falam alto demais, comem no metrô e zombam dos padrões de comportamento mais refinados da cidade.
Contudo, essas são ninharias quando comparadas ao alvoroço em torno da mais recente invasão dos chineses vindos do continente: mulheres grávidas que afluem para cá com o objetivo de dar à luz.
A atração por Hong Kong, antiga colônia britânica que agora é uma região semiautônoma da China, é compreensível. O sistema de saúde daqui é muito superior ao encontrado na maior parte da China. Crianças chinesas nascidas aqui recebem automaticamente o direito de residência permanente em Hong Kong, o que lhes garante 12 anos de educação gratuita e outros benefícios dos quais os chineses do continente não desfrutam, incluindo viagens sem visto para muitos países estrangeiros. Alguns pais também contornam as regras de planejamento familiar da China, que limitam a maioria dos casais a uma criança, tendo seu segundo filho no exterior.
Os moradores de Hong Kong, no entanto, estão indignados com o fato de que as mulheres da cidade não conseguem vagas nas maternidades porque as grávidas vindas do continente já se apoderaram de todos os leitos. Apesar das cotas oficiais de assistência à maternidade para quem vem de fora, quase quatro em cada dez partos realizados em Hong Kong no ano passado eram de crianças cujos pais vinham da China continental. Os moradores exigem repressão e uma revisão da lei de direito de residência.
A controvérsia resume a relação complicada entre Hong Kong e o resto da China 15 anos após o fim do domínio colonial britânico, em 1997.
Benefícios
Por um lado, Hong Kong tem atraído visitantes da China continental por razões econômicas e a cidade tem se beneficiado enormemente disso. Cerca de 28 milhões de pessoas vieram do continente para cá no ano passado, um aumento de dois terços em comparação com 2008. E muitas delas vêm para fazer compras. As vendas de eletrônicos, joias e outros artigos de luxo foram às alturas em Hong Kong. Há poucos anos, o governo também viu as futuras mamães como fonte de renda e insistiu que os hospitais as acomodassem.
Mas os sete milhões de habitantes de Hong Kong têm cada vez mais medo de que pessoas do continente estejam competindo com eles pelos serviços, pelas propriedades e, em certa medida, por sua identidade cultural. Muitos suspeitam que os chineses mais ricos vejam Hong Kong como uma opção de fuga, se não para si mesmos, ao menos para os seus filhos, caso percam a confiança no futuro da China.
Compradores vindos de outras regiões da China foram responsáveis por quase um quinto das vendas de apartamentos em Hong Kong no ano passado e são uma das razões para o aumento dos preços. Triplicou o número de estudantes que deixaram as escolas de Shenzhen, uma grande zona urbana ao norte da fronteira, e passaram a estudar em Hong Kong nos últimos cinco anos.
"A questão é a capacidade social para se receber tantos visitantes", disse Ivan Choy, instrutor sênior de administração pública na Universidade Chinesa de Hong Kong. "O problema dos leitos nas maternidades já extrapolou os limites."
Alguns estudiosos afirmam que o atrito não passa de uma briga de família entre compatriotas que, na verdade, estão se aproximando. Os habitantes de Hong Kong "estão se tornando cada vez mais chineses", afirmou Michael DeGolyer, diretor do Projeto de Transição de Hong Kong, um grupo de pesquisa que acompanha tendências políticas.
Plural
Poucas pessoas em Hong Kong são fiéis ao Partido Comunista da China, afirmou DeGolyer. A grande maioria deseja preservar o caráter pluralista e internacional de Hong Kong. Ainda assim, segundo ele, a maior parte das pessoas apoia a exigência de que as crianças cantem o hino e hasteiem a bandeira da China diariamente nas escolas.
"Por meio de diversos indicadores, podemos ver que as relações com a China se tornaram mais próximas", afirma DeGolyer.
Mas outros sentem que as diferenças se aprofundaram. Desde 2007, um número maior de pessoas em Hong Kong se identifica primariamente como cidadãos de Hong Kong e não como cidadãos chineses, de acordo com pesquisas realizadas pelo Programa de Opinião Pública da Universidade de Hong Kong, exceto em 2008, quando a China foi sede dos jogos olímpicos.



