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Vista de Hong Kong, que oferece estudo gratuito para as crianças nascidas no território semiautônomo da China, uma das vantagens perseguidas pelas mães chinesas | Bobby Yip/Reuters
Vista de Hong Kong, que oferece estudo gratuito para as crianças nascidas no território semiautônomo da China, uma das vantagens perseguidas pelas mães chinesas| Foto: Bobby Yip/Reuters

Conflito

Batalha por vagas em hospitais alimenta ressentimentos

Os hospitais são um grande campo de batalha, em parte porque os de Hong Kong são muito melhores. A mortalidade materna é 15 vezes maior no continente do que em Hong Kong. A mortalidade infantil é 13 vezes maior.

"Se eu puder arcar com os custos médicos para que o parto seja feito em Hong Kong, por que não?", perguntou um projetista de edifícios de 38 anos de idade de Shenzhen, que informou apenas seu sobrenome, Yue.

Ele afirma ter pago cerca de 80.000 dólares de Hong Kong (mais de 10.000 dólares americanos) para que seu primeiro filho, um menino, nascesse na cidade.

O ressentimento dos habitantes de Hong Kong não o intimidou. "Se os turistas do continente não viessem para cá", afirmou calmamente, "a economia entraria em colapso".

Segundo ele, o visto de residência em Hong Kong para seu filho não foi um fator decisivo, pois ele acredita que aos poucos a cidade será integrada ao restante do país. "Talvez daqui a 20 anos isso não signifique mais nada", comentou.

O principal desejo de outro futuro papai parecia ser um visto de residência para o seu bebê. Ele e a esposa grávida saíram recentemente de Wuxi e fizeram uma viagem de quase 1,6 mil quilômetros para conhecer o Precious Blood.

"Um dos meus amigos vai à Inglaterra para que sua esposa dê à luz", comentou. "Se você der à luz no avião e o avião estiver no espaço aéreo britânico, você tem cidadania britânica."

Maggie Wong, 31 anos, uma auxiliar de escritório que sempre viveu em Hong Kong e que teve gêmeos há alguns meses, contou que se sentiu preterida em função dos casais do continente.

Aos três meses e meio de gravidez, afirmou Wong, ela tentou agendar o parto no hospital público próximo a sua casa, "mas eles disseram que havia tantas mães do continente que os leitos estavam todos ocupados".

Então ela foi para um hospital particular, embora isso significasse gastar todas as economias de seu marido e ainda ter que pedir dinheiro emprestado para seus pais.

"Eu sou cidadã de Hong Kong. Eu pago impostos de Hong Kong", afirmou. "Eu ficava pensando: ‘O que é isso? Como isso pode ter acontecido?’ É claro que isso gera sentimentos ruins."

Este ano, Hong Kong reduziu novamente as cotas para a realização de partos de mulheres da China continental e reforçou a fiscalização na fronteira para impedir corridas de última hora ao hospital. Das 35.736 mulheres do continente que deram à luz em Hong Kong no ano passado, 1.656 simplesmente apareceram na sala de emergência.

As tensões podem crescer. Este é o ano do dragão, considerado o signo mais afortunado do zodíaco chinês. Se a tradição se mantiver, a taxa de natalidade irá aumentar consideravelmente. Os hospitais particulares de Hong Kong não têm vagas até outubro.

Faz anos que os moradores de Hong Kong reclamam a respeito do número crescente de visitantes que chegam à sua cidade vindos da China continental. Os ha­­bitantes de Hong Kong reclamam que os chineses do continente cos­­pem no chão, jogam lixo nas ruas, atravessam fora da faixa, furam filas; eles falam alto de­­mais, co­­mem no metrô e zombam dos pa­­drões de comportamento mais refinados da cidade.

Contudo, essas são ninharias quando comparadas ao alvoroço em torno da mais recente invasão dos chineses vindos do continente: mulheres grávidas que afluem para cá com o objetivo de dar à luz.

A atração por Hong Kong, antiga colônia britânica que agora é uma região semiautônoma da Chi­­na, é compreensível. O sistema de saúde daqui é muito superior ao encontrado na maior parte da China. Crianças chinesas nascidas aqui recebem automaticamente o direito de residência permanente em Hong Kong, o que lhes garante 12 anos de educação gratuita e outros benefícios dos quais os chineses do continen­­te não desfrutam, incluindo viagens sem visto para muitos países estrangeiros. Alguns pais também contornam as regras de planejamento familiar da China, que li­­mitam a maioria dos casais a uma criança, tendo seu segundo filho no exterior.

Os moradores de Hong Kong, no entanto, estão indignados com o fato de que as mulheres da cidade não conseguem vagas nas ma­­ternidades porque as grávidas vin­­das do continente já se apoderaram de todos os leitos. Apesar das cotas oficiais de assistência à ma­­ternidade para quem vem de fo­­ra, quase quatro em cada dez partos realizados em Hong Kong no ano passado eram de crianças cujos pais vinham da China continental. Os moradores exigem repressão e uma revisão da lei de direito de residência.

A controvérsia resume a relação complicada entre Hong Kong e o resto da China 15 anos após o fim do domínio colonial britânico, em 1997.

Benefícios

Por um lado, Hong Kong tem atraído visitantes da China continental por razões econômicas e a cidade tem se beneficiado enormemente disso. Cerca de 28 mi­­lhões de pessoas vieram do continente para cá no ano passado, um aumento de dois terços em comparação com 2008. E muitas delas vêm para fazer compras. As vendas de eletrônicos, joias e outros artigos de luxo foram às alturas em Hong Kong. Há poucos anos, o governo também viu as futuras mamães como fonte de renda e insistiu que os hospitais as acomodassem.

Mas os sete milhões de habitantes de Hong Kong têm cada vez mais medo de que pessoas do continente estejam competindo com eles pelos serviços, pelas propriedades e, em certa medida, por sua identidade cultural. Muitos suspeitam que os chineses mais ricos vejam Hong Kong como uma opção de fuga, se não para si mesmos, ao menos para os seus filhos, caso percam a confiança no futuro da China.

Compradores vindos de outras regiões da China foram responsáveis por quase um quinto das vendas de apartamentos em Hong Kong no ano passado e são uma das razões para o aumento dos preços. Triplicou o número de estudantes que deixaram as escolas de Shenzhen, uma grande zona urbana ao norte da fronteira, e passaram a estudar em Hong Kong nos últimos cinco anos.

"A questão é a capacidade so­­cial para se receber tantos visitantes", disse Ivan Choy, instrutor sê­­nior de administração pública na Universidade Chinesa de Hong Kong. "O problema dos leitos nas maternidades já extrapolou os limites."

Alguns estudiosos afirmam que o atrito não passa de uma briga de família entre compatriotas que, na verdade, estão se aproximando. Os habitantes de Hong Kong "estão se tornando cada vez mais ‘chineses’", afirmou Mi­­chael DeGolyer, diretor do Projeto de Transição de Hong Kong, um grupo de pesquisa que acompanha tendências políticas.

Plural

Poucas pessoas em Hong Kong são fiéis ao Partido Comunista da China, afirmou DeGolyer. A grande maioria deseja preservar o caráter pluralista e internacional de Hong Kong. Ainda assim, se­­gundo ele, a maior parte das pessoas apoia a exigência de que as crianças cantem o hino e haste­­iem a bandeira da China diariamente nas escolas.

"Por meio de diversos indicadores, podemos ver que as relações com a China se tornaram mais próximas", afirma DeGolyer.

Mas outros sentem que as diferenças se aprofundaram. Desde 2007, um número maior de pessoas em Hong Kong se identifica primariamente como cidadãos de Hong Kong e não como cidadãos chineses, de acordo com pesquisas realizadas pelo Programa de Opinião Pública da Univer­­si­­dade de Hong Kong, exceto em 2008, quando a China foi sede dos jogos olímpicos.

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