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Scott R.,de 20 anos: largou trabalho e faculdade, e se mandou para Nova York | Simone Delgado
Scott R.,de 20 anos: largou trabalho e faculdade, e se mandou para Nova York| Foto: Simone Delgado
  • Derek Brown veio de Chicago há duas semanas e não tem data para sair
  • Manifestantes carregam cartazes improvisados com pedaços de Cartolina
  • Melanie Butler é ativista da organização antibelicista CodePink, criada por mulheres

Se não fosse pelo acampamento com dezenas de barracas azuis, o movimento Occupy Wall Street poderia ser confundido facilmente com uma feira de rua em clima de festa permanente, apesar de ser um grande protesto contra o fracasso do sistema capitalista. Cada vez que chego ao pequeno Zuccotti Park, no centro financeiro de Manhattan, em Nova York, fico impressionada com o crescimento do número de ocupantes, o aumento das atividades desenvolvidas pelos manifestantes e, por incrível que pareça, do grau de organização do movimento.

Quem diria que o protesto, iniciado em 17 de setembro por um pequeno grupo de mulheres preocupadas com o futuros dos filhos, fosse crescer tanto e se espalhar pelo resto do país, passando a ser reconhecido como um movimento de resistência legítimo. A diferença é que essa manifestação, em vez de se transformar em marcha, de se colocar em movimento, resolveu "estacionar", ou melhor, ocupar o lugar considerado o símbolo do poder americano e um dos pontos turísticos mais visitados da cidade – a poderosa Wall Street, coração financeiro do país, e do mundo.

Adotaram o mantra "Somos os 99%" que não vão mais tolerar a ganância e a corrupção dos 1/% que detém a riqueza nesse país.

No mês passado, os ocupantes estavam dormindo ao relento. Era o fim do verão, mas ainda com temperaturas altas. O cenário, então, era de colchões para todos os lados, muitos achados no lixo da vizinhança. Agora, com a chegada do frio, todos tiveram de se proteger e montar barracas. O cenário é outro. Tendas para dormir convivem em harmonia em meio a um bando de gente, que vem e vai, segurando cartazes e pôsteres com mensagens políticas do tipo: "Nós acreditamos que corporações são pessoas até que [o estado do]Texas execute uma." ou " Destrua a ganância corporativa", entre muitos outros slogans. Criatividade definitivamente é o que não falta por aqui.

Enquanto exploro esse novo universo democrático quase surreal no meio do centro do poder nova-iorquino, sinto o cheiro de sopa quente no ar. Agora tem cozinha improvisada no meio da praça. A fila é sempre grande. O cheiro da comida é ótimo e de fome ninguém vai morrer, até porque doações de comidas chegam diariamente tanto de visitantes, quanto de restaurantes e fazendas da região. Voluntários se revezam, atendendo a quem chega faminto. São servidas mais de 2 mil refeições por dia.

Comunicação

Existe também um centro de informações para jornalistas, com voluntários produzindo notícias e publicando os horários dos eventos, encontros, marchas, além de reportagens sobre os rumos do movimento. No jornal impresso The Occupied Wall Street Journal, deparei-me com uma lista do que fazer para ajudar, como participar das discussões nas assembleias gerais, dos grupos de trabalhos, promover o movimento usando as redes sociais e fazer doações. Na internet, basta acessar o site https://occupywallst.org/, para qualquer interessado se atualizar e acompanhar o horário dos eventos coletivos de discussão. Quem quiser acompanhar a cobertura ao vivo, feita por jornalistas independentes, pode acessar o http://www.livestream.com/globalrevolution.

Foi na saída de um desses encontros de discussão que econtrei Justin Stone-Diaz, de 38 anos, morador do Brooklyn, mas atual ocupante da praça desde o início dos protestos. Nossa conversa foi numa manhã de chuva e frio. Muitas barracas ficaram molhadas e vi manifestantes encharcados, tremendo de frio na fila do café da manhã.

"Como vai ficar essa situação, quando o frio começar pra valer? Vocês vão continuar aqui?", pergunto eu. "Sim, não temos data para sair. Vamos ficar aqui mesmo com o frio e a chuva, e sabe por quê? Não é justo ser pobre o tempo todo", conclui ele. Justin tem trabalhado ativamente ajudando na divulgação das notícias pelo Facebook, Twitter e YouTube. Ele diz não concorda com a maneira que o movimento tem sido projetado pela mídia. " É muito mais simples do que parece", diz ele. " A mídia tenta colocar rótulos em tudo. Não considero um movimento, nem uma revolução, mas parte de uma iniciativa global de resistência."

Na verdade, no início do protesto, a mídia corporativa norte-americana ignorou completamente o que estava ocorrendo em Wall Street. Era um movimento pequeno, mas a polícia de Nova York deu um empurrão quando resolver reprimir os manifestantes com violência usando spray de pimenta. Os vídeos mostrando a ação dos policiais circularam por toda a internet. Pegou mal! E, como resultado, mais e mais gente se juntou aos protestos. Acompanhei o que tomou conta da Ponte do Brooklyn. Foi vibrante e assustador.

Nos 13 anos em que estou vivendo Nova York, participei praticamente de todos os protestos contra a invasão do Iraque e do Afeganistão, aqui e em Washington. Na época, eu estava filmando e escrevendo minha tese de mestrado sobre vozes femininas contra a ocupação do Iraque. A presença da polícia sempre era grande. Mas dessa vez foi demais. Nunca vi tantos políciais juntos em um mesmo lugar.

Naquela tarde, 700 pessoas foram presas pela polícia e foi aí que a mídia começou a prestar mais atenção ao que estava acontecendo. Os canais de tevê mais conservadores partiram para o ataque imediato, fazendo piadas do movimento e chamando os ocupantes de hippies. A pergunta mais comum dos repórteres ainda é "Mas o que exatamente, eles querem"? Já os meios de comunicação mais progressistas, sempre atentos à cobertura de movimentos sociais, tem sido bem mais fiel na cobertura dos acontecimentos. Para minha surpresa, depois de me despedir de Justin, me deparo com uma pequena biblioteca quase na esquina do parque. O sinal em frente é bem visível: "Ocupe sua mente".

"De onde vem os livros?", pergunto para o voluntário. " Vêm de pessoas exaamente como você", responde ele. E, numa rápida olhada, achei livros do historiador americano Howard Zinn, autores como Dominick Dunne, Tom Wolfe, Ernest Hemingway e Barbara Ehrenreich. Tem lugar pra sentar e ler ali mesmo.

Recessão

Há, também, uma barraca que oferece atendimento médico 24 horas. Uma equipe de 15 a 20 voluntários, entre médicos e enfermeiros, se revezam no trabalho.

Nas minhas idas e vindas de Wall Street no decorrer de um mês e meio, acabei conhecendo muita gente interessante com histórias tristes para contar dessa época de recessão.

Derek Brown, de 42 anos, veio de Chicago há duas semanas, especialmente para se juntar ao movimento e, como muitos outros, não tem data para sair. Sentado em uma cadeira no meio da praça, ele segurava um pedaço cartolina com a mensagem "Justiça Social + Igualdade Econômica". O último emprego que ele teve foi como mensageiro e nem lembra quando foi. "Não importa o que você faça, não há mais como crescer", diz Derek. "Estou cansado desse sistema que privilegia os que têm dinheiro e ignora gente de cor como eu."

Encontrei Scott R. [ele só informou a inicial de seu sobrenome], de 20 anos, que largou tudo no Michigan – trabalho e faculdade, e se mandou para NY com a namorada. "Mas por que largou tudo se tinha emprego e estudo?", pergunto. "Eu vim para cá, porque quero fazer parte de uma revolução", diz ele sorrindo com um entusiasmo contagiante.

Scott rabalhava numa pizzaria e a namorada tinha dois empregos: numa livraria e numa padaria. Mas não estavam conseguindo pagar as contas.

Ativismo

Dificil mesmo é não prestar atenção às figuras que fazem parte desse movimento. Melanie Butler, de 30 anos, também é visitante assídua. Ativista, moradora do Brooklyn, trabalha para a organização CodePink criada por mulheres que defendem uma sociedade sem guerras. Os Estados Unidos já gastaram mais de US$ 4 trilhões com as guerras do Iraque e Afeganistão. Melanie protesta e me conta que chegou a dormir na praça por alguns dias, mas, com o aumento no número de ocupantes, diz que ficou mais dificil achar espaço para qualquer coisa. "Venho aqui com um grupo de mulheres todos os dias para divulgar o nosso trabalho e participar desse momento tão importante que estamos vivendo no mundo. Nova York é apenas parte disso." diz ela.

Em solidariedade à causa dos ocupantes, muitas celebridades e intelectuais americanos têm marcado presença no parque. Gente como Michael Moore, Susan Sarandon, o professor da Universidade de Princeton e agitador Cornell West, o filósofo Slavoj Zizek, entre outros. Dão entrevista para a imprensa, discursam para os presentes e vão embora. Os que ficam conti­nuam interagindo, discutindo, protestando.

Apoio

Toda sexta-feira o historiador e professor de Mídia do Hunter College, Stuart Ewen, de 66 anos, tira o dia para visitar o site da ocupação, não só visitar, mas contribuir também. Ele chegou com uma sacola de pequenas bandeiras americanas com um código de barras em cada uma substituindo as estrelas. "É a bandeira anticorporativa", diz ele. Enquanto andamos e conversamos, ele distribui as bandeirinhas para todos que vê no caminho.

O professor Ewen se sente em casa no meio de manifestações como essa. Como um dos lideres do Civil Rights Movement no estado do Mississipi, onde morava nos anos 1960, ativismo é um dos seus assuntos preferidos. Seria uma volta ao movimentos populistas de esquerda que tomaram conta das ruas nesse país nos anos 30? Ele confirma, mas vai adiante dizendo que não só nos anos 30, mas, no fim do século 19, tambem houve manifestações semelhantes, quando a "classe média descobriu que estava há dois cheques de pagamento da pobreza". Foi o que o originou o início do Movimento Proges­sista nos Estados Unidos, que foi responsavel por reformas sociais importantíssimas", segundo ele.

"Nos anos 30, tivemos o New Deal que foi responsável pela criação do Seguro Social, construção de escolas, hospitais – infraestrutura para a população. Era a época do capitalismo social-democrata", diz ele. No entanto, ele me explica que, durante a era Regan, a economia começou a despencar devido à desregulamentação do sistema financeiro. " E agora chegou a isso que estamos vivendo que se chama capitalismo financeiro", diz ele. "Então, a Wall Street é o lugar perfeito para essa mobilização."

Tentei evitar, mas acabei repetindo as perguntas mais ouvidas na grande mídia: "Mas será que vai durar? Será que é suficiente para causar alguma mudança na prática?"

"O que deixa os meios de comunicação tão frustrados é o fato de que eles estão sempre procurando sound bites para eles mesmos destruírem. Demo­cracia não é simplesmente fazer o que você quer. Exige discussão séria com responsabilidade civica. Por muitos anos, o universo político da discussão foi fechado neste país e agora estamos tendo a oportunidade de participar disso de novo. Esse é o lugar para onde temos que ir e já chegamos. Chama-se democracia", diz Ewen.

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