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O sequestro do general Rubén Darío Alzate e seus dois acompanhantes em Chocó, no último 16 de novembro, acabou por gerar uma crise entre o governo e a guerrilha, levando o presidente Juan Manuel Santos a interromper temporariamente as negociações de paz. As Farc alegaram ter sequestrado o general porque este caminhava à paisana em zona de conflito, violando assim um protocolo de segurança e aproveitaram o ensejo para declarar diversas vezes que os reféns retornariam sãos e salvos à sociedade, ao contrário dos guerrilheiros encarcerados aos quais denominam presos políticos, sinalizando que sofrem terríveis situações humanitárias nas prisões.

Na madrugada de sábado (29), dia anterior ao acordado para a liberação dos reféns, as Farc já tinham ativado o Protocolo Humanitário Especial para a entrega dos sequestrados aos representantes dos países mediadores do processo – Cuba e Noruega, e do Comitê Internacional da Cruz Vermelha, a qual ocorreu sem maiores problemas no domingo (30).

Ações contraditórias há de ambas as partes: a guerrilha, mesmo sabendo das condições impostas pelo governo, comprometeu-se a cessar os sequestros e rompeu a promessa, já que esse é um dos custos de dialogar em meio ao confronto. O governo, por sua vez, penalizou um processo de paz, e consequentemente toda a sociedade colombiana, quando ainda não estavam claras as circunstâncias: a estranha caminhada do general na região onde foi sequestrado, à paisana, desarmado e sem escolta, era uma incógnita para o próprio governo, que ao interromper as negociações com a guerrilha pediu esclarecimentos ao Ministério da Defesa sobre o não cumprimento do protocolo de segurança por parte do general. A atitude de Alzate colocou em risco o processo de paz e manchou a imagem do exército que, pela primeira vez teve um general em poder da guerrilha.

Negociar, em meio ao conflito, sem acordos de cessar-fogo bilateral ou algum outro tipo de trégua, é um risco que abre precedente para que crises como a gerada com esse sequestro continuem a ocorrer. Mais que isso, a negociação nesses moldes traz consequências humanitárias devastadoras para a população colombiana, como deslocamentos forçados, mortes de soldados e civis em explosão de minas, dentre outras. Muito provavelmente o governo se manterá no caminho da não aceitação do cessar-fogo bilateral, mas a situação parece se configurar de maneira bem distinta agora. As FARC demonstraram com os últimos acontecimentos que estão dispostas a pressionar o governo nesse sentido para que as negociações terminem a contento sem mais prejuízos para a mesma.

Com a retomada do diálogo e a conclusão da discussão de todos os pontos para por fim ao conflito, o que levaria à desmobilização dos membros das Farc, o governo deverá discutir o mecanismo adotado para que os colombianos referendem os acordos que eventualmente poderão ser alcançados em Havana.

A desconfiança mútua entre Estado, população e guerrilha, tem sido exercício constante na Colômbia nos últimos 50 anos. O país, com quase meio milhão de homens em armas pelo Estado, no combate incessante e fracassado ao "inimigo interno", viu crescer a decomposição da moral e da autoestima da sociedade colombiana, devido às tentativas frustradas de processos de paz anteriores e ao crescimento das diversas forças ilegais imiscuídas com o poder político legal no país. Ainda assim, há um balanço positivo desses dois anos de processo de paz. O diálogo avançou muito e o povo colombiano, as Farc e o governo estão otimistas para que se estabeleça irreversivelmente a paz no país. A esperança é a última que morre.

Flávia Seidel Osorio, pesquisadora do Laboratório de Simulações e Cenários EGN/MB e especialista em temas de conflito na América do Sul com ênfase em Colômbia.

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