• Carregando...
O jornal Clarín, um dos diários mais importantes da Argentina, publicou a capa em branco no dia 28 de março em protesto contra bloqueio de circulação, ocorrido um dia antes | Clarín
O jornal Clarín, um dos diários mais importantes da Argentina, publicou a capa em branco no dia 28 de março em protesto contra bloqueio de circulação, ocorrido um dia antes| Foto: Clarín

Censura imposta pela Justiça afeta imprensa no Brasil

Em reunião realizada nesta semana, em San Diego, Estados Unidos, a Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP) teve como um dos temas de discussão as obstruções judiciais impostas à imprensa em todo o continente.

Leia matéria completa

Análise

Nem toda ação é censura, diz especialista

Apesar das intimidações do governo argentino à imprensa local, não se pode generalizar chamando toda ação contra determinado jornal de censura. É o que defende o diretor da pós-graduação em Jornalismo na Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM, em São Paulo), Eugênio Bucci. "Censura é o bloqueio da veiculação de informação que normalmente se impõe de forma irrecorrível", diz Bucci.

Segundo o professor a censura propriamente dita pode se dar até mesmo no meio privado, quando um grupo monopoliza os meios de comunicação e impede que determinadas informações cheguem à população.

Embora considere legítima a postura dos apoiadores de Cristina em discutir a existência de um possível monopólio por parte do Clarín, para Bucci não é democrático que um jornal receba tratamentos distintos quando elogia ou critica o poder público. "Na luta entre governo e imprensa, a parte fraca sempre será a imprensa", afirma.

Os leitores do Clarín Diario, maior jornal da Argentina, se espantaram com a edição do dia 28 de março. Em protesto ao pi­­quete armado no dia anterior diante de seu parque gráfico, que impediu a circulação dos exemplares, o jornal publicou a capa da edição do dia em branco. O gesto do Clarín foi motivado por muito mais do que a truculência dos manifestantes. Os lí­­deres do bloqueio ao jornal eram militantes apoiadores da presidente Cristina Kirchner, com quem a imprensa local tem uma relação tensa. No dia 3 de abril, a mesma ocorrência, dessa vez em Córdoba contra dois jornais de propriedade do grupo Clarín. Entidades de classe em todo o mundo repudiaram a cumplicidade do governo e declararam preocupação com a liberdade de imprensa no país.

Histórico

A guerra entre Cristina e o grupo Clarín teve início em 2008 quando ele apoiou os ruralistas num debate sobre o imposto para ex­­portação de grãos. O governo, que queria um aumento do tributo, perdeu. O episódio marcou a primeira grande derrota da presidente e a vingança foi desigual.

O grupo Clarín passou a ser alvo de constantes fiscalizações acionadas pelo pretexto de irregularidades jurídicas. Teve o prédio ocupado por cerca de 200 agentes da receita federal argentina, perdeu o direito de transmitir o campeonato nacional de futebol – que passou para uma rede de tevê pública – e por pouco não assistiu à falência da Fi­­bertel, provedora de internet ligada ao Clarín, depois de ter cancelada sua licença de funcionamento. Nesse último episódio, a Justiça concedeu uma liminar ao grupo permitindo a ma­­nutenção do serviço. No mesmo dia, por meio do Twitter, Cristina atacou o poder judiciário e chamou a liminar de "obscenidade".

Uma outra ofensiva, ainda em andamento, visa a atingir um insumo fundamental para a versão impressa do diário: o papel jornal. A companhia Papel Pren­­sa fabrica 75% do produto utilizado no país e abastece cerca de 170 empresas. Dela são acionistas o Clarín (49%), o jornal La Na­­ción (22,49%) e o próprio Estado argentino (27,46%). Com o objetivo de tomar o controle total da companhia, o governo encaminhou ao Congresso um projeto de estatização, no qual declara que a produção e distribuição de papel-jornal é questão de interesse público.

Bloqueio

A manifestação do dia 27 de março foi a quinta investida da Cen­­tral Geral do Trabalho (CGT), ma­­i­­or entidade sindical do país, contra o grupo Clarín desde no­­vembro. Em 28 de janeiro, cerca de 100 mil exemplares foram im­­pedidos de circular por um protesto organizado pelo sindicato dos caminhoneiros, ligado à CGT. Dessa vez, o piquete durou 12 ho­­ras, bloqueou a saída de veículos da gráfica e impediu que a edição de domingo chegasse às ruas. O La Nación, segundo ma­­ior jornal do país, foi vítima de ação se­­melhante, na mesma noite, mas o bloqueio foi suspenso du­­rante a madrugada e não afetou a distribuição.

Entre os manifestantes estavam ex-trabalhadores da gráfica que imprime o Clarín, exigindo readmissão, e representantes do sindicato dos caminhoneiros, liderado por Hugo Moyano, ma­­ior líder trabalhista do país e aliado de Cristina. Na edição que foi impedida de circular havia de­­núncias de irregularidades no rápido enriquecimento do sindicalista. No dia 3 de abril, foi a vez da cidade de Córdoba assistir aos bloqueios. Os diários La Voz del Interior e Dia a Dia tiveram 70% de sua tiragem impedida de ir às ruas. Os dois jornais são do Gru­­po Clarín.

Cumplicidade

Embora o governo não admita envolvimento na onda de protestos, a omissão do poder público ficou evidente nas últimas ocorrências.

Depois do piquete de ja­­neiro, a Justiça argentina concedeu uma medida cautelar na qual obrigava o ministério da Segu­­rança a tomar as precauções ne­­cessárias para evitar a obstrução da livre circulação de bens e pessoas na região da gráfica.

Na manifestação do mês passado havia aproximadamente 50 policiais nas imediações, e durante as 12 ho­­ras de protesto não houve qualquer ordem para que agissem. A ministra Nilda Célia Garré está sendo processada pelo Clarín por desobediência judicial.

Repercussão

O caso de repressão ao Clarín ge­­rou declarações de repúdio de entidades ligadas ao jornalismo em todo o mundo. A Associação das Entidades Jornalísticas da Argentina (Adepa) emitiu nota na qual afirma que a liberdade de imprensa no país sofreu um dos maiores golpes já registrados em um período democrático. O presidente da instituição, Daniel Dessein, disse à Gazeta do Povo em entrevista por e-mail que a tensão não terá fim enquanto o governo não aceitar a liberdade de imprensa como estratégica para a democracia. "A crítica é um fardo a ser suportado por qualquer poder que se apoia em regras democráticas", declara Dessein, para quem o governo está confundindo o papel da im­­prensa. "Estão colocando a mídia no lugar da oposição, e não é esse o seu lugar", conclui.

No Brasil, a Associação Nacio­­nal de Jornais (ANJ) criticou a complacência do governo argentino e defendeu o direito de qualquer sociedade democrática ser livremente informada. A So­­cie­­dade Interamericana de Im­­pren­­sa (SIP) declarou sua preocupação com o conflito entre mídia e poder público e enviará uma missão especial a Buenos Aires, em maio.

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]