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Se amigo é quem ri das nossas histórias, amigo de verdade é quem ouve nossas histórias várias vezes sem reclamar. Po­­rém, qualquer pessoa que grite de alegria ao ouvir uma história pela terceira vez está fingindo, ou é um parente, prisioneiro da ceia de Natal, educadamente disfarçando o horror de ver que a vida pode andar em círculos voltando sempre à mesma piada.

Esse não é um medo inteiramente ba­­nal, de acordo com uma pesquisa publicada no jornal Psychological Scien­­ce. "Vemos pessoas de todas as idades, não apenas idosos, dizendo: ‘Você já ouviu essa?’", diz Nigel Gopie, pós-doutorando do Instituto de Pesquisa Rotman, em Toronto, autor de um artigo sobre lapsos de memória, publicado na edição atual do jornal. "Muitas vezes, temos problemas em lembrar para quem contamos as coisas, e claramente isso começa já cedo."

Em estudos anteriores sobre a memória, os psicólogos separavam as variedades de curto e longo prazo, e documentavam diferenças cruciais, como entre a memória explícita (lembrar de faces e vocabulário) e a implícita (a habilidade para dirigir um carro). Também publicaram centenas de estudos sobre a memória autobiográfica, as falsas memórias e a chamada memória da fonte – a capacidade de relembrar onde um fato foi aprendido, seja no rádio, em um livro, através de um colega de trabalho ou por fofocas da vizinhança.

Mas quase nenhum estudo deu atenção ao que o doutor Gopie e seu co-autor, Colin M. MacLeod, da University of Wa­­ter­­loo, chamam de "memória de destinatário": para quem contamos alguma coisa.

Embora lembrar a fonte da informação seja extremamente importante ("eu li aquilo em um blog satírico ou em um jornal respeitado?"), saber quem foi nosso destinatário também o é.

Isso porque nossas histórias, piadas e fofocas constituem uma parte importante da nossa identidade social, afirmam psicólogos. Além disso, repetir-se não é apenas embaraçoso; pode ser prejudicial para diplomatas, mentirosos ou qualquer pessoa que tente guardar se­­gredos pessoais ou profissionais. "Acho que as pessoas simplesmente acabam monitorando mais suas fontes de informação, mas raramente sabem para quem contam a coisas", diz Morris Moscovitch, psicólogo da Universidade de Toronto.

A principal descoberta de Gopie e Mac­­Leod – de que a memória de destinatário é, em geral, relativamente fraca – ajuda a explicar vários tipos de interação social vergonhosa e irritante.

O experimento

Os pesquisadores fizeram com que 60 estudantes associassem 50 fatos aleatórios ("o coração do camarão fica na cabeça; 8% dos homens são daltônicos") com os rostos de 50 pessoas famosas. Metade dos alunos "contou" cada um desses fatos a uma das pessoas famosas, lendo-os em voz alta quando a imagem da celebridade aparecia em uma tela de computador. A outra metade leu cada fato em si­­lêncio, vendo logo em seguida o rosto de uma celebridade.

Os estudantes realizaram, então, um teste de memória. Uns indicaram os rostos dos quais se lembravam pela situação em que aprenderam um determinado fato; os outros mostraram as faces que os remetiam ao momento em que leram um certo fato em voz alta. Os que simularam contar um fato tiveram um desempenho 16% pior no teste do que os alunos que receberam informações enquanto viam os rostos das celebridades. Os autores do estudo concluíram que a informação "que sai" está menos ligada ao contexto – por exemplo, a uma pessoa – do que a informação "que entra".

Outras conclusões tiradas do estudo sugerem, por exemplo, que histórias muito complexas e cheias de detalhes são aquelas com maior probabilidade de encontrar um destinatário que diga "sei, sei, você já me contou essa".

A boa notícia é que a tendência de bloquear a informação sobre o destinatário para quem contamos alguma coisa pode, na verdade, refletir o trabalho de uma memória saudável. Psicólogos descobriram evidências de que, quando as pessoas alteram uma senha ou mudam o número de telefone de um amigo na agenda, o cérebro automaticamente suprime os números obsoletos.

Esses e outros achados podem ajudar os cientistas a alcançar uma melhor compreensão sobre problemas de memória, até mesmo associados ao envelhecimento precoce.

E uma dica dos pesquisadores pode dar uma mãozinha ao cérebro: chamar o destinatário pelo nome antes de dar uma informação aumenta a precisão da me­­mória. A outra é: se não tiver jeito, é me­­lhor deixar que as outras pessoas se repitam até que a informação vire história oral, passada de pai para filho.

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Interatividade

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