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No Cairo, manifestantes protestam contra a atual situação econômica do Egito, em frente ao Parlamento | Mohammed Abed/AFP
No Cairo, manifestantes protestam contra a atual situação econômica do Egito, em frente ao Parlamento| Foto: Mohammed Abed/AFP

Opinião

A Tunísia pede mais empregos

Marcos Dias de Araújo, mestre em História e professor de Relações Internacionais das Universidades Tuiuti e Positivo

A revolta no Magreb pode ge­­rar mais crises, e sempre é sa­­lutar quando um movimento derruba um regime ditato­­rial

Depois do fim do comunismo, acostumamo-nos a ver manifestações sociais como atitudes atrasadas, de "neobobos" que não queriam se adaptar ao mundo moderno da tecnologia, da informação, dos novos empregos e do fim dos velhos empregos. Do mundo árabe, só vinham terroristas fundamentalistas a fim de desestabilizar essa região e o mundo, buscando uma sociedade pautada pelo Corão, livro do século 7 d. C.!

Porém, desde o dia 17 de de­­zembro, o Magreb – região norte da África – vem assistindo a manifestações pesadas (mais de dez pobres da Tunísia, Argélia e Mauritânia atearam fogo em seus corpos) contra a situação da economia local. No primeiro caso, num protesto contra a proibição pela venda de legumes nas ruas. Depois, numa onda de protestos contra o desemprego que resultou em caos e na queda do ditador da Tunísia, o general Zi­­ne Al-Abidine Ben Ali.

Os analistas avaliam que a on­­da de protestos pode se espalhar pelos países vizinhos, inclusive Líbia e Marrocos, desestabilizando as ditaduras da região. Depois de décadas em que a agitação teve caráter religioso, no conflito entre fundamentalistas e laicos, mais uma vez a questão so­­cial reaparece. Foram o desemprego e a fome, a ausência de po­­líticas sociais face à corrupção e a violência dos agentes sociais que levaram à escalada de violência que prosperou na Tunísia.

Bom agouro, a revolta pode gerar mais crises. Sempre é salutar quando um movimento derruba um regime ditatorial. Mas, no caso da Tunísia, teme-se uma perpetuidade no poder das mesmas forças que foram derrubadas pelo movimento popular. Para se instalar, o governo provisório tunisiano chamou muitos membros da agremiação política do ditador e manteve de fora das negociações, inclusive em prisões, os comunistas e os islâmicos radicais, por acaso as maiores forças de oposição no país, mantendo as relações do novo com o antigo regime.

De fato, não existe maior me­­do no Ocidente que os islâmicos radicais wahabistas tomando o poder na Argélia, iniciando um processo que varreria o norte da África. Felizmente, esta revolta teve outro caráter, mas nós sabemos que o fundamentalismo cres­­ce na ignorância e no desemprego. Afinal, o desespero dos suicidas pode muito bem levar a que esses mesmos jovens sejam re­­crutados para explodir ambientes religiosos ou turísticos, como no atentado de 2002 a uma sinagoga da Tunísia.

A crise serve de alerta para to­­dos os que berram alegremente que a nossa era é a do fim do em­­prego. A mais recente onda de protestos está associada ao fim do em­­prego, à fome e à re­­volta. E gente desesperada ateia fogo ao próprio corpo, queima prédios, ma­­ta juízes e derruba generais. Uma ira louca, mas também santa.

  • Em Sidi Bouzid, na Tunísia, um homem ateou fogo a si mesmo, dando início à onda de manifestações contra o governo
  • Zine Al-Abidine Ben Ali, presidente da Tunísia desde 1987, renunciou após a onda de protestos no país
  • Confira quais países estão sofrendo com a onda de protestos

A onda de protestos populares que varre a Tunísia desde dezembro e que culminou com a re­­nún­­cia do presidente do país Zine Al-Abidine Ben Ali, há cerca de uma semana, deu início a manifestações em outras nações árabes da África, como Egito, Jor­­dânia, Argélia e Iêmen. A preocupação da comunidade internacional é que as revoltas piorem o clima de instabilidade po­­lítica, econômica e social existente na região.

"Todos esses países muçulmanos do norte da África têm uma herança colonial forte. São países pobres, com rendas per capita muito baixas e com uma po­­pulação muito mal remunerada", observa Pedro Paulo Funari, coordenador do Centro de Es­­tu­­dos Avançados da Universidade Estadual de Campinas (Uni­­camp). Para ele, esse é o fator mais importante para entender como a Tunísia chegou à situação atual.

Funari explica que essas so­­ciedades são muito parecidas estruturalmente, pois são países que têm grandes parcelas de suas populações inseridas na pobreza, com elites muito bem encasteladas no poder e regidos por regimes ditatoriais sufocantes. "Isso significa que estão dadas as condições para que algo similar também ocorra no Egito."

Em comparação às demais nações de maioria muçulmana do mundo árabe, a Tunísia era vista como um país estável e de­­tentor de um dos melhores Ín­­dices de Desenvolvimento Hu­­mano (IDH) do continente africano. Nenhuma dessas características, porém, fez os tunisianos se calarem frente aos abusos econômicos e a falta de assistência à parcela mais carente da população. Um passo importante rumo à democratização do país.

"A revolução pela qual passa a Tunísia, após a renúncia de Ben Ali, parece ter dado mais voz ativa aos tunisianos", avalia Rafael Pons Reis, professor do curso de Relações Internacionais do Uni­­Curitiba. O professor também afirma que o país vive – desde a fuga de Ben Ali para a Arábia Saudita – um momento especial, graças à possibilidade de formação de um novo governo, sem vínculos com a ideologia que predominava até então. "Tra­­ta-se de um momento em que a Tu­­nísia poderá vir a descobrir como os árabes poderão instituir a democracia em seus países."

Mas não se trata de uma tarefa fácil. Para que o novo governo tenha sucesso, não poderá prescindir da ajuda popular. "Sem a participação pública, sem o au­­mento do envolvimento da po­­pulação, fica difícil pensar numa transição democrática para o país. Sem isso, haverá um processo transicional sim, mas apenas como uma manobra de fa­­chada", argumenta Pons Reis.

Estado islamita

A construção de um Estado islamita na Tunísia – afinal, trata-se de um país de maioria muçulmana – é uma preocupação emi­­nentemente ocidental, mas po­­de não se concretizar. "No caso da Tunísia, as manifestações e protestos parecem não ter ligação com os islamitas. Ao contrário, pois o que se percebe é a participação de grupos mais liberais no aspecto cultural", destaca Pedro Paulo Funari.

Para as potências econômicas do Ocidente, o temor da instauração de um Estado islamita na Tunísia passa pelo receio de que a população – miserável, composta por camponeses de maioria pobre e analfabeta – possa vir a eleger um candidato islamita. "Um presidente sobre o qual a parcela da população mais in­­formada, que tem acesso à internet, fala francês e que co­­mandou os protestos nas ruas de Túnis [capital do país], não terá controle", afirma Funari.

Medo de democracia

De acordo com o coordenador do Centro de Estudos Avan­­çados da Unicamp, as potências ocidentais temem a democracia nos países islâmicos porque acreditam que se ela for construída de fato – com eleições livres e partidos diversos – possa acontecer o mesmo que ocorreu na Ar­­gélia em 1992, quando os radicais islâmicos chegaram ao poder.

"A vitória islamita, nesse caso, resultou num golpe de Estado e numa guerra civil violentíssima", relembra.

Apesar do receio ocidental da instauração de um Estado islâmico na Tunísia, Rafael Pons Reis considera o levante tunisiano altamente positivo. "Não podemos deixar de considerar esse caos político be­­néfico, já que abre espaço pa­­ra uma nova geração."

O professor do UniCuritiba se refere ao fato de que, em várias partes do mundo, jo­­vens tunisianos se reuniram em frente às embaixadas da Tunísia para protestar contra a atual situação do país.

"Uma geração que talvez tenha a capacidade de conduzir a Tu­­nísia a um processo democrático de valor inestimável às futuras gerações", conclui.

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