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Imigrantes rohingyas e de Bangladesh sendo transportados em um barco de pesca, em maio, na província de Aceh | ANTARA FOTO/REUTERS
Imigrantes rohingyas e de Bangladesh sendo transportados em um barco de pesca, em maio, na província de Aceh| Foto: ANTARA FOTO/REUTERS

A jovem havia ficado presa em um acampamento na floresta escaldante no sul da Tailândia por dois meses quando lhe ofereceram uma negociação.

Ela fugiu de Mianmar este ano esperando chegar em segurança até a Malásia, depois que ativistas antimuçulmanos queimaram sua vila. Mas sua família não tinha os US$1.260 que os traficantes exigiam para que completasse a viagem.

Um estranho pagaria por sua liberdade, disseram-lhe os traficantes, se ela concordasse em se casar com ele.

“Permitiram que eu ligasse para os meus pais, e eles disseram que, se eu quisesse, seria melhor para a família toda. Entendi o que tinha que fazer”, conta Sharidah Yunus, de 22 anos.

Ela se juntou às centenas de jovens rohingya de Mianmar vendidas em casamento para homens rohingyas na Malásia para escapar da violência e da pobreza em seu próprio país.

Enquanto várias mulheres rohingya concordam com esses casamentos para sair da prisão ou fugir de coisa pior nas mãos dos traficantes, outras são enganadas ou obrigadas. Algumas ainda são adolescentes.

É difícil avaliar quantas, mas oficiais e ativistas estimam que nos últimos anos centenas de mulheres rohingya se casaram dessa maneira, e que os números estão aumentando.

O Alto Comissariado nas Nações Humanas para os Refugiados relatou que, este ano, uma explosão de migrantes marítimos de Bangladesh e Mianmar aumentou as “abduções e casamentos arranjados sem o consentimento das mulheres cujas passagens foram, no final, pagas pelos futuros maridos”.

“Centenas, se não milhares, de mulheres e meninas foram forçadas, vendidas ou levadas a um casamento arranjado por meio desse corredor de tráfico desde 2012”, afirma Matthew Smith, diretor executivo da Fortify Rights, um grupo de defesa de Bangcoc que monitora os refugiados rohingya. “Para algumas famílias, isso é algo indiscutível, como um mecanismo de sobrevivência”.

“As gangues do tráfico estão tratando a situação como um negócio muito lucrativo”, conta ele, afirmando que para as mulheres e meninas, “ser vendida ou forçada a se casar é o menor dos males, e isso é um problema.”

Shahidah Yunus, que hoje divide a casa com seu marido de 38 anos e outros 17 migrantes rohingya na Ilha Penang, na Malásia, afirma que não teve muita escolha depois que um tio que disse que pagaria por sua viagem não cumpriu a promessa.

“Escolhi me casar com meu marido porque os traficantes queriam o dinheiro para me soltar. Tínhamos medo de estupros. Melhor se casar com um homem rohingya que pode tomar conta de nós”, conta ela.

Sharifah Shakirah, uma refugiada rohingya em Kuala Lumpur, na Malásia, que aconselha outros migrantes sobre como se reestabelecer, diz que muitas das mulheres presas pelos traficantes temem que, se não encontrarem um marido rapidamente, “podem ser vendidas para o mercado do sexo” na Tailândia ou na Índia.

Apesar desse tipo de tráfico não ser totalmente desconhecido, parece que está sendo usado mais comumente como uma ameaça do que como algo real.

Algumas mulheres não tem opção, de acordo com Smith, da Fortify Rights.

“Eles não querem nem saber”, disse uma menina de 15 anos sobre seus traficantes, de acordo com as notas de Smith. “Se alguém paga, temos que ir com ele.”

As jovens geralmente fazem a viagem sob a pressão dos pais que, ansiosos para mandar suas filhas para um lugar seguro e reduzir suas cargas domésticas, são enganados pelas promessas otimistas dos traficantes sobre os custos da viagem e a boa vida que espera por elas na Malásia, afirmam rohingyas e especialistas.

Na verdade, mulheres solteiras que entram nos barcosdos traficantes sem ter como pagar se transformam em mercadoria, mantidas em um acampamento ou no navio até que alguém compre sua liberdade.

Se os traficantes sabem que a família da mulher não pode pagar pelos custos, “vão avisar outras pessoas e dizer: ‘Temos essa mulher’”, conta Sharifah Shakirah.

Os maridos normalmente acabam sendo mais velhos e mais pobres do que o prometido. Algumas mulheres se veem presas a relacionamentos infelizes e abusivos.

Dois anos atrás, Ambiya Khatu, de 21 anos, casou-se na Malásia com um homem que pagou US$1.050 para libertá-la dos traficantes na Tailândia. “Mesmo ele sendo muito velho para mim, minha mãe concordou com o casamento. Não havia ninguém para me resgatar, então aceitei.”

Em Mianmar, antiga Birmânia, ela esperava estudar enfermagem e trabalhar em um hospital. Hoje vive em um subúrbio de Kuala Lumpur, a capital da Malásia, cuidando de sua mãe, de sua irmã doente e do filho de sua irmã em um quarto lotado, enquanto espera pelo retorno do marido. Ele desapareceu meses atrás, dizendo que ia procurar trabalho.

“Depois que fui resgatada, meu marido perguntou se queria me casar com ele. Ele disse: ‘Se não quiser se casar comigo, pode apenas me pagar o dinheiro que gastei com você’”, conta Ambiya Khatu.

O que era impossível.

“Não conheço a língua, então como vou trabalhar para pagá-lo? Também não possuo parentes aqui, e não tenho documentação, então não havia nenhuma opção para mim a não ser o casamento.”

Sua mãe, Mabiya Khatu, balança a cabeça e murmura desaprovando. Seu próprio marido foi morto em 2012, quando os agitadores arrasaram a vila em que moravam, deixando a família empobrecida, afirma ela. A alternativa era que suas filhas fossem vendidas como escravas sexuais, conta.

“Se não tivesse dado minha filha para ele, os traficantes poderiam vendê-la para as pessoas erradas. Os traficantes tentaram vender minhas duas filhas, então eu as casei, e agora elas estão em segurança, e pelo menos temos comida.”

A mais jovem das Khatu faz uma careta. “Eu não gostava dele, mas tinha que gostar.”

Algumas das mulheres que se casam para pagar a taxa dos traficantes descrevem o fato como uma escolha, mas Susan Kneebone, professora da Universidade de Melbourne, na Austrália, que estuda migrações forçadas e casamentos no Sudoeste da Ásia, diz que esses acordos equivalem ao tráfico quando há violência, ameaças ou quando promessas falsas são feitas.

“A ideia de tráfico, na verdade, envolve abuso de poder. Essas mulheres não têm muita liberdade em suas próprias comunidades, eu suspeito, e tudo isso fica pior pelo fato de que estão viajando para outro país.”

Quando a violência antimuçulmana começou no oeste de Mianmar em 2012, a maioria dos refugiados eram homens, mas o número de mulheres e crianças fugindo do país aumentou nos últimos dois anos.

Uma das razões é a falta de homens rohingya qualificados em Mianmar. O número escasso também fez subir o custo dos dotes pagos pelas famílias das noivas, diz Chris Lewa, uma defensora dos direitos dos rohingyas em Bangcoc. Por outro lado, conta ela, a grande quantidade de homens rohingya em relação às mulheres na Malásia fez com que eles quisessem pagar pela viagem das noivas e deixar de lado o dote.

Este ano e em 2014, diz ela, “podemos dizer com segurança que pelo menos cinco mil jovens entraram nos barcos e teriam se casado depois de chegar à Malásia”.

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