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O presidente da Rússia, Vladimir Putin, em visita na quarta-feira (28) à fortaleza Naryn-Kala, na cidade de Derbent, na República russa do Daguestão, no sudoeste do país
O presidente da Rússia, Vladimir Putin, em visita na quarta-feira (28) à fortaleza Naryn-Kala, na cidade de Derbent, na República russa do Daguestão, no sudoeste do país| Foto: EFE/EPA/GAVRIIL GRIGOROV/SPUTNIK/KREMLIN

Em março deste ano, parlamentares da Duma (câmara baixa do Parlamento russo, similar à Câmara dos Deputados no Brasil) aprovaram uma lei que visava aplicar penas severas para qualquer pessoa que criticasse publicamente ou divulgasse informações consideradas “falsas” pelo governo de Vladimir Putin sobre qualquer unidade militar que estivesse lutando pela Rússia na Ucrânia, incluindo grupos de mercenários privados como o Grupo Wagner.

A lei aprovada pela Duma estendeu a punição criminal, que já estava em vigor no país e punia pessoas por “desacreditar” e divulgar informações “deliberadamente falsas” sobre as forças militares russas envolvidas na guerra, para abranger também “formações voluntárias, organizações ou indivíduos” que estavam “auxiliando” as forças armadas russas regulares em solo ucraniano.

Ou seja, tornava crime também direcionar críticas aos grupos mercenários que estavam a serviço da Rússia na Ucrânia. Na teoria, grupos paramilitares são “proibidos” na Rússia, por isso a lei utilizou o termo “formações voluntárias”.

De acordo com esta lei, os infratores que realizam "ações públicas" destinadas a "desacreditar" os mercenários podem pegar até cinco anos de prisão ou pagar uma multa de até 300 mil rublos (US$ 3.985). Se tais ações voltarem a ocorrer dentro do prazo de 12 meses, levando a consequências consideradas “graves”, o acusado pode ser condenado a até sete anos de prisão ou pagar multa de até 1 milhão de rublos (US$ 13,3 mil).

Espalhar o que as autoridades russas consideram como "informações falsas" sobre os “voluntários militares” pode resultar, de acordo com a lei, em até cinco anos de prisão ou pagamento de multa que chega até 1,5 milhão de rublos (US$ 20 mil). Caso as informações “falsas” cheguem a causar "graves consequências" para a imagem e reputação desses grupos, a pena pode alcançar até 15 anos de prisão.

“Todos aqueles que hoje arriscam as suas vidas para garantir a segurança do país e dos cidadãos estão protegidos de provocações e mentiras”, disse o presidente da Duma, Vyacheslav Volodin, no dia da aprovação.

Ainda em março, a lei foi aprovada no Conselho da Federação (câmara alta do Parlamento, que equivale ao Senado no Brasil) e promulgada pelo presidente Vladimir Putin.

A aprovação da lei foi vista por opositores do governo russo como uma tentativa do Kremlin de silenciar qualquer crítica ou dissidência sobre a invasão à Ucrânia e também como uma forma de proteger seus mercenários leais da fiscalização e responsabilização pública. A lei também refletia naquele momento a crescente influência e o poder do Grupo Wagner e de seu líder, Yevgeny Prigozhin, nos círculos militares e políticos da Rússia.

A lei foi amplamente condenada por grupos de direitos humanos, jornalistas e figuras da oposição, que a consideraram uma grave violação da liberdade de expressão e um ataque à mídia independente.

Outros críticos também apontaram à época que a lei entrava em contradição com a própria Constituição da Rússia, que “proíbe” atividades de mercenários e garante a liberdade de expressão. Eles também questionaram como as autoridades definiriam o que seria “desacreditar” ou “informações falsas” sobre os mercenários e quem seria autorizado a verificar tais informações.

Já os defensores da lei argumentaram naquele momento que ela era necessária para proteger a segurança e a soberania da Rússia contra a “interferência estrangeira e propaganda”. Eles também afirmaram que era uma questão de “respeito e gratidão” por aqueles que estavam “arriscando suas vidas para defender os interesses e aliados da Rússia na Ucrânia”.

“Qualquer pessoa que esteja lutando pela Rússia na Ucrânia, sejam soldados regulares, voluntários ou contratados, merece nosso apoio e reconhecimento”, afirmou o presidente da Duma.

Volodin ainda acusou à época alguns veículos de imprensa ocidentais de espalharem “notícias falsas” e “desinformação” sobre o papel da Rússia na guerra e seu uso de mercenários. De acordo com ele, a lei ajudaria a combater tais tentativas e garantiria que o público russo recebesse “informações precisas e objetivas sobre a situação na Ucrânia”.

Vários cidadãos russos foram presos e processados por causa da lei. No começo deste mês, o Tribunal Distrital de Adler, em Sochi, cidade que fica em Krasnodar, sudoeste da Rússia, determinou a prisão da ativista Marina Melikhova, acusada de “desacreditar publicamente as forças armadas russas”.

Segundo a Justiça, em outubro do ano passado, Melikhova já havia sido indiciada por “divulgar conteúdo ilícito, que incluiu ações destinadas a desprestigiar o uso das forças armadas da Federação Russa”.

Assim como Melikhova, por causa da lei, outros ativistas e críticos da invasão russa à Ucrânia também estão enfrentando julgamento por causa da divulgação diária de informações, por meio de fóruns e redes sociais, sobre os atos brutais que o exército russo e os mercenários do país estão perpetrando na guerra.

Como fica a lei após a rebelião

Entre os mercenários protegidos contra críticas pela lei aprovada no parlamento e promulgada por Putin estava o Grupo Wagner, que se rebelou no último final de semana contra o governo russo.

Além do Wagner, existem outros grupos paramilitares russos que estão atuando na Ucrânia e foram beneficiados pela lei, entre eles, os mercenários ligados à estatal russa Gazprom, que lutam em solo ucraniano sob os nomes de Fakel, Potok e Redut, grupos que foram revelados pelo próprio Prigozhin, durante uma entrevista para um canal no Telegram.

Quando a lei foi aprovada e sancionada por Putin, o Grupo Wagner ainda estava auxiliando as tropas russas em território ucraniano.

A força paramilitar que era liderada por Prigozhin lutava em diversas frentes de batalha contra o exército ucraniano e era considerada pelo governo russo naquele momento como uma das principais forças aliadas na invasão ao país vizinho.

Após a revolta iniciada na sexta-feira (23), a mídia russa começou a divulgar informações de que Moscou já estaria considerando fazer sérias mudanças na lei. Putin quer diminuir toda e qualquer influência que o Wagner ainda possa ter na sociedade russa, e a lei aprovada em março foi consequência direta dessa influência.

Informações veiculadas na época em que ela foi aprovada na Duma davam conta de que a mesma havia sido uma exigência pessoal de Prigozhin, que em janeiro tinha solicitado ao parlamento uma nova regulação para “eliminar a cobertura negativa” da mídia sobre seus “voluntários”.

Diante do novo cenário, a agência de notícias russa RIA Novosti veiculou informações na segunda-feira (26) de que o vice-presidente da Duma, Vladislav Davankov, teria dito que era necessário “discutir as emendas que visam punir os cidadãos que desprestigiem as forças armadas”.

“É necessário discutir emendas ligadas a normas de punição por desacreditar as forças armadas. A legislação também precisa ser revista. Ela não atende mais às realidades modernas. Vamos discutir esta questão com outros partidos esta semana”, disse Davankov.

“Se você deixar inalterada [a lei], milhares de russos podem ser presos por 15 anos por expressarem uma posição civil sobre as ações do grupo Wagner após os eventos de sábado”, completou ele.

Davankov enfatizou também que seria extremamente necessário nesse momento que o governo russo começasse a repensar a suspensão temporária dos contratos ainda vigentes com outras forças paramilitares que estão auxiliando o exército russo na Ucrânia, bem como as leis que proíbem críticas direcionadas às forças armadas e a lei sobre opiniões públicas envolvendo as ações dos grupos mercenários.

Outra ideia pensada no parlamento russo neste momento é a criação de uma nova lei que obrigue, quando em situação de conflito, que as forças paramilitares privadas do país passem automaticamente a estar subordinadas ao Ministério da Defesa. A proposta de uma lei desse tipo foi apresentada pelo senador russo Sergei Tsekov.

“Não acho que seja necessário proibir as atividades das empresas militares privadas. É preciso fazer uma lei e resolver todas essas questões. O mais importante é que, mesmo sendo privadas, elas passem a operar sob as leis da Federação Russa”, disse Tsekov à RIA Novosti.

Para o parlamentar, uma lei nesse sentido poderia evitar que situações como a rebelião do Wagner voltassem a ocorrer novamente no futuro.

Tsekov ainda afirmou que, mesmo sendo “privadas” e funcionando às custas de fundos captados por um determinado indivíduo, os grupos paramilitares do país devem estar “completamente sujeitos às leis do Estado”.

Conforme informações da RIA Novosti, um projeto de lei sobre a legalização dos grupos paramilitares na Rússia também está sendo discutido há mais de um ano no parlamento do país, desde março de 2022. O projeto foi apresentado pelo partido A Just Russia – For Truth.

Segundo informações, o assunto sobre legalização, proibição e revogação de leis sobre mercenários voltou à pauta do parlamento russo depois da rebelião do Wagner. Logo após o fim do motim, no sábado (24), Andrey Kartapolov, chefe do Comitê de Defesa da Duma, afirmou à RIA Novosti que estava preparando um novo projeto de lei sobre os grupos paramilitares do país, observando que era “muito cedo para falar sobre as perspectivas futuras do Grupo Wagner”.

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