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Há relatos de que espíritos vagam pelos corredores de mansão, enquanto aplauso dos fantasmas pode ser ouvido tarde da noite | JANE HAHN/NYT
Há relatos de que espíritos vagam pelos corredores de mansão, enquanto aplauso dos fantasmas pode ser ouvido tarde da noite| Foto: JANE HAHN/NYT

As equipes de construção estão trabalhando duro para reformar a Mansão Executiva deste país, o enorme edifício histórico que deveria ser o lar de quem quer que ganhe as eleições presidenciais.  

Isso, se eles tiverem coragem para se mudar.  

O lugar, segundo os liberianos, é mal-assombrado e amaldiçoado. Sou da Libéria, então eu sei. Nenhum presidente que dormiu na Mansão por um tempo mais longo teve um bom final de vida. Dizem que os espíritos vagam pelos corredores enquanto o aplauso dos fantasmas pode ser ouvido tarde da noite, como se estivessem batendo palmas no final de um discurso.  

Guardas que tomam contam da Mansão – todo mundo na Libéria a chama assim – relatam que algumas vezes durante a madrugada, na época em que o presidente William R. Tolbert foi assassinado, de pijama e robe, por homens liderados por um sucessor (que também encontraria seu fim prematuramente), o cheiro de alimentos cozidos enchia o ar enquanto os fantasmas preparavam a última refeição do pobre homem.  

A atual presidente da Libéria, Ellen Johnson Sirleaf, parece ter chegado intacta ao final de seu mandato; ela vai sair do cargo em janeiro depois que seu sucessor for escolhido em um segundo turno.  

Se isso acontecer. Com apenas uma exceção, os integrantes dos principais partidos dispostos a substituí-la, que não chegaram na frente na eleição de 10 de outubro, estão reclamando que a votação, que os observadores internacionais garantiram ter sido justa, não foi.  

Preocupados com o fato de que a ex-estrela do futebol George Weah, que obteve de longe a maioria dos votos em outubro, esteja fadado a ganhar o segundo turno, três dos principais candidatos, incluindo o próprio vice-presidente de Sirleaf, pediram que o resultado da eleição seja anulado. Eles acusaram Sirleaf, que não apoiou ninguém publicamente, de interferir em nome do jogador, a quem ela já superou nas urnas duas vezes.  

Reforma

Seja como for, uma coisa parece clara: Sirleaf sobreviveu. E o senso comum aqui é que uma das razões para isso é que ela se recusou a dormir na Mansão, a não ser por algumas noites em 2006, logo depois de ter tomado posse. 

Como se diz na Libéria, "uma vergonha pequena é melhor do que uma grande". Em poucos dias, Sirleaf voltou para sua própria casa, afirmando que o local precisava ser redecorado antes que ela pudesse se mudar. 

Amigos próximos e assessores de Sirleaf dizem que ela ficou consternada com o que encontrou quando chegou ao prédio. No quarto principal, que abrigou seus predecessores, as janelas foram pintadas de preto. A mesma coisa aconteceu na pequena sala de jantar privada.  

O corredor longo e assustador em que Tolbert foi morto continuava longo e assustador. As paredes do banheiro principal eram de espelhos. As paredes e o carpete de uma sala de estar circular no andar de baixo dos aposentos residenciais estavam manchados de sangue.  

As equipes de construção trabalham para reformar a Mansão Executiva do paísJANE HAHN/NYT

De maneira conveniente, dois meses depois, um incêndio, que as autoridades afirmaram ter ocorrido por falha elétrica, mas que a maioria das pessoas acredita ter sido criminoso, destruiu boa parte do interior da residência, permitindo que Sirleaf ordenasse uma reforma bacana e longa, que não terminaria até que seu mandato acabasse. 

Doze anos e dois mandatos presidenciais depois, a reforma ainda não acabou. Quando o presidente George W. Bush fez uma visita ao país em 2008, ele sacudiu o esqueleto com Sirleaf ao som de músicas liberianas nos jardins da Mansão, mas não lá dentro.  

A reforma deve terminar em cerca de dois anos, mais ou menos na marca de um terço do mandato do próximo presidente.  "Aí nós vamos ver!", diz Steven Togba, de 82 anos, que é chamado de Old Man Steven e vive perto da Mansão no bairro de Boozy Quarters.  

Old Man Steven afirma que não moraria ali nem se lhe pagassem. "Você viu o que aconteceu com Tolbert?", pergunta. Então, ele relembra outros ocupantes. "E Doe? E Tubman?"  

Visto assim, não é difícil entender por que ninguém confia no lugar.  

Mortes

O presidente William Vacanarat Shandrach Tubman, que cumpriu mandatos por 27 anos, construiu o local no começo da década de 1960. Em 1964, ele se mudou. Viveu sete anos relativamente em paz ali antes de cair morto em 1971, aos 75 anos.  

Como poucas pessoas aceitam que os liberianos possam morrer de causas naturais, vários atribuíram a morte de Tubman à profecia de Wilhelmina Bryant-Dukuly, conhecida como Mother Dukuly, que avisou Tubman publicamente que se ele permitisse que qualquer tipo de faca tocasse seu corpo, morreria.  

Tubman não prestou atenção à Mãe Dukuly e se submeteu a uma operação de câncer de próstata em Londres. E morreu.  

O seguinte foi Tolbert. Depois de um reinado de nove anos, Tolbert foi atacado no escuro da noite por soldados de seu próprio exército, liderados pelo então chefe dos sargentos Samuel Doe, no já mencionado corredor longo e assustador dos aposentos residenciais da Mansão.  

Os soldados atiraram três vezes contra Tolbert, depois arrancaram seu olho direito e, finalmente, o destriparam. Eles prenderam a primeira-dama, Victoria Tolbert, e as crianças. E um pelotão executou os membros do gabinete de William Tolbert em uma praia não muito distante da mansão.  

O lugar, segundo os liberianos, é mal-assombrado e amaldiçoadoJANE HAHN/NYT

Um túnel até o mar, construído sob a Mansão para ajudar os moradores a fugir desse tipo de ataque, não pode ser utilizado naquela noite porque o elevador não estava funcionando.  

Doe assumiu a presidência e foi morar na Mansão. Os liberianos dizem que ele colocou jacarés no porão para alimentar com pessoas, mas Sirleaf insiste que quando se tornou presidente e mandou trabalhadores até lá para descobrir a verdade, eles não encontraram poço algum.  

"Apenas o túnel", disse ela.  

Mas uma das janelas do sexto andar, através da qual os guardas dizem que pessoas foram rotineiramente empurradas, permanece em seu local. Não é surpresa que ela seja bastante evitada.  

De qualquer maneira, Doe durou dez anos, até 1990. O culpado de sua queda foi o príncipe Johnson, que chegou em quarto nas eleições presidenciais de outubro. Em 1990, Johnson era um senhor da guerra, líder da Frente Nacional Patriótica da Libéria, e atacava Doe.  

Doe fez uma barricada na Mansão por meses enquanto a luta para derrubar seu regime prosseguia. Em nove de setembro de 1990, no dia que deixou a casa para visitar tropas internacionais de paz, as forças de Johnson atacaram.  

Eles capturaram Doe durante um tiroteio e o levaram para uma caverna. Johnson então se filmou bebendo uma cerveja enquanto seus homens cortavam as orelhas de Doe. Outro vídeo, feito horas depois, termina com Doe dizendo, "Não, por favor, meu pênis não".  

Anos de guerra civil se seguiram e, em 1997, o senhor da guerra Charles Taylor foi eleito presidente. Ele estupidamente se mudou para a Mansão antes mesmo de ser eleito. E, em outubro de 1996, pagou o preço – ou pelo menos seus protetores pagaram – quando atacantes apareceram para matá-lo. Sete guarda-costas de Taylor perderam suas vidas, incluindo um que cobriu o corpo do chefe com o seu próprio na banheira.  

Taylor acabaria por ser expulso da cidade em 2003, e, depois disso, foi condenado por crimes de guerra. Ele está cumprindo sua sentença de 50 anos em uma prisão britânica.  

Dada a história do prédio, poucos liberianos culpam Sirleaf por não querer morar nele. Em vez disso, ela vive em uma vila luminosa e altamente policiada perto do mar no bairro de Fish Market, em Monróvia, onde pode nadar em paz em sua piscina.  

Enquanto isso, os trabalhadores da construção continuam a reformar a Mansão para o próximo presidente. Sirleaf afirmou que deseja tudo de bom ao sucessor em sua nova casa.  

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