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A maioria da população de Bolzano, cidade que pertenceu à Áustria e que reluta em comemorar os 150 anos da unificação da Itália, fala alemão | David Yoder/The New York Times
A maioria da população de Bolzano, cidade que pertenceu à Áustria e que reluta em comemorar os 150 anos da unificação da Itália, fala alemão| Foto: David Yoder/The New York Times

A pitoresca Bolzano, cidade no sopé dos Alpes tiroleses, se tornou italiana por uma curva na história, num pacto entre Itália e Áus­­tria após a Primeira Guerra Mun­­dial. Com a maioria da população falando alemão e uma discreta ele­­gância, o lugar ainda parece mais próximo de Viena do que de Roma.

Assim, gerou-se uma pequena surpresa quando o presidente da província autônoma de Bolzano declarou que não se juntaria às festividades nacionais para celebrar o 150.º aniversário da unifi­­cação da Itália, recentemente.

"Fomos retirados da Áustria contra a nossa vontade", disse o presidente da província de Bol­­zano, Luis Durnwalder, numa en­­trevista na vizinha Trento. "Res­­peito aqueles que querem comemorar, mas não vejo motivo para celebração."

Mas Durnwalder, que ajudou Bolzano a negociar sua autonomia com relação a Roma e seus vultosos subsídios estaduais, não é o único cético. Umberto Bossi, líder da Liga Norte, o partido mais forte na coalizão de centro-direita do primeiro-ministro Silvio Ber­­lusconi, classificou as celebrações como "inúteis, e um tanto retóricas" – e alguns membros do partido se recusaram a ficar de pé pa­­ra o hino nacional. A principal organização industrial italiana disse que seria absurdo perder um dia de trabalho em meio à crise econômica.

Além do teatro político, a polêmica reflete uma profunda realidade: enquanto se prepara para comemorar seu 150.º aniversário, a Itália está mais despedaçada do que nunca – política, geográfica e economicamente. O país sempre foi mais uma colcha de retalhos, uma junção de regiões com fortes identidades locais, do que um sólido Estado-Nação. E as celebrações apenas enfatizaram as costuras.

"A Itália nunca esteve tão dividida", afirmou recentemente Gioacchino Lanza Tomasi, musicólogo e filho de Giuseppe Tomasi di Lampedusa – cujo romance de 1958, Il Gattopardo (O Leopardo), figura en­­tre os retratos mais incisivos da unificação italiana –, numa entrevista em Palermo.

Perto dali, num descuidado parque municipal, estava a estátua de Giuseppe Garibaldi a cavalo, sua mão erguida na direção do continente italiano. Foi a chegada de Garibaldi à Sicília, em 1860, junto a levantes pela independência na Itália central, que levou à unificação – uma fusão entre o Reino das Duas Sicílias dos Bour­­bon no sul, a dinastia Savoy e Sar­­denha no norte, alguns Estados Papais e outros poderes feudais.

Ainda hoje, a maioria dos italianos se considera mais um produto de suas cidades-natais ou regiões do que de seu país. O partido do premier Silvio Berlusconi, que controla as regiões de Vêneto e Lombardia, duas potências econômicas, vem promovendo o "federalismo fiscal", um plano de maior autonomia fiscal às regiões. O programa, já parcialmente aprovado, iria essencialmente permitir que as áreas do norte, mais ricas, conservassem uma parte maior de sua receita com impostos.

Muitos acreditam que a Liga Norte – conhecida tanto pelo pragmatismo e habilidade de seus políticos quanto pela rígida postura anti-imigrantes – seja um ti­­po de ameaça separatista mais preocupante do que Durnwalder e seu partido, pois consegue criticar o estado centralizado mesmo sendo um dos pilares da coalizão governante.

John Foot, professor de história italiana na University College, em Londres, aponta uma crescente rejeição, entre uma minoria de italianos, contra "o atual Estado-nação, da forma como foi organizado". "Imagino que essa rejeição pode se tornar cada vez mais radical, caso sejam promovidos formatos extremos de federalismo", diz Foot.

Outros, porém, enxergam es­­se tipo de divisão como tão in­­trínseco ao projeto italiano – uma gran­­de família insubordinada, unida por idioma e religião, sempre em disputa, mas nunca se dissolvendo completamente – que nem mesmo seria uma ameaça.

"O que está acontecendo à Bél­­gica nunca acontecerá na Itália", afirma Giuliano Amato, ex-primeiro-ministro e presidente do comitê de aniversário.

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