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Manifestante sentado em muro da Praça Altamira, em Caracas: internet é usada para mobilizar os opositores ao governo | Carlos Garcia Rawlins/Reuters
Manifestante sentado em muro da Praça Altamira, em Caracas: internet é usada para mobilizar os opositores ao governo| Foto: Carlos Garcia Rawlins/Reuters

Artigo

Dizer que há democracia de fato é exagero

Eduardo Saldanha, professor de Direito Internacional da FAE

Desde que o câncer de Hugo Chávez entrou na fase final em 2012, a oposição na Venezuela passou a utilizar o discurso econômico e as ruas como ferramenta para desestabilizar o governo.

Politicamente esquizofrênica, a Venezuela é governada pelo herdeiro político de um líder carismático que chegou ao poder com um discurso democrático, mas que aos poucos alterou as instituições que fundam o país ao ponto de manter características democráticas que, na prática, estão a serviço de anseios autoritários.

A aparente democratização de direitos políticos, sociais e econômicos não necessariamente define um regime democrático na Venezuela. A afirmação de que existe uma democracia de fato é um exagero, pois embora alguns direitos sejam em tese resguardados, a efetivação desses direitos pelas instituições que fundam o Estado relegam a democracia à mera retórica.

Por mais que sejam acusados de golpe, os revolucionários bolivarianos na maioria das vezes adotaram medidas legitimas, mas sempre buscando uma maior concentração de poder nas mãos do Executivo. São diversos os exemplos de reformas que acabaram por concentrar o poder nas mãos de Chávez e, consequentemente, de Maduro, como a exclusão do limite para a reeleição à presidência e o controle institucionalizado do Poder Judiciário.

Tais reformas acabaram possibilitando o estrangulamento da oposição e uma diminuição da pluralidade de veículos de informação jornalística com a criação de uma mídia "oficial", limitando o acesso à informação.

Assim, a mera possibilidade de consulta direta ao povo não significa um exercício democrático real, pois é essencial que, para que isso ocorra, os canais de manifestação da liberdade também devem ser disponibilizados de forma legítima e equilibrada pelas estruturas do poder constituído. Na Venezuela de hoje a oposição teve de escolher as ruas, a martirização de seus líderes e o enfrentamento, pois as instituições estatais estão blindadas por um projeto bolivariano que decidiu conscientemente estrangular instrumentos democráticos.

90% do tráfego na rede em território venezuelano é gerenciado pela CANTV, cuja velocidade do serviço teve uma degradação em escala nacional na última quinta-feira.

Tão vigorosamente como nas ruas, a batalha entre forças de governo e oposição na Venezuela tomou conta da internet. O acesso à rede mundial de computadores em uma turbulenta cidade universitária foi cortado e o governo bloqueou o acesso a sites que vinham sendo usados por manifestantes da oposição para se articularem.

Na quinta-feira, a repórter de uma emissora de tevê de San Cristóbal, capital do estado de Táchira, disse ter ouvido disparos durante uma intervenção da polícia em um protesto, assim como havia ocorrido na noite anterior, quando o acesso à internet foi cortado.

"Ainda estamos sem internet e muita gente também está sem água nem energia elétrica", afirmou a repórter Beatriz Font. San Cristóbal foi o berço da atual onda de protestos contra o governo, iniciada no dia 2.

Também na noite de quinta-feira, a empresa norte-americana Zello informou que a companhia estatal de telefonia da Venezuela, a CANTV, havia bloqueado o acesso a um aplicativo desenvolvido pela companhia que permite usar smartphones como walkie-talkies e tornou-se uma ferramenta popular em protestos pelo mundo, do Egito à Venezuela e à Ucrânia. Em apenas um dia da última semana, o aplicativo da Zello foi baixado por mais de 150 mil usuários somente na Venezuela.

Muitos acreditam que a guerra da informação na Venezuela esteja apenas no início. Na semana passada, o governo bloqueou a publicação de imagens no microblog Twitter depois da morte de três pessoas em apenas um dia de manifestações de apoio e contrárias ao governo.

Ao longo dos 14 anos de presidência de Hugo Chávez, o governo venezuelano passou a controlar a maior parte do espectro da mídia eletrônica. Nos recentes protestos, as mídias sociais foram cruciais para que os ativistas de oposição se articulassem e trocassem informações sobre mortos, feridos e detidos.

Bloqueio

Diversos sites foram bloqueados na Venezuela, entre eles o NTN24.com, controlado por uma rede de notícias com sede na Colômbia, e o pastebin.com, usado por ativistas para compartilhar informações de maneira anônima. O presidente Nicolás Maduro determinou que a NTN24 fosse tirada do ar após exibir um vídeo com imagens de um estudante morto em Caracas. A empresa norte-americana Renesys, especializada em análise de tráfego na internet, confirmou o bloqueio a sites e a queda na velocidade de navegação, mas observou que não era possível determinar as causas.

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