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Não é por acaso que a Indonésia lidera o ranking de mortes por desastres naturais desta década. O país está situado próximo ao encontro de três das placas tectônicas mais ativas do mundo. Estas placas "flutuam" sobre uma parte pastosa do interior da Terra, o manto, afastando-se ou chocando-se umas contra as outras. As áreas localizadas nos pontos de choque são aquelas mais vulneráveis a terremotos e erupções vulcânicas, como é o caso das ilhas da Indonésia. Além disso, 25% da população de 245 milhões pessoas, vivem abaixo da linha da pobreza e não têm condições de construir casas resistentes. Some-se ainda a crença de uma parcela dos indonésios que atribuem os eventos naturais a uma mensagem divina e muitas vezes ignoram as advertências do governo, e o resultado são quase 170 mil mortes por desastres naturais desde 2000, mais que o dobro do segundo país na lista, de acordo com números do Centro para Pesquisa em Epidemologia de Desastres (CRED, em inglês), órgão ligado à Organização Mundial da Saúde (OMS).

Depois do devastador tsunami de dezembro de 2004, a Indonésia sofreu mais outros dois grandes terremotos. O tremor da última semana, de 6,3 graus na escala Richter, atingiu uma área densamente povoada na cidade de Jogjakarta, na Ilha de Java. Até agora, cerca de 6.200 mortes foram contabilizadas, mas esse número pode crescer por causa da falta de leitos e atendimento médico adequado nos hospitais.

"A situação lá é muito grave. Embora haja alimento, a distribuição logística é confusa, então há muitos feridos passando fome. Também há falta de diversos medicamentos e o atendimento é bem precário. Atendi uma senhora com quase 80 anos. A perna quebrada em dois lugares, e tudo o que ela tinha eram duas talas na perna. Todos os voluntários e trabalhadores estão lá dando o melhor de si, mas a situação das pessoas é tão terrível, que a impressão que temos é que estamos no meio de um campo de guerra. Feridos espalhados pelo chão, macas improvisadas, tendas com iluminação precária servindo como sala de cirurgias. Há famílias que perderam absolutamente tudo, e agora vivem amontoadas nas tendas improvisadas do governo ou que são cedidas pela cooperacão internacional", conta a brasileira Fabiana Alves, que esteve em Java nesta última semana trabalhando como voluntária.

Em 1980, quando foi perguntado que tipo de medidas poderiam ser tomadas para amenizar as conseqüências dos terremotos, Charles Francis Richter, co-inventor do sistema que mede os movimentos sísmicos na Terra, afirmou que a maior parte das perdas humanas e materiais derivadas desse tipo de desastre ocorriam pela falta de edifícios e construções com estruturas resistentes a terremotos – embora já houvesse tecnologia disponível para isso – e reiterou que essa deveria ser a maior preocupação dos governos, e não a estimada e sonhada criação de um sistema de previsão de terremotos. Mais de vinte anos depois, a Indonésia sofre exatamente por não ter investido na área de construções antiterremotos e pelo determinismo de seu povo.

"Os indonésios em geral aceitam bastante facilmente os terremotos. Ficam triste, é claro, mas dizem que é ‘trabalho de Deus’, algo que deveria acontecer, algo que os seres humanos não podem evitar. Um exemplo perigoso disso foi quando o governo advertiu as pessoas que moram perto do vulcão Merapi, quando ele começou a dar sinais de vida, há algumas semanas. Muita gente se negou a ir para os abrigos, porque dizem que ‘se já é o meu tempo, vou morrer mesmo’", conta o estudante de direito Hadiyu Ikrami, de 20 anos, hóspede de intercambistas brasileiros em Jacarta, capital do país.

Uma das preocupações após o terremoto em Java foi de que se intensificasse a atividade do vulcão Merapi. Historicamente, a Indonésia é a campeã de mortes provocadas por vulcões. Dos 10 maiores desastres registrados, 6 ocorreram no país.

Aquecimento global

Alguns cientistas acreditam que a alteração climática possa estar estimulando a atividade sob a crosta terrestre. Na edição da última semana da revista New Scientist, o professor Bill McGuire, da University College of London, um dos mais respeitados vulcanologistas do mundo, escreveu um artigo defendendo a tese de que o aumento da temperatura no planeta, e o conseqüente derretimento de gelo, pode resultar numa mudança na distribuição da massa na superfície da Terra, o que nos levaria a uma era de instabilidade geológica.

"O clima interage com a crosta terrestre através da mudança da massa de água e gelo que é deslocado em torno do planeta. A pressão da água e do gelo na crosta é considerável: 1 metro cúbico de água pesa 1 tonelada, enquanto o mesmo volume de gelo pesa ligeiramente menos, até 0.9 tonelada. Com isso em mente, não deveria ser uma surpresa que o carregamento e descarregamento da crosta da Terra por gelo ou água pode despertar a atividade sísmica e vulcânica e até provocar deslizamentos de terra", afirma McGuire.

De acordo com o professor, supererupções vulcânicas, maremotos ainda maiores que o asiático e impactos de asteróides na Terra ocorreram durante toda a história e não vão deixar de acontecer. "São eventos naturais extremos com probabilidade de ocorrência abaixo de 1% em qualquer ano, mas que se aproxima de 100% a longo prazo", afirmou McGuire, em outro artigo publicado pela revista Prospect. O desafio para a humanidade? "No mínimo precisamos estar cientes da natureza das ameaças e de suas ramificações potenciais, e precisamos planejar a forma, tanto como Estados individuais quanto como uma comunidade global, que lidaremos com isto", diz.

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