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Olivier Veran, Ministro da Saúde da França, foi um dos defensores da nova lei de bioética. Imagem ilustrativa.
Olivier Veran, Ministro da Saúde da França, foi um dos defensores da nova lei de bioética. Imagem ilustrativa.| Foto: BERTRAND GUAY/Agência EFE/Gazeta do Povo

A Assembleia Nacional francesa aprovou no final de junho (29) uma nova Lei de Bioética que permite a gravidez assistia a casal lésbicos e mulheres solteiras, além de estender as possibilidades de pesquisa com células-tronco embrionárias, inclusive com a criação de “quimeras”.

O texto foi aprovado em segunda votação na Câmara de Deputados (326 votos a favor, 115 contra), após quatro anos de tramitação no legislativo desde que o governo Macron lançou o texto-base em 24 de julho de 2017.

O ministro da Saúde, Olivier Véran, afirmou, na última sessão de votação, que com o novo texto “as primeiras crianças podem ser concebidas antes do fim de 2021”, e considerou que ele “corresponde às expectativas da sociedade francesa”. Contudo, alguns setores da França não ficaram tão contentes e questionam as implicações éticas de alguns dispositivos da lei.

A começar pelo Senado que viu muitos de suas modificações ignoradas pelo texto no Congresso. Os senadores chegaram a apresentar uma moção para tentar impedir a deliberação do projeto, mas não tiveram êxito.

O texto da moção redigido pela Comissão Especial sobre Bioética mostra claramente seu descontentamento: “Em nova leitura, a Assembleia Nacional não adotou nenhum artigo em consonância com a redação adotada pelo Senado em segunda leitura.”

E que alterações foram aprovadas pela nova lei?

A começar pela possibilidade de gravidez assistida a todas as mulheres (inclusive casais lésbicos e mulheres solteiras) – antes do novo texto somente os casais heterossexuais (desde que tivessem ao menos união estável) com problemas de fertilidade atestado por um médico ou que um dos membros tivesse doença grave e que pudesse ser transmitida ao filho. Agora qualquer mulher com até 43 anos de idade pode se submeter a gravidez assistida com os mesmos direitos.

A Previdência Social cobrirá quatro tentativas de fecundação in vitro e seis inseminações artificiais, que serão efetuadas após um período de reflexão de um a dois meses acompanhado de uma equipe médica especializada.

Se ambos os membros do casal tiverem problemas de esterilidade, ou houver risco de doença genética para a criança, ou no caso de um casal de lésbicas estéril ou uma mulher solteira, a transferência de embriões pode ser aplicada após a decisão de um juiz. Na prática, é uma autorização para a barriga de aluguel.

Além disso, outra grande mudança na lei diz respeito ao fim do anonimato para doadores de esperma e óvulos. O texto confere a qualquer pessoa concebida por gravidez assistida com um terceiro doador o direito de ter acesso à identidade desse doador quando atingir a maioridade, mas em nenhum caso pode ser reconhecida uma relação de filiação com o doador. Legalmente, a criança ficará órfã de pai para sempre.

Em relação ao casal lésbico, a mulher que deu à luz, sua filiação será comprovada na certidão de nascimento; para a companheira, a relação familiar será formalizada com reconhecimento conjunto em cartório.

Expansão de pesquisas embrionárias

Não obstante essas alterações, as possibilidades de pesquisa com embriões humanos também foram expandidas. Agora as pesquisas com células-tronco embrionárias podem ser realizadas até 14 dias, contra 7 da lei anterior. Agora também basta notificar a Agência de Biomedicina sobre os protocolos de pesquisa realizados com células-tronco embrionárias, não mais uma requer autorização, como era antes.

Entretanto, o que mais chama atenção no projeto é a possibilidade de manipulação de células humanas em células animas.

“A modificação de um embrião humano pela adição de células de outra espécias é proibida”, diz o texto da lei, entretanto será possível, "no âmbito de protocolos de investigação conduzidos com células-tronco pluripotentes induzidas por humanos", inserir essas células em um embrião animal para efeito de sua transferência para a fêmea.

Em outras palavras, o projeto de lei não autoriza a introdução de células animais no embrião humano (portanto, nenhuma quimera humano-animal), mas o inverso, "quimera animal-humano" será possível.

Esse tipo de pesquisa, porém, não tem o intuito de criar monstros de ficção científica segundo o biólogo, mestre em genética pela Universidade de Cambridge, Eli Vieira: “Não é que os geneticistas estão querendo ser o Dr. Moreau do H. G. Wells. Existem aplicações para os pontos propostos na nova lei de bioética francesa”, explica ele.

“As quimeras podem ser genômicas (pela edição do genoma) e também celulares, pela inserção de células humanas em embriões de animais. Uma aplicação para as quimeras celulares é o potencial de gerar órgãos humanos em animais”, continua Vieira.

O biólogo afirma que “o uso de técnicas para alterar o genoma humano é uma esperança principalmente para doenças genéticas de herança mendeliana como, coreia de Huntington”, mas faz ressalvas de que as pesquisas podem ser conduzidas de forma errada: “existe o risco de más aplicações”, conclui ele.

Além de más aplicações, a nova lei foi criticada sobre as questões éticas envolvendo a dignidade da pessoa humana pelo Presidente da Conferência Episcopal Francesa, Mons. Éric de Moulins-Beaufort: "Foi apagado o fundamento da ‘bioética à francesa’ de que tanto se orgulha o nosso país: a dignidade própria de cada ser humano – grande e pequeno – não é mais o ponto focal." O bispo encerra sua carta apelando “agora mais do que nunca” para a responsabilidade individual de cada pessoa envolvida com o tema.

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