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Foto de dezembro de 2004 mostra um homem da tribo Sentineleses apontando seu arco e flecha para um helicóptero da Guarda Costeira Indiana, após o grande tsunami que atingiu a região | AFP
Foto de dezembro de 2004 mostra um homem da tribo Sentineleses apontando seu arco e flecha para um helicóptero da Guarda Costeira Indiana, após o grande tsunami que atingiu a região| Foto: AFP

O missionário americano John Allen Chau foi dado como morto após o seu desaparecimento em 17 de novembro na remota Ilha Sentinela do Norte, na Índia, habitada por uma tribo indígena hostil a estranhos.

Na noite anterior à última ida de John Chau à remota ilha, ele lutou contra o medo de que sua morte estivesse próxima. 

“Estou com medo”, escreveu o americano de 26 anos do estado de Washington, que viajou para a ilha em uma missão clandestina para converter seus habitantes ao cristianismo. “Assistindo o pôr do sol e está lindo – chorando um pouco... imaginando se será o último pôr do sol que eu vejo.” 

Seus contatos iniciais com os Sentineleses, uma minúscula tribo de caçadores-coletores que rejeitam o contato com o mundo exterior, não tinham corrido bem. Um adolescente atirou uma flecha nele, que perfurou sua bíblia à prova d'água, enquanto ele nadava até o seu bote. 

No entanto, Chau decidiu voltar para a ilha e tentar novamente, estimulado pelo sentimento de que ele era um instrumento de Deus. 

“Senhor, esta ilha é a última fortaleza de Satanás, onde ninguém ouviu ou teve a chance de ouvir o seu nome?”, ele escreveu em um diário de seus últimos dias fornecido ao jornal The Washington Post por sua mãe. 

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Ele deixou as 13 páginas, escritas a caneta e lápis, com os pescadores que o transportaram para a ilha. Na manhã seguinte à última viagem de Chau à ilha, os pescadores viram seu corpo sendo arrastado e enterrado na areia. Depois, avisaram um amigo do missionário, que deu a notícia aos parentes. 

O governo indiano trabalha com antropólogos para tentar recuperar o cadáver. A polícia da cidade de Port Blair, capital das ilhas Andaman e Nicobar, na Índia, enviou nesta semana um helicóptero e um barco com uma equipe de policiais para avaliar se é possível recuperar o corpo. Diplomatas americanos também estão em Port Blair para prestar assistência. 

O diário de Chau revela um retrato de um jovem obcecado com a ideia de levar o cristianismo para os Sentineleses, que são dezenas de pessoas que viveram em grande parte sem contato do mundo exterior há séculos, protegidos de visitantes pela lei indiana. 

As anotações mostram também que Chau sabia que sua missão era ilegal. Ele escreveu sobre manobras para evitar as autoridades indianas que patrulham as águas perto da Ilha Sentinela do Norte. 

“O próprio Deus estava nos escondendo da Guarda Costeira e de muitas patrulhas”, afirmou em uma descrição da jornada de barco. 

Ele não havia contado a ninguém sobre seu plano de contratar pescadores locais para levá-lo à área tribal porque “não queria colocar seus amigos em risco”, disse um de seus associados, Bobby Parks, a sua mãe após sua morte, de acordo com um e-mail que ela compartilhou com o Post. 

A fatídica expedição de Chau causou indignação generalizada na Índia, de maioria hindu. No país, os evangélicos cristãos são frequentemente vistos com raiva ou suspeita. Críticos dizem que a sua escancarada violação da lei indiana foi egoísta e colocou em risco a frágil tribo – potencialmente expondo-os a doenças modernas para as quais não têm imunidade. 

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Um viajante ávido formado pela Universidade Oral Roberts, Chau já havia visitado as ilhas Andaman e Nicobar quatro vezes e ficou impressionado com a beleza natural e isolamento da região. 

No barco para a Ilha Sentinela do Norte – viajando à noite para evitar ser detectado pelas autoridades – Chau escreveu que viu plânctons bioluminescentes sob um dossel de estrelas enquanto peixes pulavam dentro e fora da água como “sereias”. 

Depois de remar em um caiaque para a ilha, Chau tentou envolver os habitantes oferecendo como presentes peixes, tesouras e alfinetes de segurança e cantando “canções de adoração”. Uma parte de seu diário é dedicada às suas impressões sobre os Sentineleses: ele anotou detalhes de sua língua (“muitos sons agudos”) e gestos. 

Perto do final do diário, Chau se perguntou se deveria abandonar sua missão ou voltar para a ilha e arriscar as consequências. 

“Eu acho que seria mais útil vivo... mas para o senhor, Deus, eu dou toda a glória de tudo o que acontecer”, escreveu Chau. Ele pediu a Deus que perdoasse “qualquer uma das pessoas nesta ilha que tentarem me matar, especialmente se tiverem sucesso”. 

Perdão 

A família de John Chau publicou em rede social que perdoa os assassinos do parente. Os familiares pediram que a polícia indiana libertasse os sete pescadores que ajudaram Chau a chegar à região, acusados de homicídio culposo pelas autoridades. Na Índia, é proibida qualquer visita à ilha. 

“Ele (Chau) se aventurou por vontade própria e os seus contatos locais não precisam ser perseguidos pelas ações dele”, afirmou a família em publicação no Instagram. “Ele era um querido filho, irmão, tio e melhor amigo para nós. Para os outros, era um missionário cristão, um técnico médico, treinador de futebol e alpinista. Ele amava Deus, a vida, ajudar aqueles em necessidade e ele não tinha nada além de amor para o povo da Ilha Sentinela do Norte”, escreveram. 

O diretor-geral da polícia das Ilhas de Andaman e Nicobar, Dependera Pathak, afirmou que o americano pagou US$ 325 aos sete pescadores para que o levassem à ilha em um bote. 

A organização Survival International, que trabalha pelos direitos de tribos, disse que a morte do missionário americano deveria alertar as autoridades indianas para melhor proteger as terras dos povos locais. “A ocupação colonial britânica das Ilhas de Andaman dizimou as tribos que ali viviam, aniquilando milhares de indígenas, e apenas uma fração da população original sobrevive. É compreensível o receio do povo da Ilha Sentinela do Norte a estranhos”, afirmou em declaração o diretor do grupo, Stephen Corry.

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