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A França que vai às urnas vive um período de múltiplas crises, não só de fundo econômico, social e político, mas também de criação cultural, de laicidade e de integração dos imigrantes. O sombrio diagnóstico do filósofo francês Jean-François Mattéi, professor da Universidade de Nice-Sofia-Antipolis e autor de obras como Da Indignação e A Barbárie Interior, aponta a causa maior de todos esses males: uma crise geral de identidade

Como o senhor analisa a campanha eleitoral francesa deste ano?

A qualidade desta campanha é extremamente medíocre. Tem-se a impressão, como dizia Jean Baudrillard (pensador francês, 1929-2007), que o poder se tornou um simulacro. Estamos num tipo de teatro de sombras, no qual os cidadãos franceses não têm direito à verdade. Temos a impressão de que os franceses ainda vivem na ilusão do que se chama na França de "Trinta Gloriosos" (os 30 anos de forte crescimento no período pós-Segunda Guerra Mundial), de que ainda estamos entre os três ou quatro países mais importantes do mundo, enquanto há uma crise de confiança, e uma crise de identidade, que são consideráveis.

Qual a gravidade desta crise de identidade de que o senhor fala?

O cidadão francês médio não sabe mais quais são os princípios e valores sobre os quais a História da França ou mesmo a sua própria história se desenvolveram. Há uma crise de transmissão de princípios e valores culturais. A França não produz mais um número suficiente de engenheiros, de responsáveis econômicos e sociais, de criadores nos domínios artístico e literário como fazia até meados do século passado.

Por que a questão da imigração se tornou um tema incendiário hoje na França?

Tivemos uma importante imigração italiana, espanhola e portuguesa. E sempre se conseguiu uma integração destes imigrantes na sociedade. Hoje isso não funciona mais com a África. Não se consegue mais obter uma identidade francesa e uma identidade cultural aberta.

Como se chegou a esta situação?

A questão da imigração se tornou um verdadeiro problema social e moral, negado pela esquerda, que pensava que seria possível acolher todos os novos imigrantes sem a menor dificuldade; e pela direita, que não conseguiu nem financeira nem socialmente promover a integração. Há conivência dos sindicatos ou dos meios sociais em geral, que não conseguiram fazer o que por muito tempo a França fazia.

O voto na extrema-direita e o alto índice de abstenção previsto seriam sinais dessas crises de identidade?

O crescimento dos extremos se origina sempre da ausência de assimilação ou de integração de diferentes grupos ou comunidades num país. Quando há uma crise de identidade no plano político e cultural, há sempre endurecimento do lado da direita e da extrema-direita no plano da autoridade, e da esquerda e da extrema-esquerda no plano da crítica da autoridade. Pessoas se sentem extremistas porque não conseguem mais se integrar socialmente na forma de comunidade, social, profissional ou política.

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