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Abrindo caminho entre camas improvisadas na rua, em meio aos lamentos, um jovem toca no meu braço.

"Por favor, senhorita, você fala francês? Meu pai acabou de morrer, o que devo fazer? Você pode ajudar?"

Um médico voluntário verifica o pulso do homem idoso -- que passou dois dias deitado sobre uma porta de madeira, com o pé fraturado enrolado em um cobertor -, e confirma a morte ocorrida alguns momentos antes, mais uma vítima do terremoto devastador de terça-feira que atingiu o Haiti.

O voluntário diz ao filho que tentará encontrar um lençol para cobri-lo, mas primeiro terá de cuidar de uma mulher aos berros num ataque de histeria.

Por toda a capital haitiana, milhares de pessoas viveram na quinta-feira a terceira noite de sofrimento, deitados nas calçadas esperando por ajuda. O desespero se transformava em pânico à medida em que mais mortes ocorriam.

"Estamos aqui esperando há três dias e três noites, mas nada foi feito por nós, nem mesmo uma palavra de encorajamento do presidente. O que devemos fazer?", pergunta Pierre Jackson, de 35 anos, cuidando da mãe e da irmã, deitadas em cobertores, com as pernas esmagadas.

Nesse pequeno grupo de pessoas sozinhas, médicos voluntários afirmam que uma dúzia morreu em decorrência de ferimentos graves desde terça-feira, apesar de seus esforços incessantes para fazer curativos nos membros fraturados e executar cirurgias a céu aberto com anestesia local.

A ajuda humanitária estrangeira está agora a caminho do Haiti. Mas a incapacidade do governo de coordenar a atenção médica apropriada aos incontáveis feridos está se tornando crítica.

"Perdemos mais gente a cada dia. Estou completamente traumatizado", diz Kliford Archer, voluntário de 19 anos que trabalhou durante três dias e três noites prestando primeiros socorros.

"Temos fraturas de cabeça, hemorragia interna, membros quebrados. Mas não temos remédios de verdade, como antiinflamatórios, e temos muito poucas agulhas. Não temos informação, ninguém está nos falando nada. Muito mais pessoas vão morrer".

Atrás dele, um homem aparentemente com uma fratura na coluna gira os olhos em agonia, mas não emite nenhum som, enquanto uma mulher com o joelho quebrado grita como um animal selvagem, contorcendo o rosto de dor.

O presidente do Haiti, René Préval, tem sido pouco visto desde que o terremoto danificou o palácio presidencial. O colapso da sede da missão de paz da Organização das Nações Unidas (ONU) prejudicou ainda mais os esforços de resgate.

Em acampamentos improvisados pela cidade, as vítimas do terremoto compartilham comida e água trazidas por parentes, dormem enfileiradas e se confortam cantando orações em creole.

De minuto em minuto alguém me pergunta se posso trocar um curativo, achar um analgésico ou ensinar como engessar um membro fraturado. Eles perguntam quando os médicos vão chegar com os equipamentos apropriados.

Eu emprestei meu telefone por satélite ao filho do homem que morreu para que ele pudesse telefonar às irmãs em Nova York e informá-las sobre a morte do pai. Uma mulher vem e rasga um lençol para prender os pés dele para que possa ser carregado e levado dali.

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