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      O "pré-sal" boliviano pode ser visto a olho nu do espaço. Esten­­dendo-se por 200 quilômetros ao sudoeste da Bolívia, o salar do Uyuni é um deserto branco há muito frequentado por pessoas que desejam ter a sensação de "estar em outro planeta", como descrevem os anúncios turísticos. A preocupação ambiental, porém, potencializou-o como uma das maiores riquezas energéticas deste planeta.O Uyuni contém metade das reservas de lítio conhecidas no mundo. Tradicionalmente usado em lubrificantes industriais e re­­médios, este elemento químico passou a despertar o interesse da indústria automotiva e eletrônica. Os projetos de carros elétricos, apon­­tados como possível alívio para os índices de poluição, passam necessariamente pelo desenvolvimento de baterias à base de lítio.

      Consciente do poder econômico que pode vir a ter, o presidente boliviano, Evo Morales, começa a articular a alquimia do sal em ouro. Porém a exploração do lítio em Uyuni esbarra na política nacionalista defendida por ele. Morales considera os recursos minerais da Bolívia um "patrimônio do povo" – garantido pela constituição aprovada em seu governo – e cria barreiras para a entrada de empresas estrangeiras no país.

      Várias multinacionais, como Mitsubishi, LG, e a brasileira Vale, tentam, ou tentaram, firmar parceria com o governo para a exploração das reservas. A cada investida do capital privado, Morales faz alguma contraproposta distante da realidade econômica. Ora pede 60% do lucro obtido com a venda do material in natura, ora pede participação nos ganhos com a venda dos carros elétricos.

      Avesso aos investimentos das multinacionais, Morales prefere construir um modelo estatal de produção, mas está limitado pela capacidade de investimento do governo.

      Uma usina piloto foi inaugurada na última quinta-feira, a um custo de US$ 6 milhões. A capacidade produtiva inicial é de 500 toneladas ao ano, muito inferior à demanda atual de 23 mil toneladas. No discurso inaugural, Mo­­rales afirmou, porém, que a partir de 2013 a usina receberá um aporte de US$ 350 milhões e passará a operar em escala industrial. Atual­mente, a tonelada do lítio em formato carbonato custa US$ 6.613, mas o preço deve subir caso a demanda aumente.

      As autoridades bolivianas trabalham com números superlativos. Segundo representantes do setor energético do país, o salar do Uyuni tem 100 milhões de toneladas de lítio. Não há estudos oficiais para a região, mas centros de pesquisa em geologia estimam bem abaixo, em 5,4 milhões de toneladas, a quantidade total do metal presente no Uyuni.

      O economista André Azevedo, especialista em política comercial, acredita que a abertura comercial é a maneira mais eficiente de am­­pliar o lucro. "Os países da América Latina que se abriram foram re­­compensados, co­­mo é o caso do Brasil e do Chile", afirma.

      Azevedo insere o possível uso do lítio em um modelo dominado pela produtividade ampliada, em que industrialização e tecnologia são indispensáveis: "O setor automobilístico é caracterizado pela existência de economia em escala. Nesse cenário, quanto mais se produz, menor o custo médio. Con­­sequentemente, maior será o lu­­cro. A produção artesanal vai ser dominada e tende a ser suplantada", analisa.

      Na frente

      O caminho apontado pelo economista foi adotado 27 anos atrás pelo Chile, possuidor da segunda maior reserva de lítio do mundo, no salar do Atacama. Em 1982, foi criada a Sociedade Chilena de Lítio Limitada. Apesar de o nome sugerir uma estatal, a empresa é uma joint venture (sociedade em que as partes assumem riscos e lucros igualmente) entre o governo chileno e a multinacional do setor químico Chemetall, baseada na Alemanha.

      A reserva chilena é inferior à boliviana, mas dela se extrai uma quantidade superior de lítio, responsável por abastecer 95% da demanda mundial. Gran­­de parte dessa porcentagem está ancorada na reserva de mercado que o país ganhou ao se associar com a Chemetall, que possui em sua holding empresas de transformação que adquirem o minério chileno.

      E este é um filão que a Che­­metall não parece disposta a dividir. Estudos feitos pela corporação estipulam que, até 2020, cerca de 10% da frota mundial de automóveis será elétrica. A empresa espera fornecer o lítio-metal que estará nas baterias desses carros e pretende usar o salar do Atacama para extrair a matéria-prima. Segundo a Chemetall, as reservas do Ata­­cama são suficientes para durar de 216 a 1.293 anos, dependendo do cenário.

      João Carlos Biondi, professor de geologia da Universidade Federal do Paraná, aponta as diferenças entre os salares de Uyuni e do Ata­­cama: "No Chile, as reservas são conhecidas, enquanto na Bolívia os números que temos são especulativos. Mas essa especulação tem algum fundamento", ressalta. "Além disso, a concentração de lítio no Atacama é maior. Mas em números absolutos com certeza o Uyuni tem mais", compara.Biondi vê no conhecimento teórico um obstáculo para o desenvolvimento comercial do lítio naquele país: "Falta conhecimento em relação ao potencial do Uyuni, e a Bolívia não tem condições tecnológicas e recursos para fazer um estudo aprofundado no local. Eles precisam correr porque, se esperarem muito, as empresas vão acabar indo para outros lugares", alerta.

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      Interatividade: O governo da Bolívia deve abrir a exploração do lítio para a participação de empresas privadas?

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