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Schumann era obrigado a tocar por horas enquanto  presos eram condenados e levados para as câmaras de gás | FLORIAN FRANK/AFP
Schumann era obrigado a tocar por horas enquanto presos eram condenados e levados para as câmaras de gás| Foto: FLORIAN FRANK/AFP

Coco Schumann, um guitarrista de jazz alemão que tocou com Ella Fitzgerald e Marlene Dietrich durante décadas e que fez apresentações para nazistas em campos de concentração, o que provavelmente salvou sua vida, morreu no dia 28 de janeiro em Berlim. Ele tinha 93 anos.  

A morte de Schumann foi relatada pela Associated Press e pela agência de notícias alemã DPA, que o descreveu como "um dos músicos mais celebrados do jazz alemão". A causa da morte ainda não foi divulgada.  

"Os humanos são uma criação peculiar", disse Schumann para um entrevistador sobre sua experiência durante o Holocausto. 

"Imprevisíveis e impiedosos. O que vimos durante aqueles dias foi insuportável, e suportamos mesmo assim. Tocamos a trilha sonora, somente para conseguir sobreviver. Tocamos música no inferno".  

Schumman começou a ouvir e tocar música no que descreveu como uma estrondosa cena musical em Berlim, onde nasceu em 14 de maio de 1924 com o nome de Heinz Jakob Schumman. O apelido "Coco" foi dado por uma namorada francesa. Filho de uma mãe judia e um pai cristão que se converteu ao judaísmo, Schumann disse que cresceu celebrando feriados judeus e cristãos.  

Um tio lhe deu o primeiro kit de bateria, que Schumann usou em apresentações em Berlim até conseguir dinheiro suficiente para comprar sua primeira guitarra. Mas, no fim dos anos 30, os nazistas, comandados por Adolf Hitler, começaram a perseguir o jazz, tido como degenerado pelo regime por causa de sua associação com compositores e músicos negros e judeus.  

Schumann, cuja herança judaica parcial fez com com que fosse particularmente vulnerável para a perseguição anti-semita nazista, continuou a se apresentar do mesmo jeito. Ele sentia uma certa segurança por ter olhos azuis e não aparentar ser judeu. Às vezes testava sua sorte, tirando a estrela amarela que os judeus deveriam usar como identificação, e, pelo menos em um momento, ousou um oficial a prendê-lo.  

"Você deveria me prender, senhor, porque sou menor de idade e judeu", ele disse para um nazista que assistiu um de seus shows. O oficial imaginou que o jovem estava brincando e não fez nada, de acordo com o registro feito por Michael Kater no livro "Bateristas diferentes: Jazz na Cultura da Alemanha Nazista".  

Prisão

Schumann foi preso em 1943, acusado de tocar música degenerada e de ter relações com mulheres arianas.  

Ele deveria ser deportado para Auschwitz, o campo de concentração nazista na Polônia onde mais de um milhão de judeus e outras vítimas foram assassinados durante o Holocausto. Ele disse que seu pai, um veterano da Primeira Guerra Mundial, intercedeu em seu favor e conseguiu fazer com que fosse enviado para o Theresienstadt, um campo de concentração em um gueto na atual República Tcheca.  

Também conhecido como Terezín, o local era usado como ferramenta de propaganda nazista para enganar observadores externos, como a Cruz Vermelha, sobre a real natureza dos campos de concentração. "Lá, tínhamos músicas e apresentações para enganar as pessoas", contou para um entrevistador para o livro "Mulheres na Guerra: Lembraças de Marlene Dietrich". "Eu tocava percursão numa banda grande chamada Ghetto Kennel". Ele também se apresentou em um grupo conhecido como Ghetto Swingers, substituindo o baterista original, que fora enviado para Auschwitz.  

Em 1944, Schumann também foi enviado para Auschwitz, onde guardas exigiam que ele e outros músicos presos tocassem operetas e marchas militares por horas enquanto os novos ingressos eram tatuados e presos eram condenados e levados para as câmaras de gás. Uma das músicas favoritas dos guardas era "La Paloma".  

Schumann disse para Michaela Hass, autora do livro "Bouncing Forward: Transforming Bad Breaks Into Breakthroughs" (Indo para Frente: Transformando Momentos Ruins em Revelações) que, por causa de seu status no campo os guardas permitiram que ele tivesse mais acesso a roupas e provisões que o ajudaram a sobreviver. Ele foi transferido e libertado de um subcampo em Dachau, na Alemanha, onde ficou doente e quase faleceu. Seus pais também sobreviveram, mas a maior parte de sua família faleceu durante a Guerra.

Pós-guerra  

Depois da Guerra, Schumann voltou para Berlim e se apresentou com grandes nomes, como Fitzgerald e Dietrich. A última foi, segundo ele, "uma superestrela para mim, comparável apenas com Greta Garbo". Durante a ascenção de Hitler, a alemã Dietrich se tornou uma grande opositora do nazismo e obteve uma cidadania americana para escapar da perseguição.  

"Acima de tudo, eu achava incrível que ela, sendo alemã e famosa como era, era contra Hitler", ele disse. "Muitos atores concordaram com tudo e trairam seus colegas judeus. Eu realmente a considerei por ser contra tudo isso".  

Procurando escapar de suas memórias do Holocausto, Schumann viveu durante algum tempo na Austrália, onde trabalhou em uma indústria de geleia e se apresentava em palcos, antes de focar sua carreira para cruzeiros e shows em Berlim. Ele disse para Haas que desejava ser conhecido como "um músico que sobreviveu a um campo de concentração. Não um sobrevivente do Holocausto que também fazia música".  

A esposa de Schumann, Gertraud, também foi uma sobrevivente do Holocausto e faleceu antes dele. Schumann intitulou sua memória de "The Ghetto Swinger: A Berlin Jazz-Legend Remembers" (O Swinger do Gueto: Uma Lenda do Jazz de Berlim Relembra") e continuou a tocar até uma idade avançada.  

"Eu tenho pelo menos um bom motivo para não tocar 'La Paloma', mas também milhares de razões para tocar – todas as pessoas da plateia", ele conta. "A culpa não é da música".

Tradução de Gisele Eberspächer.
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