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Bilhetes de expatriados que vivem na Austrália cobrem a parede de um prédio do governo honconguês em Sydney, com palavras de apoio para os protestos pró-democracia no território chinês | Dean Lewins/Efe
Bilhetes de expatriados que vivem na Austrália cobrem a parede de um prédio do governo honconguês em Sydney, com palavras de apoio para os protestos pró-democracia no território chinês| Foto: Dean Lewins/Efe

Entrevista

Para analista, Pequim teme que demonstrações cheguem ao continente

Agência O Globo

Roy Wye, pesquisador do Royal Institute of International Affairs (Chatham House), em Londres, diz que Pequim teme o "contágio" das manifestações de Hong Kong na China continental. Para ele, essa é uma das razões pelas quais o governo chinês não vai ceder.

Quais as chances de os manifestantes obterem de Pequim o direito à democracia plena e sufrágio universal nas eleições de 2017?

Acho pouco provável que Pequim faça concessões significativas. Eles estão dispostos a aceitar o sufrágio universal em 2017, mas os candidatos têm de ser escolhidos por um comitê seletivo. A razão pela qual eles estão fazendo isso é que eles querem ter certeza de que a pessoa que se tornar chefe do Executivo da Hong Kong será, em suas palavras, "patriótica". Querem essencialmente alguém que faça o que eles querem, cuja primeira lealdade será a Pequim, e não a Hong Kong.

O senhor vê uma saída para as manifestações?

Vai ser difícil, porque as posições estão muito distantes. Pequim já disse que os protestos são ilegais, o que sugere que não está preparada para ouvir o que dizem os manifestantes. No Documento Branco [documento oficial do governo chinês] publicado há alguns meses, eles deixaram absolutamente claro que mudanças constitucionais em Hong Kong são uma questão de soberania chinesa, para a China decidir e ninguém mais.

O senhor acredita que as manifestações vão simplesmente acabar?

O problema é que elas não podem simplesmente acabar. Mesmo que se chegue a algum tipo de acordo sobre a eleição do chefe do Executivo, os problemas mais fundamentais da relação entre Hong Kong e a China, e a capacidade de Hong Kong de exercer autonomia dentro do esquema "um país com dois sistemas" não vão embora. Mesmo depois de o chefe do Executivo ser eleito, haverá a questão da Assembleia Legislativa. Esses problemas não vão desaparecer se não se encontrar uma solução para este conjunto de perguntas.

Há risco de os protestos se espalharem para a China continental?

Tudo isso tem de ser analisado num contexto que inclui revoluções coloridas [na Ucrânia e na Geórgia] e Primavera Árabe. Todos esses eventos preocuparam Pequim. A lição que Pequim reteve de todos esses processos é que você não deve ceder às reivindicações dos manifestantes porque elas só vão aumentar — o que eventualmente pode levar a perturbações e caos. Isso não é bom para a China nem para o Partido Comunista chinês. O governo está preocupado com a contaminação [dos protestos] e o risco de Hong Kong se tornar uma base subversiva contra a China.

Roy Wye, pesquisador do Royal Institute of International Affairs (Chatham House), em Londres.

Personagens

Conheça as duas figuras que se destacam no cenário honconguês:

Leung Chun-Ying

Chefe do governo de Hong Kong, e também conhecido como CY Leung, é a figura mais impopular dos protestos. O empresário do setor privado e ex-funcionário público — com laços de longa data com Pequim — é filho de um policial e cresceu em um bloco apertado de apartamentos, com banheiro compartilhado. Leung já foi apelidado de "imperador da classe trabalhadora", graças à rápida ascensão à riqueza. Mas, aos 60 anos, tem feito muito pouco pelos pobres desde que chegou ao poder, em 2012, após vencer a controversa eleição indireta para o cargo de executivo-chefe. Seu principal adversário e até então favorito, Henry Tang, foi derrotado após um escândalo financeiro vir à tona.

Joshua Wong

Com apenas 17 anos, Joshua é um dos responsáveis pelos protestos nas ruas de Hong Kong. Mas sua indignação não começou agora. Há três anos, fundou o movimento "Scholarism", que se opôs aos planos de exigir educação pró-comunista e patriótica em Hong Kong. Na semana passada, o grupo mobilizou os alunos a deixar as salas das aulas, um movimento significativo em uma cidade que reverencia a educação, para enviar uma mensagem pró-democracia a Pequim. Na última sexta-feira, ganhou os holofotes depois de ter sido preso quando estudantes invadiram a sede do governo. Sua maior referência é Wang Dan, um dos líderes dos protestos na Praça da Paz Celestial, em Pequim, no ano de 1989.

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O número de pessoas nas ruas de Hong Kong aumentou ontem em dezenas de milhares. Fizeram parte dos protestos: famílias com crianças, casais, estudantes e aposentados que vivem na cidade de 7 milhões de habitantes.

Os estudantes de Hong Kong, que realizam manifestações pedindo mais democracia no território chinês, advertiram que vão intensificar suas ações se o chefe do Executivo local não renunciar hoje, possivelmente ocupando importantes prédios do governo.

A medida traz riscos de um novo confronto com a polícia, além de colocar pressão sobre o governo chinês, que até agora tem apenas declarado as manifestações como algo ilegal e apoiado o chefe do Executivo de Hong Kong, Leung Chun-ying nas tentativas de encerrar os protestos, batizados de "revolução dos guardas-chuvas".

Publicações na mídia estatal chinesa indicam que o governo pode estar perdendo a paciência com os manifestantes. Um editorial solenemente lido na principal emissora de televisão chinesa, a CCTV, disse que os moradores de Hong Kong deveriam apoiar as autoridades para "implantar a ação da polícia de forma decisiva" e "restaurar a ordem social em Hong Kong o mais rápido possível".

Os estudantes lideram protestos pedindo amplas reformas eleitorais, o que representa o mais duro desafio à autoridade de Pequim desde que a China retomou o controle da ex-colônia britânica, em 1997.

Lester Shum, vice-secretário da Federação dos Estudantes de Honk Kong, disse que os estudantes gostariam de ter uma oportunidade de conversar com um funcionário do governo central chinês. "Porém, nós pedimos a eles que venham até a praça e falem com as massas", disse Shum aos jornalistas. "Este é um movimento de habitantes de Hong Kong e não liderado por qualquer grupo específico."

Shum exige a renúncia de Leung e diz que não há "espaço para o diálogo" porque ele ordenou que a polícia jogasse gás lacrimogêneo contra os manifestantes no fim de semana.

"Leung Chun-ying deve renunciar. Se ele não deixar o cargo até amanhã [hoje], intensificaremos nossas ações com a ocupação de vários prédios importantes do governo", disse, acrescentando que os manifestantes não interferirão em serviços governamentais "essenciais", como hospitais e escritórios de bem-estar social.

Reivindicações marcam o Dia Nacional chinês

Os estudantes receberam o apoio de simpatizantes que realizaram protestos em Macau, ex-colônia portuguesa que a China retomou em 1999, e também em Taiwan, que a China considera um território rebelde.

Em Hong Kong, os manifestantes interromperam o chefe do Executivo de Hong Kong, Leung Chun-ying, durante uma cerimônia, ontem pela manhã, em comemoração ao Dia Nacional, o dia em que a China comunista foi fundada, em 1949.

Centenas de pessoas gritaram que ele deveria renunciar, mas depois ficaram em silêncio e viraram de costas quando a cerimônia começou.

Em seu discurso, Leung não mencionou os protestos, mas disse aos eleitores que será melhor concordar com o projeto de Pequim de vetar candidatos e realizar a eleição do que manter o atual sistema, pelo qual uma Comissão Eleitoral escolhe o chefe do Executivo.

Já o presidente chinês Xi Jinping, que tem agido com rigor contra ameaças ao poder do Partido Comunista, prometeu no discurso pelo Dia Nacional "salvaguardar firmemente" a prosperidade e a estabilidade em Hong Kong.

Contexto

Os protestos honcongueses foram motivados por uma decisão tomada por Pequim, em agosto, sobre os candidatos que participarão da primeira eleição para a principal autoridade do território, marcada para 2017. O governo chinês exige que todos os candidatos sejam aprovado por um comitê, formado principalmente pelas elites locais, ligadas a Pequim. Os manifestantes dizem que a China está voltando atrás da promessa que o chefe do Executivo seria escolhido por meio de um "sufrágio universal".

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