Agência americana cooperava com o país
Washington - A Agência Central de Inteligência (CIA) dos EUA e os serviços de inteligência da Líbia desenvolveram uma relação tão próxima durante o governo de George W. Bush que Washington enviava suspeitos de terrorismo para interrogação na Líbia e sugeria as perguntas que deveriam ser feitas. Reportagens publicadas pela imprensa internacional revelam também que o serviço de espionagem britânico MI6 entregou dados de opositores a Kadafi.
Diplomacia
Posição do Brasil no conflito é delicada
O governo brasileiro posicionou-se contra a intervenção, em votação no Conselho de Segurança da ONU, onde o país ocupa assento temporário. Com o fim iminente do conflito, lideranças rebeldes chegaram a demonstrar certa decepção com a posição brasileira. Segundo George Joffe, especialista em Oriente Médio e norte da África da Universidade de Cambridge, porém, não deve haver retaliação. "Depende do que o Brasil fizer agora. Se aceitar o novo poder, poderia haver retaliação, mas não necessariamente ela ocorrerá. Os rebeldes já disseram que irão cumprir os contratos em vigor."
O professor de Ciência Política Abdulkhaleq Abdula, da Universidade dos Emirados Árabes, acha que o Brasil errou em sua posição. "O país deveria ter apoiado a intervenção, mas as coisas começarão do zero e o país pode se recuperar", aposta.
O Brasil participou em 1º de setembro da conferência em Paris, que reuniu representantes de 63 países para discutir o futuro da Líbia e o apoio ao Conselho Nacional de Transição. O Brasil manifestou apoio ao povo líbio, mas ratificou que irá esperar que a ONU reconheça o CNT para depois reconhecê-lo como legítimo governo líbio. O país tem interesses econômicos na Líbia, sobretudo nos setores de infraestrutura e petróleo.
Há quatro empresas brasileiras com negócios nesta nação: Petrobras, Odebrecht, Queiroz Galvão e Andrade Gutierrez.
Trípoli - O cenário da Líbia após Muamar Kadafi é bastante incerto. Tanto pode haver um quadro de relativa estabilização, com os rebeldes à frente de um governo interino e posterior elaboração de uma Constituição e convocação de eleições, como o país do norte da África pode submergir no caos e em lutas sectárias, observam especialistas em relações internacionais entrevistados pela Agência Estado.
"No geral, o Conselho Nacional de Transição (CNT) parece no poder", afirma, por telefone, o professor George Joffe, especialista em Oriente Médio e norte da África da Universidade de Cambridge, apesar de reconhecer problemas e desafios para essa liderança. Já o professor Heni Ozi Cukier, da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM) de São Paulo, diz que há o risco de o país se fragmentar em várias unidades. "Isso vai depender dos insurgentes que partiram da Cirenaica conseguirem ou não exercer o poder sobre as outras duas regiões líbias, a Tripolitânia e o Fezzan", diz.
Vitoriosos
Os vencedores, diz Cukier, foram a França, a Itália e os países da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) que apostaram na rebelião que começou em Benghazi, na Cirenaica. "Em algum momento, a França colherá seus benefícios. Não houve custo humano para os europeus. Para a França, foi uma aposta. Paris arriscou seu capital político", diz Cukier. Insuflado pelo filósofo Bernard-Henri Lévy, o presidente francês Nicolas Sarkozy pressionou as Nações Unidas a aprovarem a resolução 1973, a qual autorizou os bombardeios da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) para proteger os civis revoltados em março.
No caso da Itália, o apoio aos insurgentes "foi meio constrangedor. Silvio Berlusconi era amigo de Kadafi. Mas, se a Itália não apoiasse os rebeldes, suas empresas poderiam ser excluídas da Líbia", diz Cukier.
Joffe acredita na possibilidade de os rebeldes instituírem um governo provisório e de fato controlarem o país. Segundo ele, há muitas incertezas, mas pode haver um quadro similar ao do Egito e da Tunísia, países árabes do norte africano onde governos foram derrubados este ano. Cukier é mais pessimista, notando que a Líbia ainda é um país com muitas lideranças de origem tribal e sem instituições.
Petróleo
Há uma forte expectativa tanto dos países da Otan que apoiaram os insurgentes, quanto das companhias petrolíferas em geral, sobre a retomada da produção petrolífera do país.
Antes de estourar o conflito civil, em 17 de fevereiro, a Líbia produzia 1,48 milhão de barris diários de petróleo, dos quais exportava 1,1 milhão, segundo informações da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep). A produção de petróleo, que era quase toda exportada para Espanha, Fran ça, Suíça, Itália e Grã-Bretanha, foi suspensa, enquanto o gasoduto foi fechado.
Paolo Scaroni, dirigente da estatal de energia da Itália, ENI, acredita que até 15 de outubro o gasoduto será reaberto.
Novo Iraque?
Cukier acredita que a exportação não será retomada no curto prazo. "A sociedade líbia agora é uma sociedade armada pela Otan e pelos saques feitos aos arsenais do Kadafi. É provável que aconteça uma situação anárquica como ocorreu no Iraque após a invasão norte-americana de 2003. No Iraque, a violência não acabou até hoje", lembrou.
"No Iraque existem três grandes grupos, que são os árabes sunitas, os árabes xiitas e os curdos, que são muçulmanos mas não são árabes. Na prática, também existem dois países: o Iraque dos árabes e o Curdistão iraquiano, uma região semiautônoma no norte. O Iraque tinha instituições como o Exército, que foram destruídas na invasão e logo após. A Líbia nunca teve instituições, Kadafi nunca deixou o exército se fortalecer", diz Cukier.
O professor de Cambridge, por sua vez, vê uma preocupação das potências em evitar novos desastres. "Não há dúvida de que eles não devem intervir, pois não querem repetir o Iraque ou o Afeganistão. Não é uma intervenção direta", compara Joffe.
Cukier lembra que existem 140 tribos árabes e berberes na Líbia, e mesmo entre esses povos há diferenças significativas entre os que vivem no leste do país, a Cirenaica, os que vivem no oeste, onde está Tripoli, e os que vivem na região desértica do interior, o Fezzan, onde é extraído grande parte do petróleo e do gás. "As três regiões sempre foram separadas. A Líbia só foi unificada pela força, primeiro pelos italianos e depois por Kadafi", diz.
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