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As várias faces do ex-ditador líbio Kadafi, considerado tirano por uns e mártir por muitos africanos | Fotos: AFP e Reuters
As várias faces do ex-ditador líbio Kadafi, considerado tirano por uns e mártir por muitos africanos| Foto: Fotos: AFP e Reuters

Justiça

Herdeiro de ex-ditador diz que é inocente

Filho de Muamar Kadafi que fugiu dos rebeldes líbios, Saif al Islam, considerado o herdeiro político do ex-ditador, negocia uma possível rendição com o Tribunal Penal Internacional (TPI), que o acusa de crimes contra a humanidade.

Na sexta-feira, o TPI disse que mantinha "contatos informais" com Saif sobre sua possível rendição ao tribunal. "Estamos em contato informal com Saif através de intermediários", declarou o promotor Luis Moreno Ocampo.

Segundo Ocampo, os contatos são feitos por intermediários e o filho de Kadafi tenta entender o que aconteceria se fosse inocentado das acusações. "Ele se diz inocente, ele quer provar que é inocente, e está interessado em saber as consequências disso".

O promotor disse ainda que não estavam fazendo acordo algum com Saif al Islam, mas apenas explicavam que ele deveria ser julgado pelos crimes de guerra de que é acusado. "O gabinete do promotor disse claramente que, se ele se render ao TPI, terá direito de ser ouvido ante ao tribunal e será inocente até que se prove o contrário."

O regime de Muamar Kadafi despejou dezenas de bilhões de dólares em alguns dos países mais pobres da África. Mesmo quando chegava em visita oficial, o excêntrico governante líbio conquistava a admiração por dar dinheiro na mão de mendigos nas ruas. "Outros chefes de Estado apenas passam por aqui de limusine. Kadafi parava, afastava seus guarda-costas e apertava nossas mãos", disse Cherno Diallo, atrás de centenas de gaiolas de pássaros que ele vende todos os dias no mercado popular, perto de um hotel cuja construção foi financiada pela Líbia. "A morte de Kadafi realmente entristeceu a nós do Mali. Estamos chateados", ele disse.

Enquanto as potências ocidentais comemoraram a queda e o fim de Kadafi, muitos africanos subsaarianos se reuniram nas mesquitas construídas com dinheiro de Kadafi para rezar pelo homem que eles consideram um mártir anti-imperialista e um benfeitor.

Os críticos, contudo, notam que essa imagem está em contraste com a história de Kadafi ter apoiado alguns dos líderes rebeldes mais brutais da África, bem como ditadores. Kadafi enviou, na década de 1970, 600 soldados para apoiar o odiado Idi Amin Dadá, no período final da ditadura em Uganda.

Insurgentes financiados por Kadafi e partidários do ex-ditador da Libéria, Charles Taylor, recrutaram à força crianças e cortavam mãos e braços das suas vítimas durante a brutal guerra civil em Serra Leoa.

"Será que a vida de Kadafi era mais importante que os milhares de vidas das pessoas mortas durante as guerras nesses dois países?" questionou um lojista na Gâmbia, pequeno país da África Ocidental, que falou sob anonimato, temendo recriminações dos seus compatriotas.

Alguns analistas estimam que o regime de Kadafi, que chegou ao final em agosto, investiu mais de US$ 150 bilhões em países estrangeiros, grande parte em países empobrecidos da África.

"Kadafi foi um revolucionário verdadeiro, que tinha como meta melhorar a vida nos países subdesenvolvidos", disse o xeque Muthal Bin-Muslim, da mesquita Kadafi na capital de Serra Leoa, a qual foi construída com dinheiro da Líbia. Fiéis muçulmanos planejavam uma vigília de uma noite inteira em homenagem ao falecido líder líbio.

Em Bamako, capital da nação desértica do Mali, uma enorme mesquita financiada pela Líbia foi construída bem ao lado da Embaixada dos Estados Unidos. E em Uganda, Kadafi construiu uma mesquita que pode abrigar mais de 30 mil fiéis ao mesmo tempo. Empresas financiadas pela Líbia – de telefonia móvel a fábricas de biscoitos – têm um valor de mercado de US$ 375 milhões e empregam mais de 3 mil pessoas apenas em Uganda.

"Kadafi foi um padrinho para muitos ugandenses", disse Mohammed Kazibaka, diretor de uma escola fundada pela Líbia em Kampala, capital ugandense.

Kadafi também construiu um palácio para um dos principais reis de Uganda. Foi uma doação adequada para um homem que viajava às cúpulas da União Africana (UA) vestido com um túnica verde bordada a ouro, flanqueado por sete homens que se diziam os "reis tradicionais da África".

Kadafi usou a riqueza petrolífera da Líbia para ajudar a criar a União Africana (UA) em 2002 e também serviu como seu presidente rotativo. Durante a guerra civil contra Kadafi, a UA condenou os bombardeios da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), quando cresciam as provas de que os militares do ex-governante massacravam civis.

A influência de Kadafi se estendeu mesmo até a maior economia africana, a da África do Sul: o líder líbio apoiou o partido do Congresso Nacional Africano (CNA) na sua luta contra o regime racista do apartheid, e permaneceu próximo a Nelson Mandela após o ícone da luta contra o regime supremacista branco ter virado o primeiro presidente negro do país, em 1994. A Liga dos Jovens do CNA descreveu Kadafi como um "mártir anti-imperialista".

F. Mbossa, uma professora de 52 anos em Brazzaville, capital da República do Congo, se disse chocada pela "arrogância do Ocidente" ao conduzir os ataques aéreos da Otan. "Ficou claro que a França e os outros nunca quiseram uma África verdadeiramente independente e é por isso que eles nunca hesitaram em matar aqueles que defendem uma África unida e forte", disse a professora, com lágrimas nos olhos. "Para a África, Kadafi permanece um mártir".

Kadafi também fomentou a instabilidade. Ele financiou movimentos rebeldes que cometeram alguns dos piores abusos contra os direitos humanos no continente africano, incluídos os brutais massacres e mutilações em Serra Leoa. O líder líbio também forneceu armas, treinamento e dinheiro aos insurgentes na Libéria e em Gâmbia. Além disso, invadiu o Chade entre 1980 e 1989.

O historiador Stephen Ellis apelidou os Quartéis Generais Revolucionários de Kadafi, que ficavam na periferia de Benghazi, como "a Harvard e a Yale de uma geração inteira de revolucionários africanos". Na década de 1980, esse grupo incluía Charles Taylor da Libéria e Foday Sankoh de Serra Leoa, bem como o congolês Laurent Kabila.

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