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Em sua crônica de despedida do Japão, veiculada em julho de 2013, o correspondente da Rede Globo no país, Roberto Kovalick, caminha pelas ruas de Tóquio carregando uma mala de rodinhas. Em certo momento, ele a deixa à beira de uma calçada por onde passam milhares de pessoas. Afasta-se e observa. Em meio aos pedestres, a mala permanece intocada por um longo período, até que ele mesmo a recolhe. “Se alguém pegar, será provavelmente para entregar num posto da polícia”, diz o jornalista. Passou-se cinco anos. E a capital japonesa está mais segura do que nunca. 

A conclusão é do Índice de Cidades Seguras 2017, feito pela Unidade de Inteligência Econômica da revista The Economist. Com seus 9 milhões de habitantes – 37 milhões, se contabilizada sua região metropolitana –, Tóquio ostenta o primeiro lugar num ranking que avalia o nível de segurança e insegurança das 60 maiores cidades do planeta. 

A lista leva em conta 49 indicadores categorizados em segurança pessoal, segurança de saúde, segurança de infraestrutura e segurança digital. Considerando uma escala de 0 a 100, a metrópole asiática atinge nota de 89,80, bem acima da média geral, de 72 pontos. Na sequência, aparecem Singapura e Osaka, esta última também no Japão, sucedidas por Toronto, no Canadá, e Melbourne, na Austrália. Rio de Janeiro e São Paulo, as únicas capitais brasileiras na lista, aparecem nas posições 37ª e 38.ª 

É difícil estabelecer uma razão isolada para o sucesso de Tóquio no que diz respeito à segurança. “Trata-se de uma soma de fatores, como educação, baixos índices de pobreza, polícia eficiente e a certeza de que quem comete crime vai preso”, explica o cônsul-geral do Japão em Curitiba, Hajime Kimura. Além disso, o respeito a valores, princípios e opiniões é facilmente percebido nas relações humanas, onde a tradição e os costumes são extremamente valorizados. 

“O japonês não consegue pensar em pegar algo que não seja dele”, resume a brasileira Sarah Blasko. Natural de Goiás, ela vive em Tóquio desde 2008, quando partiu em busca de oportunidades profissionais. Dona de uma empresa de assistência remota e de um salão de beleza, hoje ela não pensa em retornar ao Brasil. Além da prosperidade econômica, a tranquilidade de viver em uma metrópole sem o medo característico das grandes cidades brasileiras é um atrativo à parte. 

No Japão, a criminalidade está em queda constante desde 2002, quando atingiu um pico de quase 3 milhões de ocorrências. Em 2017, o índice chegou a um recorde positivo de 915 mil crimes – foi a primeira vez, desde a 2ª Guerra Mundial, que o país não ultrapassou a casa de 1 milhão. Os avanços também se devem ao aumento no contingente de policiais e à instalação de câmeras de segurança nas ruas. 

Os dados, fornecidos pela Agência Nacional de Polícia do Japão, apontam redução geral nos mais variados eventos. Os furtos, por exemplo, caíram 33,2% desde 2013, enquanto os roubos recuaram 44%. Já no quesito homicídios, foram apenas 920 registros em 2017, o que corresponde a menos de 1 para cada 100 mil pessoas. No Brasil, no mesmo período, foram 59 mil assassinatos, ou 29 mortes por grupos de 100 mil pessoas. 

 Cultura e riqueza 

Escolhida para sediar os Jogos Olímpicos de 2020, a capital do Japão é marcada por características contrastantes. Nas ruas, é possível se deparar com arranha-céus ultramodernos ao lado de templos seculares. Executivos, mulheres de quimonos, jovens fashionistas, emulando animes ou 

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O baixo índice de pobreza no país contribui diretamente com a segurança da capital. Terceira maior economia do mundo, o Japão detém uma taxa de desemprego de 2,4%, a mais baixa em 25 anos. O cenário de pujança tem em Tóquio seu maior expoente: a cidade responde por um PIB anual de US$ 2,5 trilhões, impulsionado pela tecnologia de ponta. Se fosse um país, seria a sexta nação mais rica do planeta, à frente de França, Índia, Itália e Brasil. 

Com PIB per capita anual na casa dos US$ 40 mil (no Brasil, o valor é cinco vezes menor), a capital japonesa acaba sendo pródiga em multimilionários. De acordo com o censo global de “ultrarricos” da consultoria Wealth-X em 2017, Tóquio contava com 6.040 donos de fortunas superiores a US$ 30 milhões. Nova York, com 8.350 multimilionários, e Hong Kong, com 7.650, apareciam nas primeiras posições. Os ricaços têm seus motivos para viver sem os nervos à flor da pele, temendo roubos, assaltos e muito menos latrocínios. 

A lei é dura no Japão. Alguns crimes, inclusive, são punidos com pena de morte. Desde 2012, o governo do primeiro-ministro conservador Shinzo Abe executou 28 homens. Sempre por enforcamento. Em comum, eles cumpriam sentenças por múltiplos assassinatos. Contrariando apelos de organizações internacionais em defesa dos direitos humanos, como a Anistia Internacional, o Japão está entre as 53 nações onde ainda vigora esse tipo de condenação – a imensa maioria países de regime autoritário e subdesenvolvidos. 

Por ser uma ilha, o país asiático consegue uma melhor blindagem à entrada de drogas e armas. Espingardas de caça e rifles de ar comprimido são os únicos equipamentos de tiro cuja venda é permitida. Nada de revólveres ou pistolas, muito menos fuzis. Estima-se que no Japão existam em torno de 6 armas para cada 1.000 pessoas, ao passo que nos Estados Unidos essa proporção é de 9 para 10, de acordo com o Instituto de Estudos Internacionais e de Desenvolvimento de Genebra, na Suíça. 

Quem insistir em ter uma arma de fogo em solo japonês precisa enfrentar um processo árduo. O périplo envolve dias inteiros de aulas, aprovação em provas de alta exigência, exames de doping e psicológicos e ainda se submeter à investigação de vida pregressa. Mesmo assim, a polícia pode simplesmente negar o porte. O governo limita cada cidade a ter no máximo três lojas de armas. E a pessoa só pode comprar cartuchos novos se entregar os que foram usados. E mais: a cada três anos, o cidadão precisa enfrentar uma nova bateria de exames. 

Com pouquíssimas armas em circulação, os assassinatos causados por elas não costumam chegar a 10 por ano. Em 2014, por exemplo, foram seis mortes – contra 33 mil nos Estados Unidos. A consequência disso é uma polícia que raramente atira. Em Tóquio ou em qualquer outra cidade, os homens da lei estão habituados a sair no braço quando necessário. Isso mesmo: todo policial deve ser faixa preta em judô. Se um bêbado passa dos limites, o servidor reage usando táticas não violentas de luta corporal para conduzi-lo até a delegacia. Não é de se admirar que os policiais acabem passem mais tempo treinando judô e kantu – uma espécie de esgrima japonesa – do que em estandes de tiro. 

Com uma ampla rede de unidades policiais, o Japão tem um dos modelos mais antigos de policiamento comunitário do mundo. Dos cerca de 6 mil postos do país, chamados de koban, 1.200 ficam em Tóquio. No interior de um koban há sempre um ou dois policiais à disposição. Os demais servidores atuam junto à comunidade, a pé ou de bicicleta, conversando com moradores e comerciantes da região. “Os policiais são amigos das pessoas, se comunicam com eles e sabem quem mora em qual casa”, explica Kimura, do consulado japonês em Curitiba. No dia a dia, as ocorrências mais comuns resumem-se a ajudar pessoas perdidas, receber cartas ou pertences esquecidos. 

 Outro mundo 

A realidade japonesa é, de fato, completamente diferente do que os brasileiros estão acostumados. Ao comparar Tóquio com São Paulo, com seus 13 milhões de habitantes, a disparidade em relação à sensação de segurança é gritante. Segundo o Numbeo , maior banco de dados global de fonte coletiva, enquanto a capital paulista marca apenas 12 pontos no quesito “andar na rua à noite”, Tóquio chega a um escore de 84 de 100 pontos. “Quando volto para o Japão, a primeira coisa que me chama atenção é ver mulheres andando sozinhas tarde da noite em trens e ruas escuras”, diz Kimura. 

Ainda que seja tarefa cotidiana para milhões de pessoas, o uso do transporte público tira o sono de muitos brasileiros – sobretudo as mulheres. Segundo o Instituto de Segurança Pública (ISP), no primeiro semestre de 2018 foram registrados 7.673 roubos a passageiros de ônibus no estado do Rio de Janeiro. Para quem vive em Tóquio, problemas assim inexistem. Em coletivos ou nos metrôs, por lá é normal ver compartimentos para bolsas e mochilas lotados enquanto as pessoas tiram um cochilo – a bagagem permanece intocada. 

As diferenças entre as metrópoles brasileiras e japonesas seguem abissais nos mais diferentes quesitos – do vandalismo e da corrupção ao uso de drogas, roubos e assaltos. “Em São Paulo eu não me sentia ‘no direito’ de ter as coisas. Em Tóquio, compramos bicicletas elétricas e as deixamos paradas em frente à nossa casa, sem nenhuma proteção”, conta a psicopedagoga Daniela Campanha. Ela, o marido e as duas filhas se mudaram para a capital japonesa em agosto. A família mora em Shibuya, um dos mais bairros mais movimentados de Tóquio. 

Mas nem tudo são flores no país das ameixeiras e cerejeiras mais bonitas do planeta. Fundadora do Guia Japão, empresa de turismo para brasileiros em Tóquio, Andrea Kamyia conta que em bairros boêmios há riscos. “Se for mulher, precisa ficar esperta ao andar sozinha, porque o japonês perde a noção quando bebe”, afirma. O Relatório de Crime e Segurança do Japão 2018 mostra que locais como Shibuya, Roppongi e Ikebukuro, famosos por seus bares, clubes e danceterias, estão entre aqueles com maior incidência de crimes. Em geral, os eventos não vão muito além de pequenos roubos, brigas e assédio. 

“Um homem já tentou me atacar na rua, mas como a minha reação foi bem agressiva, ele desistiu”, relata Andrea. Natural de Santos (SP), ela mora há quatro anos em Tóquio e conta que em alguns locais a presença da máfia também é forte. A mais famosa é a Yakuza, organização secular formada por mais de 60 mil membros. Diferentemente de outros países, no Japão não é ilegal pertencer a uma gangue. Logo, os membros da Yakuza são facilmente reconhecidos pelas tatuagens que, não raro, cobrem o corpo inteiro. A organização promove festas populares tradicionais e tem seus ganhos atrelados a empresas de fachada e negócios como jogos, prostituição, tráfico de drogas e, mais recentemente, têm apostado forte em golpes online. 

Morando desde o começo do ano em Tóquio, Tammy Miura conta precisou acionar a polícia foi quando ela e o irmão foram assaltados. Era um dos últimos finais de semana da primavera e, como costume, o Youogi Park estava lotado. Depois de deixar as mochilas no gramado, em questão de segundos não viram mais as bolsas. No dia seguinte, prestaram queixa num koban e, para surpresa, estava tudo lá – exceto o dinheiro. “Até a câmera, que custava bem mais que o valor que tínhamos na carteira, foi deixada por eles.” Na capital mais segura do mundo, até mesmo os ladrões são diferenciados.

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