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A oceanógrafa Fiammetta Straneo usa instrumentos, a partir de um helicóptero, para medir a velocidade com que a água está derretendo a geleira Helheim, na Groelândia | Tony Cenicola/The New York Times
A oceanógrafa Fiammetta Straneo usa instrumentos, a partir de um helicóptero, para medir a velocidade com que a água está derretendo a geleira Helheim, na Groelândia| Foto: Tony Cenicola/The New York Times
  • Derretimento da geleira de Petermann, na costa noroeste da Groenlândia

Tasiliq - Dependurados nas laterais de helicóptero, os pesquisadores Gor­­don Hamilton, da Univer­­si­­dade do Maine, e Fiammetta Stra­­neo, do Instituto Oceanográfico Woods Hole, em Massachusetts, lançam um mecanismo medidor nas águas coalhadas de gelo da Groelândia. Prestes a atingir o fundo, o mecanismo registra que a temperatura da água está acima de 4°C. Essa foi a última de uma série de medições desconcertantes que mostram que a água está quente o suficiente para derreter as geleiras rapidamente a partir de suas bases. "Foi a temperatura mais alta que registramos no fiorde (golfo de grande extensão)", confirma Straneo.

A medição de temperatura foi uma nova peça no quebra-cabeça de informações coletadas no es­­forço para responder uma das mais urgentes – e, com certeza, amplamente debatidas – dúvidas que intrigam a humanidade: com que velocidade o gelo terrestre irá derreter em consequência do aquecimento global?

Os cientistas há muito acreditavam que o colapso das gigantescas calotas de gelo da Groenlândia e da Antártida demoraria milhares de anos para ocorrer, com o nível do mar possivelmente su­­bindo menos de 20 centímetros durante este século, mais ou menos a mesma variação que teve no século 20.

Entretanto, os pesquisadores se assustaram ao ver que grandes mudanças ocorreram recentemente na Groenlândia e na An­­tártida.

Em consequência de cálculos complexos que levam em consideração estas mudanças, muitos estudiosos dizem que o nível do mar deve aumentar cerca de 1 metro até 2100 – o que representaria uma ameaça para regiões costeiras em todo o mundo.

Os cálculos sugerem que o aumento de nível poderá superar 1,80 metro, o que colocaria milhares de quilômetros do litoral dos Estados Unidos embaixo d’água e, provavelmente, deslocaria dezenas de milhões de pessoas na Ásia.

Os cientistas dizem que um aumento de cerca de 1 metro inun­­daria terras baixas em muitos países, tornando algumas áreas inabitáveis. Isto também faria com que inundações costeiras que ocorrem uma ou duas vezes por século passem ocorrer com maior frequência. Haveria ainda a erosão muito mais rápida das praias, ilhas de barreira e pântanos, sem contar na provável contaminação dos suprimentos de água doce pelo sal.

Algumas das maiores cidades do mundo – Londres, Cairo, Ban­­coc, Veneza e Xangai – ficariam criticamente ameaçadas com o aumento de cerca de 1 metro no nível dos mares.

Os cientistas climáticos admitem abertamente que a estimativa de 1 metro pode estar errada. Sua compreensão das mudanças que estão ocorrendo no mundo ainda é muito primária.

Polêmica

O aumento do nível do mar tem sido um elemento especialmente delicado no debate sobre o aquecimento global. Uma estimativa sugeriu que a ameaça era tão terrível que o nível do mar poderia subir quase 5 metros ainda neste século.

Os céticos sobre o aquecimento global, por sua vez, alegam que qualquer mudança que ocorra nos lençóis de gelo provavelmente se deve à variabilidade natural do clima, e não aos gases do efeito estufa produzidos pelos seres humanos.

A grande maioria de cientistas climáticos afirma, porém, que os gases que retêm o calor são quase certamente um fator decisivo. Eles acrescentam que a falta de políticas para limitar as emissões aumenta o risco de que o gelo entre em um declínio irreversível antes do final deste século.

No entanto, enquanto o au­­men­­to do mar poderia ser a consequência isolada mais séria do aque­­cimento global, nenhum país rico possui uma estratégia nacional prioritária para entender as mu­­danças no gelo. A consequência disso é que os pesquisadores não têm informações elementares, e essa desinformação torna impossível para os cientistas precisar a gravidade da situação.

Os especialistas também argumentam que os gases estufa certamente possuem uma parcela de culpa no que está acontecendo com o gelo terrestre. Os cientistas alegam que a falta de políticas que limitem as emissões só aumenta o risco que nível de gelo entre em um declínio irreversível muito antes que este século acabe, um cenário que faria um aumento de mero 1 metro no nível do mar pa­­recer algo corriqueiro.

Evidências

O derretimento de gelo não é a única evidência que o planeta es­­tá aquecendo. Termômetros terrestres, nos mares e a bordo de sa­­télites registram aumento nas temperaturas. Ondas de calor, enchentes e outros eventos climáticos intensos estão ocorrendo com maior frequência. As plantas estão florescendo antes da época, recifes de corais estão morrendo e várias outras mudanças são fatalidades que a maioria dos cientistas climáticos atribui ao aquecimento global.

Mesmo assim, o aumento do nível dos mares pode se tornar o efeito mais sério e catastrófico do aquecimento global. Apesar dos Estados Unidos estarem entre os países com mais ricos, nem eles nem qualquer outra nação desenvolvida acompanhou e entendeu que as mudanças nos níveis de gelo são uma prioridade estratégica nacional.

A pior implicação disso é constatar que os cientistas não conseguem informações elementares. Eles não conseguiram medir a temperatura da água nas proximidades das maiores reservas de gelo do planeta, muito menos constatar se a água que rodeia estas reservas de gelo está se aquecendo com o passar do tempo. Satélites vitais para pesquisa estão desatualizados ou muito antigos e não são substituídos na hora certa, o que faz com que os cientistas americanos percam parte de sua capacidade de observar gelo a partir do espaço.

As informações faltantes im­­possibilitam os cientistas de precisar quão séria a situação realmente é. "Como cientista, você tem que acreditar nos seus conhecimentos e analisar o que sugerem as evidências. Porém as coisas que vi na Groenlândia nos últimos cinco anos são alarmantes. Po­­demos ver lençóis inteiros de gelo mudar, literalmente, da noite pa­­ra o dia", observa Gordon Ha­­mil­­ton.

Água aquecida

As medições obtidas por Ha­­mil­­ton e Straneo há algumas se­­ma­­nas, de mais de 4°C próximo ao fundo do fiorde, se encaixam em um padrão que os cientistas vêm confirmando nos últimos anos.

A água originada muito mais ao sul, em partes mais quentes do Oceano Atlântico, está chegando aos fiordes groenlandeses a um passo muito rápido. Os cientistas suspeitam que ao derreter o gelo "por baixo", a água quente está diminuindo a conexão das geleiras com o chão e as rochas mais próximas.

Dados de satélite e outras me­­dições sugerem que durante a década de 1990, a Groenlândia conseguia repor, através de nevascas, praticamente a mesma quantidade de gelo que perdia para o mar todos os anos. Todavia, desde então, a água cada vez mais quente tem invadido os fiordes, e a temperatura do ar vem subindo drasticamente em todo o território gro­­enlandês. A perda geral de ge­­lo aparenta estar acelerando, um sinal ameaçador visto que a ilha possui gelo o suficiente para au­­mentar o nível global dos mares em mais de 6 metros.

Apesar dessa constatação, de aumento da temperatura, os cientistas não provam que o aquecimento global induzido pelos seres humanos seja a causa das mudanças na Groelândia e na Antártida. Eles estão cientes de que o clima no Ártico sofre grandes variações naturais. Durante as décadas de 1920 e 1930, por exemplo, uma onda de calor diminuiu o tamanho de várias geleiras.

Nível variável

Uma das maiores provas para se acreditar que o nível do mar pode sofrer grandes variações no futuro é que ele já fez isto no passado. "Estamos acostumados com margens fixas, mas elas não são as­­sim", diz Robin E. Bell, cientista do Observatório Terrestre La­­mont-Doherty, da Universidade de Colúmbia.

Para a maioria dos cientistas climáticos, a questão não é se o ge­­lo terrestre vai derreter como re­­sultado do aumento das emissões de gases estufa, mas se isso acontecerá rápido demais para que a sociedade se adapte a tempo.

Pesquisas recentes sugerem que o volume do oceano pode ter ficado estável durante milhares de anos. Mas ele começou a subir no século 19, mais ou menos na mesma época em que os países avançados começaram a queimar grandes quantidades de carvão e petróleo.

O mar subiu cerca de 20 cm desde então. Parece pouco, mas em uma área costeira de baixa inclinação, tal aumento é capaz de causar uma erosão substancial a não ser que haja intervenção hu­­mana. Governos já gastaram bi­­lhões nas últimas décadas fazendo aterros de areia em praias com ameaça de desaparecer, além de programas de proteção de mangues nas zonas costeiras.

Os cientistas desempenham há anos um enorme esforço para comprovar se um aumento do ní­­vel do mar em ritmo similar ocorrerá neste século. Em seu último relatório geral, em2007, o grupo da ONU que avalia a ciência climática, o Painel Intergo­­ver­­namental sobre Mudança Climá­­tica, disse que o nível do mar au­­mentaria pelo menos mais 18 cm e poderia ultrapassar os 60 cm no século 21.

Todavia, o grupo advertiu que tais estimativas não incluem completamente a "dinâmica do gelo", possibilidade de que as grandes re­­servas de gelo do mundo comecem a derreter no oceano em um ritmo muito mais rápido do que poderiam derreter em terra firme.

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